Deflagrada em 2019, Operação Omertà completa dois anos e fez frente ao crime organizado

Deflagrada na manhã de 27 de setembro de 2019, a “Operação Omertà”, uma ofensiva de uma força-tarefa do MPE (Ministério Público Estadual) e polícias contra a milícia armada que agia em Mato Grosso do Sul, completou dois anos ontem (27), tendo como saldo o desmantelamento da milícia armada mais temida e poderosa de Campo Grande (MS). De acordo com o site G1, a ação é considerada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), um divisor de águas no enfrentamento às organizações criminosas no Estado.

Desde a primeira ação, em 27 de setembro de 2019, já foram deflagradas sete fases e resultou na apresentação de 25 ações à Justiça. Teve condenação em três desses processos e os outros estão em fase de instrução processual. Os crimes tratados vão de homicídios qualificados, formação de milícia armada à exploração de jogos de azar, agiotagem e lavagem e dinheiro. O Gaeco, a pedido do site G1, traçou um raio-x dos resultados obtidos nestes dois anos, entre eles, a prisão dos suspeitos de chefiarem a milícia armada em Campo Grande – Jamil Name, que faleceu de Covid-19 contraída na prisão, e Jamil Name Filho – e uma organização criminosa parceira que agia em Ponta Porã, Fahd Jamil, que está cumprindo prisão domiciliar por motivos de saúde.

Jamil Name, de 82 anos, morreu em junho deste ano em razão de complicações causadas pela Covid-19. Ele cumpria pena no Presídio Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte, mas em razão da doença havia sido transferido para um hospital particular na cidade, onde faleceu. Seu filho permanece preso nesta mesma unidade penal. Já Fahd Jamil se entregou à Polícia em abril deste ano em Campo Grande. Com graves problemas de saúde e após pagar fiança de R$ 990 mil, cumpre prisão domiciliar com monitoramento por tornozeleira eletrônica.

Números

Nas sete fases da Operação Omertà, foram 86 prisões, sendo 73 preventivas e 13 temporárias. No período, 82 endereços foram alvos de busca e apreensão, principalmente em Campo Grande e Ponta Porã, sede das organizações criminosas que foram alvos da operação. “As investigações descortinaram gravíssimos crimes perpetrados por duas das maiores e mais poderosas organizações criminosas de Mato Grosso do Sul, que se comunicavam e se apoiavam mutuamente no tráfico de armas e na execução de vários homicídios”, descreve o Gaeco no balanço enviado ao G1.

“Enquanto uma tinha base no município de Ponta Porã, a outra tinha sede nesta Capital, reconhecida como a maior e mais duradoura estruturada milícia armada do Estado de Mato Grosso do Sul, que dentre os seus objetivos estava a execução de homicídios, pelas mais variadas motivações, desde desacordos comerciais até inimizades e vinganças”, prosseguem, em manifestação conjunta, os promotores do núcleo especializado em combate ao crime organizado. Na descrição dos promotores, as organizações atacadas praticavam homicídios qualificados, por meio de planos elaborados, executados pelos envolvidos de maneira meticulosa e detalhada, “visando sempre à impunidade”.

Os grupos à margem da lei, anota o texto, eram extremamente organizados e aparelhados, contando com agentes treinados, “muitos dos quais integrantes das forças de segurança, tais como guardas municipais, policiais militares, policiais civis e policiais federais”. Com os envolvidos, foi apreendido um verdadeiro arsenal. A maior parte do armamento foi encontrada antes mesmo do início da Omertà, em maio de 2019, em um paiol improvisado em casa no Bairro Monte Líbano, em Campo Grande. Isso indica, na visão do Gaeco, que havia potencial para a execução de inúmeros outros homicídios. Esse fato, para o Gaeco, representa a confirmação de atuação em atividade típica de “grupo de extermínio/milícia armada”.

O Gaeco cita, como demonstração do poderio dos investigados – trecho de conversa captada entre o suspeito apontado com um dos líderes da milícia e a sua ex-mulher, via WhatsApp. “Quem tem medo é que é caçado, não sou eu, a matilha é minha, não morro fácil não (…) sai a maior matança da história do MS” (…), traz a transcrição do diálogo, atribuído a Jamil Name Filho. Os promotores do Gaeco destacam que outro resultado das várias fazer da Omertà é que as investigações conseguiram impedir planos de atentados contra autoridades do estado. “Como ainda que se continuasse a embaraçar a instrução das ações penais em andamento, por meio de pagamentos e outros expedientes”, afirmam os promotores.

Detalhamento

Como resultado de todas as fases da Operação Omertà estão em andamento 11 ações penais contra os acusados de integrar os quatro núcleos das duas organizações criminosas (chefia, gerência, apoio operacional, e o de execução). Segundo o Gaeco, três processos estão na fase final, com a instrução encerrada, aguardando a sentença dos juízes responsáveis, “depois da oitiva em juízo de centenas de pessoas, entre réus, testemunhas e informantes”.

Há também uma ação penal já julgada, que tramitou na Auditoria Militar. Em decisão unânime do Conselho Permanente de Justiça Militar, foi reconhecido que um sargento da Polícia Militar integrava a organização criminosa, da qual, segundo a acusação aceita, recebia vantagens indevidas sistemáticas. A pena imposta foi de 10 anos, 11 meses e 5 dias de reclusão, junto com a perda de patente.

“Foram propostas ainda aproximadamente 10 (dez) ações penais, por crimes independentes, decorrentes dos flagrantes ocorridos durante os cumprimentos de mandado de busca e apreensão ocorridos no bojo da operação Omertà”, informa o Gaeco. Todas elas relacionados a crimes de posse ou porte ilegal de armas de fogo e munições.

Em uma delas, houve a condenação pelo TJMS de um policial civil pelos crimes de posse ilegal de munição de uso restrito, um fuzil e receptação. A sentença impôs cinco anos de reclusão. O Tribunal confirmou, ainda, a condenação de um policial federal pelos crimes de posse ilegal e receptação de munições de origem estrangeira.

Crimes de pistolagem

Em relação aos assassinatos atribuídos aos investigados, existem três ações penais em andamento na 2ª Vara do Tribunal do Júri em Campo Grande. Elas se referem aos seguintes crimes: execução do chefe de segurança da Assembleia Legislativa, Ilson Martins Figueiredo, o subtenente “Figueiredo”, alvo de emboscada no dia 11 de junho de 2018, na Avenida Guaicurus, em Campo Grande, aos 62 anos; a morte de Marcel Costa Hernandes Colombo, o “Playboy”, 31 anos, atingido à queima-roupa quando estava em um bar no dia 18 de outubro de 2018, em Campo Grande; fuzilamento, por engano, do estudante Matheus da Costa Xavier, vítima aos 20 anos no dia 9 de abril de 2019, na saída da casa onde vivia com o pai, o ex-capitão da Polícia Militar Paulo Roberto Teixeira Xavier, que seria o verdadeiro alvo da milícia, de acordo com a força-tarefa da Omertà.

O caso mais avançado é o que trata da morte de Matheus. Os réus já foram mandados ao júri popular, mas houve recurso, no momento aguardando a apreciação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Todos esses homicídios foram investigados pela força-tarefa. Um quarto assassinato, de Orlando da Silva Fernandes, o “Bomba”, ocorrido no dia 26 de outubro de 2018, também ficou nas mãos da força-tarefa, e não teve conclusão ainda. Fernandes era apontado como ex-segurança do narcotraficante Jorge Rafaat, que foi executado em junho de 2016, em uma esquina de Ponta Porã.

Está no escopo dos trabalhos da força-tarefa, ainda, a execução de Claudio da Silva Simeão, empresário de 48 anos, alvejado no dia 15 de novembro de 2018. Esse inquérito ainda corre de forma sigilosa. Uma sexta ação por homicídio corre em Bela Vista, contra culpados, conforme a acusação, pelo duplo homicídio do servidor público Alberto Aparecido Roberto Nogueira, de 55 anos, mais chamado de “Betão”, e do policial Anderson Celin Gonçalves da Silva, 36 anos. Os corpos deles foram achados carbonizados em uma caminhonete, na região do lixão de Bela Vista, na região fronteiriça à Bolívia.

Para a acusação, foi Fahd Jamil quem mandou matar Betão e Anderson, para vingar a morte do filho Daniel Georges, o “Danielito”, que desapareceu em 2011, em Campo Grande, e foi dado como morto em 2019. Ouvido em juízo, Fahd Jamil, durante décadas apelidado de “Rei da Fronteira”, negou a imputação. Disse até hoje estar “no escuro” sobre o que aconteceu com “Danielito”.

Caso reaberto

A equipe da Polícia Civil dedicada às investigações é formada por cinco delegados, dois deles lotados na Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros (Garras), outros dois da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídios (DEH) e a quinta na Delegacia de Atendimento à Infância e Juventude (Deaij). O grupo chegou a pedir o desarquivamento da execução do delegado aposentado Paulo Magalhães, ocorrida em 2013, pela qual só foi condenado um pistoleiro, sem identificação de mandante.

A Justiça autorizou a reabertura do inquérito, a peça foi apresentada indicando alvos da Omertà como os mentores da morte de Magalhães, porém o entendimento da promotoria foi de que faltaram indícios para a acusação. Novamente, houve arquivamento. O assassinato do delegado, polêmico por causa das denúncias que fazia, rendeu condenação a um dos homens apontados na Omertà como pistoleiro: José Moreira Freires, o “Zezinho”.

Outro integrante do grupo de assassinos, Juanil Miranda Lima é, até hoje, considerado fugitivo, constando da lista dos mais procurados no País, elaborada pelo Ministério da Justiça. Zezinho também fazia parte da relação, até ser morto em confronto com a polícia do Rio Grande do Norte, em dezembro de 2020.

Mortos

Jamil Name, por causas naturais, e Zezinho, ferido mortalmente a tiros durante confronto, não são os únicos que morreram desde que a operação Omertà começou. Cláudio Rosa de Moraes faleceu aos 53 anos, vítima das consequências da covid-19. Ele havia sido preso na sexta fase da operação, em setembro do ano passado, quando a exploração do jogo do bicho em Campo Grande foi o alvo. “Claudio BX” era tido como um dos gerentes da contravenção.

Em um condomínio de apartamentos da Praia dos Ingleses, em Florianópolis (SC) morreu Thiago Machado Abdulhad, que tinha prisão preventiva decretada por participação na morte de “Betão” e Anderson Celin. Ele seria um dos pistoleiros do episódio. A Omertà surgiu de investigação sobre assassinatos em Campo Grande, ocorridos em período inferior a um ano, com o mesmo padrão, característico de crime de pistolagem. Nas sete fases, porém, outros crimes foram sendo incluídos no rol de apuração.

“A Operação Omertà também conseguiu desarticular o núcleo dos gerentes responsáveis pela estruturação e funcionamento do jogo do bicho em Mato Grosso do Sul, que era uma das principais fontes de renda da organização criminosa”, relata o Gaeco. As defesas negam a existência de provas contra os clientes e usam, como um dos argumentos em favor deles, a tese de que a acusação tenta criminalizar relações que são de parentesco, amizade ou de trabalho.

Morto sem sentença

Jamil Name, que ficou preso por 9 meses, morreu em maio sem que tivesse havido sentença sobre as acusações de comandar o esquema ilegal em Campo Grande. “A defesa sequer teve tempo para comprovar a ausência de culpa de Jamil Name antes que a tragédia anunciada acontecesse. Foram reiterados pedidos de liberdade que alertavam a gravidade do seu estado de saúde e o risco de morte a qualquer momento. Com isso, a consequência jurídica do falecimento é a extinção da punibilidade nas ações penais”, afirma o advogado Tiago Bunning, que representou Jamil Name junto ao Judiciário.

“Isso não representa uma absolvição e tampouco uma condenação, mas apenas a ausência de possibilidade de punição. Obviamente, na esfera penal onde a pena recai sobre a liberdade do réu, não se pune os mortos”, acrescenta. Os defensores de Fahd tentam levar os autos que correm contra ele para processamento na esfera federal, sob alegação de que o juízo estadual é incompetente para cuidar do caso, essencialmente por haver um policial federal envolvido.

Em decisão liminar, o magistrado Waldir da Costa Marques negou o pedido no dia 24 de setembro. Agora, o colegiado da 2ª Vara Criminal vai decidir o mérito. “O Sr. Fahd Jamil é inocente em relação a todas as acusações que lhe são formuladas, com vem sendo demonstrado nas instruções dos processos. Porém, uma vez que é acusado de crime doloso contra a vida, junto com crimes comuns que lhe são conexos, a competência para o julgamento de todos os crimes deveria ser da Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande.

Além disso, por haver acusação de crime que teria sido praticado por funcionário público federal, no exercício de suas funções, deve prevalecer a competência da Justiça Federal sobre a Justiça Estadual. Assim sendo, no mérito, se pede no Habeas Corpus que seja reconhecida a competência do Tribunal do Júri da Justiça Federal de Campo Grande”, declarou ao G1 o advogado Gustavo Badaró, integrante da banca que representa Fahd.

Autoridades

‘A Omertà também alcançou um deputado estadual, Jamilson Name (sem partido), filho de Jamil Name, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Jerson Domingos, e um delegado de Polícia Civil, o ex-titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Homicídio, Marcio Oshiro Obara. Obara, acusado de tentar obstruir as investigações para favorecer a milícia armada, em troca de propina de cem mil reais, conforme a acusação, chegou a ficar preso, por mais de seis meses, e depois conseguiu decisão para responder em liberdade vigiada por meio de tornozeleira. No ano passado, obteve também autorização judicial para dar aulas de formação a policiais civis, desde que obedecesse ao horário de recolhimento noturno às 20h.

A defesa de Jerson Domingos, também alvo de processo por obstrução de Justiça, nega a acusação. “Jerson Domingos se defendeu regularmente. Acredita tudo ter esclarecido. Confia na justiça, que logo resolverá o processo, com absolvição, como se espera”, afirma André Borges, o responsável pela representação legal do ex-deputado estadual.

Quanto a Jamilson Name, correm processos por lavagem de dinheiro e exploração de jogos de azar. Procurado, o advogado do parlamentar, Gustavo Passareli, afirmou que, “com relação ao deputado Jamilson Name, os processos ainda estão em fase inicial, mas apresentada a defesa não houve demonstração de qualquer conduta ilícita praticada por nosso cliente que, temos certeza, demonstrará sua inocência no decorrer do processo”. Com informações do site G1 – Mata Ferreira