Uma reportagem especial do site Campo Grande News revela que o avanço da sojicultura está contaminando os rios do município de Bonito, um dos principais destinos de ecoturismo do Brasil e do mundo, com agrotóxicos.
No mapa da produção, a área com cultivo de soja aumentou 26% no município e com isso trouxe a preocupação pelos impactos com uso de agrotóxico e pelas características diferenciadas da Serra da Bodoquena, que tem o chamado ambiente cárstico – cavernas, dolinas (depressão no solo) e abismos e, dessa forma, o solo é mais frágil do que em outras regiões.
Em junho do ano passado, levantamento da Fundação Neotrópica do Brasil encontrou, pela primeira vez, agrotóxicos nos rios do município. No Formoso, o corpo hídrico de águas verde-azuis, e no Verde, foi detectada a simazina. No Rio do Peixe, o levantamento acusou o tiametoxan. Já no Córrego Bonito, que corre na área urbana e é afluente do Formoso, apareceram fipronil e carbendazim.
“A pecuária não desmata tudo, eles deixam árvores para o gado, deixam áreas a mais. A monocultura trabalha palmo a palmo, não deixa nada. A gente trabalha com a ideia de que não sabemos se Bonito resiste a uma mudança de 100% da matriz do agro para a soja. E muitos desses proprietários nem são daqui, não têm relações locais, são empresários de outros cantos do Brasil ou investidores. E o principal problema que a gente já detectou é o uso de agrotóxicos. A pecuária não lida com veneno”, afirma o superintendente executivo da Fundação Neotrópica do Brasil, Kwok Chiu Cheung.
O avanço da soja é por conta do valor do grão, que lidera a balança de exportação de Mato Grosso do Sul. Sozinha, ela responde por US$ 2,3 bilhões no período de janeiro a junho. Parte dessa fortuna passa por Bonito.
“O valor da soja hoje para a venda é muito mais alto do que o gado. Compensa muito mais. Também há um problema na sucessão das fazendas. Por exemplo, o filho herda a fazenda, vai estudar na cidade e não quer voltar. Ou aparece a possibilidade de arrendar, a lucratividade é alta, o trabalho é todo por conta do arrendatário. Fui em uma área onde a pessoa herdou 7.500 hectares de terra dos pais, cinco mil estavam arrendado para a soja. Cinco mil hectares, numa colheita de soja, dão R$ 12 milhões só pra ela. São 12 milhões livres, sem tirar uma gota de suor”, diz Cheung.
O modelo de negócio também preocupa, porque o arrendamento acontece enquanto o solo é produtivo. Se exaurido, o investidor procura outros destinos. O desmatamento legalizado e a monocultura também aumentam a receita da administração pública.
Mas a médio e longo prazo vão ficar só os problemas para o município e para a população. Agrotóxico nunca mais sai. A gente não está falando de pessoas que estão lutando pelo dia a dia, como a maioria dos brasileiros. Estamos falando de pessoas que são muito ricas e estão investindo para ganhar muito mais dinheiro a custo do que vai sobrar para o meio ambiente e a qualidade dele para as pessoas comuns. Isso é que deixa a gente mais indignado”, destaca o superintendente da Neotrópica.
A fundação faz levantamento de 1985 a 2022 sobre as mudanças no uso do solo em Bonito, Jardim, Bodoquena e Miranda. O estudo utiliza a base de dados do MapBiomas sobre conversão de área. “Estamos analisando o que teve de diminuição de floresta, aumento da silvicultura [eucalipto], onde tem aumento da agricultura. A partir da média por ano, vamos fazer projeções do nível de alterações para daqui 10 anos”, afirma o gestor ambiental Fernando de Almeida Louveira.
De acordo com o Siga-MS (Sistema de Informação Geográfica do Agronegócio de Mato Grosso do Sul), a safra de soja 2022/2023 ocupou 70.430 hectares em Bonito. Na safra 2019/2020, o total foi de 55.516 hectares.