Comissões da Câmara Municipal investigam omissão do poder público na morte de Sophia

 Na próxima semana, mais precisamente no dia 15 de fevereiro, a partir das 9 horas, os integrantes das comissões de Segurança Pública e Direitos Humanos da Câmara Municipal de Campo Grande vão ouvir relatos de pais sobre a condição de atendimento da rede de proteção às crianças e adolescentes.

 

A iniciativa foi motivada pela morte da menina Sophia de Jesus Ocampo, de 2 anos, que foi assassinada pelo casal Stephanie de Jesus da Silva, 24 anos, e Christian Campoçano Leitheim, 25 anos, que são mãe e padrasto da criança e já estão presos.

 

O crime bárbaro colocou no centro do debate a eficiência dos serviços, já que o pai biológico da vítima, Jean Carlo Ocampos, relatou uma via crucis em busca por ajuda, diante das suspeitas de que a filha sofria violência no ambiente doméstico.

 

Ela morava com a mãe e o padrasto e, no dia da morte, descobriu-se que ela tinha um histórico de 30 passagens por postos de saúde. Conforme o vereador Paulo Landes (Patriota), da Comissão de Segurança, o pai da menina garantiu que comparecerá.

 

Ele classificou o caso como uma “tragédia anunciada” e os vereadores querem que outros pais também façam seus relatos. O principal, conforme exposto por vereadores, é começar pelos testemunhos, mas os parlamentares também vão convidar entidades da sociedade, como o CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), a OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil no Estado) e o Conselho de Serviço Social, além de autoridades.

 

Na semana seguinte à morte da filha, Jean Ocampos contou os passos que percorreu em busca de proteção para a filha. A situação ainda pode ter um elemento de preconceito. O pai vive uma relação homoafetiva e sempre esteve acompanhado do marido Igor de Andrade. Para o casal, além da burocracia, eles enfrentaram má vontade.

 

Em 31 de janeiro do ano passado, o pai foi à DEPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente) relatar suspeita de agressões, já que a menina, à época com 1 ano e meio, tinha vários hematomas e a ex-sogra contou-lhe que a filha estaria batendo na garota.

 

A movimentação seguinte dessa investigação, conforme cópia a que o Campo Grande News teve acesso, foi em 15 de março, com requisição do laudo do IML pela Polícia. Ocorre que a criança não foi submetida ao exame.

 

Dois dias depois, em 17 de março, a mãe, Stephanie de Jesus da Silva, foi ouvida, negou ter se excedido com a criança e atribuiu a denúncia a exagero do ex-marido. A mãe dela também falou no mesmo dia, admitiu que fez um desabafo ao pai da criança, mas isentou a filha de culpa e afirmou que estava tudo bem. No dia seguinte, essa investigação foi concluída e enviada à Justiça.

 

Como o caso foi registrado como maus-tratos, crime considerado de menor potencial ofensivo, e, por isso, levado ao Juizado, onde há uma tramitação diferente da adotada nos crimes mais graves. Não foi feita instrução e, durante audiência com juiz e promotor, Ocampos acabou reconhecendo que não tinha novos elementos e o caso acabou arquivado.

 

Em 22 de novembro, a menina já com 2 anos e 5 meses, novamente o pai foi à DEPCA, desta vez levando a filha com hematomas e a perna engessada, com a tíbia fraturada. Mais uma vez o caso foi registrado como maus-tratos. 

 

Ele contou à reportagem que nesta data ele esperava ter conseguido uma medida protetiva para a menina. Foi difícil conseguir pegar a criança para ir à polícia. A mãe dele precisou intervir e pedir à genitora que a deixasse ficar com a neta.

 

Dali, eles não foram encaminhados ao IML. A Polícia diz que a criança novamente não passou por exame de corpo de delito. A reportagem foi informada que esse novo termo circunstanciado, nome dado ao boletim registrado nos casos de menor potencial ofensivo, foi concluído em dezembro e remetido para distribuição a uma vara do Juizado. A Justiça não informou qual foi o trâmite adotado neste caso.

 

Jean Ocampos esteve em dois momentos no Conselho Tutelar. A primeira, no começo de fevereiro, depois que registrou o primeiro boletim de ocorrência. Esperava que o Conselho investigasse sua suspeita de violência doméstica. 

 

No Conselho da região norte, a reportagem apurou que houve uma visita à residência em que Sophia morava com a mãe, o padrasto, um filho dele e um bebê do casal, e a informação foi de que não teria sido constatada nenhuma irregularidade na casa.

 

Ele voltou ao Conselho em maio, de novo pedindo que o Conselho verificasse se não ocorria violência contra a filha. Mais uma vez, conforme informações repassadas no dia seguinte à morte, nada de incomum teria sido constatado. A partir dali, não houve mais interferência do Conselho Tutelar.

 

Jean Ocampos apostava em algum documento para que pudesse tentar obter a guarda da filha. Ele chegou a ir à Defensoria Pública debater a possibilidade e foi informado que precisava reunir provas, o que acabou não conseguindo.

 

Entre tantas idas e vindas, o tempo correu e a violência contra a menina escalou. A tragédia que atingiu a pequena garota ocorreu em meio ao momento em que entrava em vigência o maior avanço recente na proteção à criança, a Lei Henry Borel, de maio de 2022, prevendo maior articulação da rede de atendimento, o incentivo às denúncias, o maior rigor nas punições, o apoio a quem denuncia, a punição aos omissos. Mas nada disso alcançou a menina. Com informações do site Campo Grande News