Delegado “xerifão” de Corumbá que matou boliviano debochava da Polícia com seu agente

Fonte: Coluna Capivara Criminal – Marta Ferreira – CGNews
Preso desde março do ano passado, o delegado da Polícia Civil Fernando Araújo da Cruz, 34 anos, acusado de matar o pecuarista boliviano Alfredo Rangel Weber, 48 anos, dentro de uma ambulância em Corumbá (MS) no dia 23 de fevereiro de 2019, e o agente de polícia judiciária Emanuel Nicolas Contis Filho, que responde em liberdade a acusação de ser cúmplice do seu superior hierárquico, tiveram reveladas as conversas que ambos mantiveram depois do crime para burlar as investigações.

Segundo as apurações feitas pela Corregedoria da Polícia Civil, que levaram os dois à condição de acusados de crimes, o agente policial atuava como espécie de “capacho” do delegado com o objetivo de livrá-lo da responsabilização criminal. “Tá tudo quieto”, celebrou Emanuel Contis um dia após o assassinato, em 24 de fevereiro, quando não havia notícia nos jornais locais sobre o acontecimento. “Que sorte, hein doutor”, comemorava o agente policial.

Para os dois, a situação figuraria como mais uma entre tantas mortes envolvendo grupos rivais de traficantes, já que a vítima tinha sido condenada pelo crime no Brasil na década de 1990. “Bronca ficou toda lá, mas disse que nem acionaram a Polícia lá”, acreditava Fernando da Cruz. “Se alguém perguntar, os caras pegaram ele lá e finalizaram aqui”, completou.

Perguntado sobre como estava e o que fazia naquele momento, revelou despreocupação. “Tô assistindo filme”, disse o delegado. A calmaria acabou, pois logo se espalharam os boatos de que policial brasileiro tinha matado um boliviano na estrada. Inquérito foi aberto em Corumbá no dia 24 de fevereiro, testemunhas reconheceram Fernando Araújo da Cruz Junior, e a Corregedoria entrou no caso, ouvindo testemunhas e refazendo os passos do dia 23 de fevereiro.

O trabalho revelou que, enquanto a investigação era feita, o delegado e o agente seguiam tentando atrapalhar. Ambos foram filmados no estabelecimento comercial de uma das testemunhas, no dia seguinte ao depoimento. É atribuído à dupla o convencimento de outra testemunha-chave, o motorista da ambulância, para desdizer o conteúdo de declarações feitas à Polícia Civil, reconhecendo Fernando como o autor dos disparos contra Alfredo Rengel Weber.

Na imprensa do país vizinho, a informação chegou a sair como denúncia de que policiais brasileiros haviam “raptado” o motorista. Com as investigações em curso, e o veículo do delegado, uma S10 preta, foi identificado como o que interceptou a ambulância. Ao ser ouvido, o investigado disse ter “penhorado” o veículo para comprar material escolar da filha. Não disse com quem.

Também não revelou onde estava o revólver 357, com pintura niquelada, registrado em seu nome. No meio disso tudo, o delegado dizia ao amigo estar tranquilo sobre o insucesso das apurações. A Corregedoria está no escuro”, chegou a afirmar Fernando Araújo da Cruz Junior, dez dias antes de ser alvo de operação que o levou à prisão. A operação da Corregedoria da Polícia Civil teve apoio do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros) e da DEH (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes de Homicídios.

Na madrugada do dia 29 de março, quando foram feitas as prisões, delegado e agente conversaram até a madrugada sobre rastreadores de veículos. Às 7h, foi deflagrada a ação. Fernando tentou destruir o celular, na frente da equipe que o prendeu em casa, no Centro de Corumbá. A esposa, Silvia Aguilera, protagonizou cenas que chamaram a atenção, chegando a morder um policial responsável pela diligência, depois de sair correndo pela rua com a filha no colo e pedindo carona.

Havia motivo para a tentativa de destruir o aparelho. Fernando e Emanuel conversaram, muito, desde a sequência da morte na estrada entre a cidade boliviana de Puerto Suarez e Corumbá. Eram mensagens e ligações pelo Whatsapp. A Capivara Criminal apurou que no contexto dos diálogos de comentários jocosos sobre a investigação, comentários sobre como livrar o delegado e o acompanhamento das notícias, além de tentativas de difundir “contrainformações”.

Há um diálogo em que falam até em sabotar o trabalho policial. “Não dá pra implantar um bagulho forte?”, indaga o delegado em certo momento. O delegado pressionou o policial a conseguir atestado médico falso, de acordo com o que foi levantado. A ansiedade era tanta a ponto de perguntar quatro vezes sobre o documento, usado para justificar o afastamento do trabalho, quando esteve em Santa Cruz de La Sierra. A ida à cidade, conforme os levantamentos policiais, tem a ver com as tentativas de embaralhar a condução do trabalho policial.

Tudo corre em sigilo. No inquérito está descrita a tentativa de trocar a munição da arma de Fernando da Cruz para que a balística desse negativa. Também há um diálogo entre Emanuel Contis e o delegado no qual o agente recebe determinação para levar armas para a Bolívia.

Na semana passada, ele rompeu o silêncio sobre o assunto. Deu entrevista em que, assim como a defesa do delegado já fez, questionou o trabalho da Justiça no andamento processual. Confirmou ser amigo do delegado, mas não alguém próximo. Pelo trabalho feito para dar embasamento às acusações contra os dois policiais, os indícios são contrários ao que ele fala.

Fernando Araújo Cruz Junior aguarda julgamento na 3ª Delegacia de Polícia Civil em Campo Grande. Ele alega que foi provocado por Alfredo Rengel e diz ter agido em legítima defesa durante a festa. Não confessa a autoria dos tiros na rodovia. Afastado da Corporação desde abril do ano passado, já foi mandado a júri popular e contesta a decisão. Continua recebendo o salário, de R$ 21 mil brutos, R$ 14 mil líquidos.

O agente ficou preso de março a setembro do ano passado. Foi solto e permaneceu afastado da Polícia Civil. Depois, foi transferido de Corumbá para Coxim. O salário dele é em torno de R$ 4 mil. O episódio também segue em investigação na Bolívia, onde corre inquérito sobre as facadas em Alfredo Rengel. Existe, ainda, apuração sobre a atuação do ex-coronel Gonçalo Medina, comandante da Felcc (Força Especial Anti-Crime) à época dos fatos.

O ex-militar ficou preso até o mês passado, sob suspeita de envolvimento com o narcotraficante Pedro Montenegro, extraditado para o Brasil em novembro de 2019. Quanto à morte de Alfredo Rengel Weber, recai sobre Medina a suspeita de agir em benefício do delegado brasileiro, sonegando provas.

Entenda o caso

O delegado da Polícia Civil Fernando Araújo da Cruz, 34 anos, é acusado de matar o pecuarista boliviano Alfredo Rangel Weber dentro de uma ambulância em Corumbá (MS) no dia 23 de fevereiro deste ano. Ele é acusado por homicídio doloso qualificado por motivo torpe e por emboscada depois de uma briga nas eleições para presidente da associação de agropecuaristas na Bolívia.

O sogro de Fernando da Cruz, Asis Aguilera Petzold, que é o atual prefeito da cidade de El Carmen, na Bolívia, concorria ao cargo e a vítima, Alfredo Weber, foi até o local de votação, onde encontrou Sílvia Aguilera, que foi casada com um ex-sócio dele, mas já tinha um relacionamento com o delegado de Polícia Civil há algum tempo.

Segundo testemunhas, ao notar a presença de Sílvia Aguilera, o pecuarista boliviano, que também teria envolvimento com o tráfico de cocaína da Bolívia para o Brasil, teria cobrando dívidas do ex-marido e ameaçado os filhos dela com o delegado. Os dois discutiram e a confusão foi separada por Asis Petzold, que, ao lado de Fernando da Cruz, sentou-se em uma mesa para conversar com Alfredo Weber.

Aproveitando o momento de distração, o delegado esfaqueou as costas do boliviano, que foi socorrido e levado para um hospital local, mas devido à gravidade, teve de ser transferido para Corumbá. Já no município a ambulância foi fechada por uma caminhonete preta, cabine simples, mesmo veículo que Fernando da Cruz dirigia na época.

Ele desceu do veículo, foi até a ambulância, abriu a porta e atirou quatro vezes, sendo que três tiros atingiram a cabeça da vítima, um deles o tórax. Sem ter o que fazer, o motorista voltou com o corpo para o país vizinho. Para o juiz André Luiz Monteiro, há provas materiais juntadas pela acusação e, embora o delegado negue ter cometido o crime, há “indícios suficientes” de ter sido o autor dos disparos que mataram o pecuarista boliviano.

Fernando da Cruz está em cela da 3ª DP (Delegacia de Polícia), em Campo Grande (MS), sendo que já tentou a liberdade algumas vezes, sem sucesso. Na sentença de pronúncia, o magistrado também indeferiu pedido da defesa do delegado para que ele respondesse ao processo em liberdade. O investigador de Polícia Civil Emmanuel Nicolas Contis Leite será julgado como cúmplice do crime e por ter ajudado Fernando da Cruz a atrapalhar as investigações. Com infos CGNews