Não pode rezar em casa? Deputados oportunistas vão contra as regras da pandemia

Na contramão dos protocolos de biossegurança adotados para evitar o avanço da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), os deputados estaduais Coronel David (sem partido) e Herculano Borges (Solidariedade) fizeram pronunciamentos na sessão remota da Assembleia Legislativa para defender o fim da restrição das igrejas e templos neste momento. A dúvida é simples: por acaso os fiéis não podem rezar em casa? Qual a necessidade de irem até as igrejas e templos para encontrar Deus, se isso pode ser obtido dentro da segurança dos próprios lares?

Mesmo com recorde de mortes e de contaminações por Covid-19 no Estado, os nossos “nobres” deputados estaduais não pensam assim e posicionam-se contra o fechamento das igrejas e templos. “Hoje no STF será votada a decisão sobre a liminar do ministro Cássio Nunes que retira poderes dos governadores de fechar a igreja. Este impedimento é uma afronta à Constituição. Nós em Mato Grosso do Sul temos a Lei Estadual 5.502, que inclui igrejas entre as atividades essenciais. A igreja é parceira da sociedade, e trabalha pelo consolo das pessoas”, afirmou Herculano Borges, ressaltando a necessidade do respeito a normas de segurança contra o vírus.

Já o deputado estadual Coronel David foi mais longe. “No momento de pandemia, as pessoas precisam ter fé e acreditar em Deus. Nossa Constituição Federal, no seu artigo 5º no inciso 6º permite a liberdade religiosa e, neste momento de pandemia, as pessoas precisam ter fé e acreditar em Deus, porque para Deus tudo é possível. Quando os homens falham e os remédios não atingem o objetivo, eu vejo muitas pessoas fechando os olhos, rezando ou orando e pedindo a Deus para que essa doença seja afastada de nós”, disse, lembrando ainda do período difícil em que foi diagnosticado com a Covid-19.

Para o parlamentar, é contraditório o fato de alguns prefeitos e governadores restringirem as cerimônias religiosas por meio de decretos, sob o argumento de defesa da saúde, enquanto outras atividades funcionam normalmente, ainda que favorecendo a aglomeração, ao citar a lotação nos ônibus coletivos. “Eu me espanto de ver que as pessoas têm todo esse cuidado com as igrejas e templos que estão seguindo as medidas sanitárias de segurança e essas mesmas pessoas não veem os nossos ônibus todos lotados, em todos os horários. Parece que só na igreja tem vírus e dentro do ônibus não tem”, falou.

O deputado estadual teme que a questão do enfrentamento à Covid-19 seja, mais uma vez, politizada. A expectativa do parlamentar é que o STF leve em consideração o direito fundamental da liberdade religiosa e “não se deixe levar pela política”. “É só isso que eu peço. O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição e tem a responsabilidade de prezar pelo respeito aos princípios constitucionais, como a liberdade religiosa. Porque em momentos de dificuldades, como esse que estamos vivendo, é importante termos fé para enfrentar essa situação, precisamos continuar a acreditar em Deus e a gente precisa acreditar também nos homens que aplicam a lei aqui entre nós”, finalizou.

STF

O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou ontem (07) por manter sua decisão contra a realização de cerimônias religiosas com público presente no estado de São Paulo na fase emergencial de combate à covid-19. Na prática, apesar de ser um processo referente a São Paulo, o entendimento segue a linha de que  estados e municípios têma prerrogativa de determinar regras de quarentena.

Isso porque o julgamento após decisão conflitante que vinha permitindo nos últimos dias a realização de cerimônias com público pelo país. No sábado (3), o ministro Nunes Marques liberou a presença dos fiéis, respeitando o limite de 25% da lotação de cada espaço. Ele atendeu pedido da Associação Nacional de Juristas Evangélicos.

A decisão contrariou decisões locais, como a da Prefeitura de Belo Horizonte, que havia vetado público em igrejas. Além disso, o STF havia determinado no ano passado que estados e municípios têm prerrogativas para também criar regras de isolamento.

Na segunda-feira (5), Gilmar Mendes concedeu decisão contrária à de Nunes Marques e julgou improcedente pedido do partido PSD contra decreto do governo de São Paulo que vetou eventos com aglomerações, – entre eles os religiosos – durante a fase emergencial do Plano São Paulo, iniciada no dia 15 de março.

Nesse cenário de decisões conflitantes, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, decidiu submeter a decisão de Gilmar Mendes ao plenário, para que os 11 ministros deliberem sobre o tema. Em seu voto nesta quarta, Gilmar Mendes citou decisão do ano passado que garantiu aos estados e municípios a prerrogativa de criar regras de quarentena sem que elas sejam revogadas por outros entes federativos. “Não fora essa decisão, o nosso quadro sanitário estaria ainda pior do que se encontra”, afirmou.

Em diversos momentos do voto, o ministro apontou a gravidade da pandemia, citando o número de vítimas e o colapso do sistema de saúde. “Temos diante de nós a maior crise epidemiológica dos últimos 100 anos”, disse. Afirmou ainda ser impensável qualquer ação do estado contrária à proteção coletiva da saúde e fez um paralelo com direito constitucional à vida. “A Constituição Federal de 1988 não parece tutelar um direito fundamental à morte”, disse.

Gilmar afirmou ainda que a decisão do governo de São Paulo sobre fechamentos na fase emergencial vedou não só as atividades religiosas, mas também o atendimento presencial ao público em bares, restaurantes, shoppings, praias e parques, entrou outros. Após seu voto, o julgamento foi suspenso e deverá ser retomado na quinta-feira (8).

O julgamento começou pouco após as 14h com participação do ministro da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, que defendeu a presença de público nas igrejas, respeitando cuidados como número restrito de pessoas, e afirmou que “não existe cristianismo sem vida em comunidade”. O procurador-geral da República, Augusto Aras, também defendeu a possibilidade de público parcial nas igrejas. Ele afirmou que a “ciência salva vidas, e a fé também”. Ambas caminham lado a lado em defesa da vida e da dignidade humana, sustentou Aras. O procurador-geral afirmou no sentido de que a possibilidade de frequentar cerimônias religiosas tem impacto na saúde mental.