Figura carimbada em investigações de lavagem de dinheiro desde o início dos anos 2000, o doleiro brasileiro Dario Messer, que foi citado nos escândalos do Banestado e Swissleaks e tem como apelido o “doleiro dos doleiros”, faz parte de um pequeno grupo de empresários e doleiros que lançou um desafio à força-tarefa da Operação Calicute (versão da Lava-Jato no Rio de Janeiro): prenda-me se for capaz.
Ele e mais 16 investigados desapareceram de cena, passando à condição de foragidos desde que o juiz federal Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, assinou os seus pedidos de prisão. Da relação, só há certeza sobre o paradeiro de três deles: Arthur Soares, o “Rei Arthur”, empresário que o governo americano reconheceu estar em seu território, e Felipe Paiva e José Carlos Lavouras, ambos refugiados em Portugal por terem cidadania lusitana.
Paiva e Lavouras, inclusive, são pivôs de uma crise entre as autoridades brasileiras e portuguesas porque, até o momento, o país europeu não tomou providências contra eles com base nas provas remetidas pela força-tarefa. No esforço de levar o grupo para trás das grades, a Lava-Jato incluiu os 17 nomes na “lista vermelha” da Interpol (alerta internacional para fins de extradição) e busca acordos de cooperação internacional.
Ficha corrida
Procurado pela Interpol, o doleiro Dario Messer construiu um currículo invejável no obscuro mundo do mercado financeiro ilegal. Acusado de ter coordenado um esquema que movimentou mais de US$ 1,6 bilhão em 52 países, ele foi chamado pelo colega de profissão e delator Alberto Youssef de “o doleiro dos doleiros” no Brasil.
Toninho Barcelona, outro gatuno das transações por baixo dos panos, disse que ele era “o principal doleiro do Partido dos Trabalhadores”, mas sua atuação é alvo da polícia muito antes do PT chegar ao poder e também inclui outros partidos. Desde os anos 1990, tem a Justiça em seu encalço. Mesmo assim, ampliou seus tentáculos e fincou raízes no Paraguai, onde tem relação estreita com o milionário presidente Horacio Cartes, que se refere a ele como “um irmão espiritual”.
Cartes, na verdade, já era velho conhecido do pai de Dario, Mordko Messer, que teria ensinado o ofício de doleiro ao filho. É difícil mencionar um escândalo de corrupção brasileiro no qual Messer não tenha ajudado a azeitar as negociações e pagamentos. Segundo informações do Ministério Público Federal, ao menos US$ 1 bilhão teriam sido movimentados pelo doleiro entre 1998 e 2003.
Mas o nome de Dario veio à tona a partir das investigações do caso Banestado (antigo Banco do Estado do Paraná), ocorrido na segunda metade dos anos de 1990 e que envolveu remessas de dinheiro ilegais para o exterior via contas correntes, onde Alberto Youssef, o mesmo que deu o ponto de partida à Lava Jato, era personagem central.
O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito que apurou o escândalo do banco paranaense recomendou, em 2004, o indiciamento de Messer por sua atuação no envio de valores para outros países. A menção ao seu nome o elevou ao status de gigante do setor.
Durante o mensalão foi acusado de receber dólares petistas em uma de suas empresas offshore localizada no Panamá. Em troca, repassou quantia equivalente a uma conta no Banco Rural que seria utilizada pelo PT e pelo PP. O esquema teria contado com a participação de outro veterano em escândalos, o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.
Messer também não é estranho aos escândalos internacionais. Seu nome apareceu nas planilhas vazadas do banco HSBC, no caso conhecido como Swiss Leaks. A quantia localizada em sua conta corrente, no entanto, destoa dos grandes valores movimentados pelo doleiro: apenas 69.000 dólares. Não existem provas de que o dinheiro depositado tinha origem ilegal.
Na condição de doleiro mor no Brasil, Messer servia como fiador de transações realizadas por outros doleiros menores, fazendo com que, ainda que indiretamente, ele tivesse participação em centenas de operações ilegais. Por isso as autoridades brasileiras o consideram uma espécie de “instituição financeira” própria. Segundo a revista Veja, por exemplo, o doleiro Benjamin Katz, tido como um dos operadores do ex-deputado Eduardo Cunha, era cliente de Messer. Ele também teria participado do esquema que lavou dinheiro para o ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
O ofício de intermediar remessas, empréstimos e pagamentos no exterior escapando do radar do fisco e sem ser detectado pelas autoridades foi aprendido com o pai, o polonês Mordko Messer, considerado um pioneiro no ramo dos doleiros e morto em data desconhecida. A família chegou a ser dona de um banco, o Dimensão, e possui casas de câmbio e outros empreendimentos no Brasil, Paraguai e os Estados Unidos. É proprietária de um apartamento de dois quartos no Upper East Side, em Manhattan, um dos bairros mais nobres de Nova York.
Dario Messer tinha moradia fixa atualmente no Paraguai, para onde se mudou quando a operação Lava Jato começou, em 2014. “Até o dia 3 de maio, ele tinha toda a liberdade de se movimentar de um lugar a outro pois não tinha nenhuma restrição”, disse ao EL PAÍS Luis Arias, delegado da Interpol em Assunção, capital paraguaia.
Segundo ele, Messer tinha uma carta de naturalização desde que chegou ao Paraguai, documento este que veio depois de as autoridades paraguaias levantarem os antecedentes de Messer no Brasil. Segundo a Interpol brasileira, ele não respondia a problemas judiciais no país àquela altura. “Foi assim que ele conseguiu sua naturalização”, completa Arias.
Conexão paraguaia
As relações da família Messer com o presidente paraguaio, Horacio Cartes, são antigas. Durante evento do Congresso Mundial Judeu em Buenos Aires, realizado em março de 2016, Cartes afirmou que em um momento difícil de sua vida ele foi acolhido por Mordko, a quem chamou de “segundo pai”. “Deus colocou em meu caminho uma família e uma grande pessoa, que me acolheram em seus corações e sentimentos, e me fizeram sentir parte da família. Me ajudaram e me ensinaram coisas fundamentais. Eles ganharam meu eterno carinho de filho, minha gratidão e admiração”, disse Cartes.
Anos depois, em 2010, o paraguaio chamou Dario de “irmão de alma” em entrevista ao jornal local Última Hora.O doleiro mesmo particiopou de uma viagem oficial do presidente a Israel em 2013. Messer tem um imóvel no exclusivo Paraná Country Club, na cidade de Hernandarias, onde apartamentos valem mais de 200.000 dólares e uma casa alcança 1 milhão. De acordo com o jornal ABC Color, em 2017 Cartes “criou decretos para beneficiar seu ‘irmão’ Dario”, dentre eles o veto a um projeto que declarava o terreno do Paraná Club como sendo uma reserva natural.
A ligação de Messer com o presidente paraguaio, que deve deixar o cargo no próximo 15 de agosto após a eleição realizada no país no mês passado, causou uma importante repercussão política no país. Vários ministros e até o presidente eleito, Mario Abdo Benítez, tiveram que responder por essa conexão. “Os amigos são os amigos, é a única coisa que eu posso dizer”, afirmou o ministro de Relações Exteriores, Eladio Loizaga. “A Justiça funciona ou não funciona? Ela funciona em nosso país”, acrescentou diante das perguntas dos jornalistas.
O ministro da Indústria e o Comércio, Gustavo Leite, comentou que ele não sabia da amizade do doleiro com o presidente até que Messer participou de uma viagem oficial a Israel. O ministro tentou tirar qualquer responsabilidade do governo pelas atuações do amigo de Cartes: “Eu tenho entendido que ele tem investimentos aqui, mas eu não sei o que ele fez. Nós fazemos o nosso trabalho do lado do Governo. Mas nós não somos quem deve julgar as pessoas, porque ele tem processos e a Justiça é quem deve cuidar disso. De todo modo, ainda que ele tenha processo, é inocente enquanto não for declarado culpado”.
O vencedor da última eleição e futuro presidente, Mario Abdo Benítez, do mesmo partido que o governo, também tentou minimizar o caso e as possíveis consequências políticas no país: “Enquanto o sistema republicano a as nossas instituições funcionem, e o mandado da Justiça for cumprido, por que isto vai afetar o Paraguai? O Paraguai é afetado quando há impunidade, corrupção. Mas se a instituições funcionam normalmente, cada um tem que prestar contas dos seus atos”.
Para além dos contatos no Paraguai, Dario Messer também era famoso no Rio de Janeiro pelas festas em seu apartamento no Leblon, frequentadas por famosos jogadores de futebol, políticos e estrelas da TV. Agora, a Lava Jato vai atestar se o glamour a seu redor e as conexões poderosas vão ajudá-lo a sair das garras da Justiça.