Com Mato Grosso do Sul sendo rota para o tráfico internacional de cocaína do Brasil para a Europa, as autoridades de segurança pública registraram um aumento de registros de comércio ilegal de aviões e de acidentes com helicópteros no Estado, principalmente na região sul, que fica perto das fronteiras com Bolívia e Paraguai.
No caso dos aviões, o transporte de cocaína a partir da Bolívia, do Peru e da Colômbia para o Brasil, algumas vezes passando pelo Paraguai, acarreta em um comércio ilegal de aeronaves roubadas ou furtadas em território brasileiro e na venda desses equipamentos em áreas bolivianas.
Essas aeronaves roubadas e furtadas chegam a ser negociadas por R$ 300 mil, conforme apuração de autoridades brasileiras que atuam nesse tipo de investigação, lembrando que muitos modelos têm valor comercial de mais de R$ 1 milhão.
Geralmente, os traficantes conseguem usar em território boliviano alguns esquemas para maquiar a identificação e até a nacionalidade dessas aeronaves. Esses aviões passam a ter outra configuração e costumam voar em trajetos que chegam a 5 horas de viagem.
Nesses casos, esses modelos são usados para permitir que a cocaína saia da Bolívia e entre no Brasil, por exemplo. O território do Pantanal é uma das rotas frequentadas, por conta das variadas pistas clandestinas e, alguns locais, de difícil acesso.
Os criminosos ainda instalam sistemas que permitem aumentar a autonomia das aeronaves, caso haja uma emergência ou algum tipo de fiscalização que pode alterar a rota repentinamente. Para garantir essa condição, tanques suplementares costumam ser instalados nas asas, o que permite um aumento de até 2,5 horas de voo.
Conforme a reportagem apurou com policiais que investigam esses crimes envolvendo roubo e furto de aviões, esses tanques suplementares também são camuflados para não chamar atenção. Em geral, quando a aeronave tem esse equipamento em região de fronteira, levanta-se muita suspeita.
Além disso, a demanda por esse meio de transporte é intensa. Ainda, as manutenções nem sempre ocorrem regularmente. Por isso, é comum ocorrer acidentes ou até mesmo as aeronaves pousarem e não serem mais utilizadas em função de algum problema mecânico.
No Pantanal da Nhecolândia, recentemente, a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul encontrou dois modelos que estavam abandonados. Um deles aparentemente bateu a hélice no pouso e acabou ficando abandonado. Um outro ficou em área alagada, e os criminosos não conseguiram retirá-lo do local.
Com relação a uma dessas aeronaves abandonadas no Pantanal neste ano, a equipe do DRACCO (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado) conseguiu identificar após perícia que se tratava de um avião que pertencia a um possível laranja e que estava registrado em Ponta Porã, porém, com caracterização de identificação boliviana.
Desde 2021, o DRACCO tem feito um trabalho de monitoramento desses roubos e furtos de aeronaves não só em Mato Grosso do Sul, mas também em outras partes do Brasil. Cruzando informações e trabalhos de inteligência, as equipes vêm conseguindo rastrear parte das rotas que são feitas por esses criminosos.
O itinerário, em geral, é atravessar o Pantanal para chegar na Bolívia, a fim de ocorrer a maquiagem no equipamento, o qual, posteriormente, é entregue para os traficantes fazerem o transporte da droga. Nesse acompanhamento, por exemplo, está o caso de três aviões que foram roubados em Aquidauana, em 2021. Um deles pertencia ao cantor Almir Sater.
Um modelo Skylane, inclusive bem semelhante ao do músico e pecuarista, chegou a ser apreendido na Bolívia no ano passado, no aeroporto La Cruceña. Nessa mesma operação em território boliviano, cerca de 60 aviões foram encontrados pela FELCN, força especial que atua contra o narcotráfico no país vizinho.
Apesar das apreensões na Bolívia, ainda não existe uma relação com troca de informações contínuas entre as autoridades brasileiras e bolivianas para cruzar os dados e identificar se os aviões roubados e furtados no Brasil foram parar em território boliviano.
Não foi possível quantificar o número de aeronaves roubadas ou furtadas no Brasil. Entretanto, dados do Ministério de Governo da Bolívia apontam que, só nos primeiros quatro meses, foram apreendidas 18 aeronaves e ainda houve a identificação de 18 pistas clandestinas. Em julho, um centro de distribuição de cocaína usado por aviões foi descoberto a cerca de 200 km de Corumbá, na região de Roboré.
Acidentes com helicópteros
Já no caso dos helicópteros, a quantidade de acidentes tem crescido em território sul-mato-grossense. O acidente da última quarta-feira (3) envolvendo um helicóptero no Parque Estadual das Várzeas do Rio Ivinhema, em Naviraí, foi a sétima ocorrência com esse tipo de aeronave na mesma região em menos de três anos e as evidências apontam que todas estavam a serviço do tráfico de cocaína.
Nesta última ocorrência, em que os dois ocupantes saíram praticamente ilesos, ainda não existe comprovação de que os envolvidos estivessem a serviço do narcotráfico, mas nos demais, a polícia encontrou drogas ou evidências de que os helicópteros fossem usados para transportar cocaína.
Porém, no caso de quarta-feira, a polícia já confirmou que o voo era clandestino e que o piloto já havia sido detido por suposto envolvimento com a quadrilha comandada por Antônio Joaquim da Mota, conhecido como Motinha ou Dom, que foi alvo de duas grandes operações da Polícia Federal em maio e junho deste ano.
Depois de serem resgatados do meio das várzeas às margens do Rio Ivinhema, os dois sobreviventes, que estavam com R$ 32 mil em cédulas de cem reais, disseram que estavam a caminho de uma oficina para helicópteros em Fátima do Sul. A polícia, porém, não tem conhecimento sobre a existência desta suposta oficina para helicópteros na pequena cidade na região de Dourados.
A série de acidentes envolvendo helicópteros na região sul do Estado começou em 11 de setembro de 2020, quando uma aeronave foi encontrada incendiada em uma fazenda em Iguatemi. Os investigadores chegaram à conclusão de que os ocupantes colocaram fogo na aeronave depois de fazerem o pouso de emergência. Nenhum ferido foi localizado e os proprietários nunca comunicaram o incidente às autoridades.
Depois disso, em 16 de abril de 2021, um helicóptero fez um pouso forçado no assentamento Itamaraty, em Ponta Porã, depois de bater na fiação da rede de energia de alta tensão. Antes de a polícia chegar, o piloto formatou o celular e destruiu o GPS do helicóptero para impedir que os investigadores encontrassem pistas sobre a origem e os proprietários da aeronave.
A suspeita da polícia é de que ele voasse baixo para escapar dos radares da Força Aérea Brasileira e por isso atingir a fiação. Depois disso, no dia 3 de junho de 2021, policiais da região de Nova Andradina e Batayporã apreenderam 250 quilos de cocaína que eram transportados num helicóptero que fez um pouso próximo ao Rio Paraná, já na divisa com o estado de São Paulo. Quatro pessoas foram presas em flagrante por envolvimento com o narcotráfico.
Meses depois, no dia 20 de outubro, um helicóptero que transportava 246 quilos de cocaína caiu e pegou fogo em uma lavoura em Ponta Porã, a cerca de 35 quilômetros da linha de fronteira com o Paraguai. Os dois ocupantes morreram. A aeronave não tinha plano de voo, o piloto não era habilitado e voava baixo para fugir dos radares. A mesma aeronave havia feito pelo menos cinco outros voos na região.
Na semana seguinte, no dia 27, outro helicóptero fez um pouso forçado no município de Batayporã. Ele foi destruído pelo fogo e a investigação apontou que o incêndio foi criminoso para dificultar o trabalho da polícia. Partes da aeronave chegaram a ser desmontadas, indicando que os proprietários tinham interesse em reutilizar algumas peças, mas depois desistiram e colocaram fogo em tudo. Nenhum ocupante procurou socorro médico ou fez registro sobre o acidente.
Por último, já neste ano, no dia 9 de fevereiro, dois ocupantes de um helicóptero morreram do lado paraguaio da fronteira, no departamento de Concepcion, a cerca de 85 quilômetros da fronteira. As vítimas eram um brasileiro e um paraguaio.
A suspeita é de que a fatalidade tenha ocorrido porque o piloto estava muito baixo e acabou atingindo a rede de energia. E, de acordo com a polícia, a baixa altitude é uma das características de atuação dos narcotraficantes. O piloto e o helicóptero eram brasileiros e os familiares da vítima não souberam informar com exatidão qual o tipo de trabalho ele fazia na região de fronteira entre Brasil e Paraguai.
Em nenhuma das sete ocorrências elencadas acima os investigadores informaram os nomes dos proprietários destas aeronaves, que podem ter custo da ordem de R$ 5 milhões. Porém, em operações da PF no dia 30 de junho e 11 de maio deste ano, a instituição informou que a quadrilha comandada pelo sul-mato-grossense Antônio Joaquim da Mota, o “Motinha”, é especializada no uso de helicópteros para o transporte de cocaína.
Informou, ainda, que em menos de três anos apreendeu 12 aeronaves pertencentes ao grupo. E, nesta quinta-feira (03), em mais uma operação da PF, outro helicóptero foi apreendido. Ele estava em um hangar na cidade paulista de Americana. Com informações do Correio do Estado