Os deputados estaduais fizeram coro ontem (13) ao pedir a “cabeça” da delegada de Polícia Civil da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) que comentou a segunda falha no atendimento a duas jornalistas vítima de violência doméstica, sendo que uma foi morta pelo ex-noivo.
Conforme o deputado estadual Paulo Corrêa (PSDB), a mesma delegada que prestou atendimento à jornalista Vanessa Ricarte, morta a facadas pelo ex-noivo Caio Nascimento, também falhou em atender a sobrinha dele, também jornalista, cujo nome será preservado.
Durante a sessão da Assembleia Legislativa, o parlamentar revelou que a sobrinha foi agredida pelo companheiro e procurou a Deam para denunciar, porém, o agressor já está em liberdade. Ele ainda contou que, ao invés da delegada indiciar o agressor, colocou o irmão da vítima como autor da agressão.
A situação ocorreu cerca de 29 dias após o áudio da jornalista Vanessa Ricarte, de 42 anos, vítima de feminicídio, ter exposto o “descaso” no atendimento da Deam. No dia 3 de março, a jornalista de 37 anos foi agredida com socos no nariz e na boca pelo músico de 38 anos, quando ela ainda estava com a filha no colo.
O músico ficou preso por oito dias e, na última terça-feira (11), foi intimado com uma medida protetiva para não se aproximar da vítima, tendo sido liberado com o uso de tornozeleira eletrônica. De acordo com decisão da Justiça, o músico está proibido de se aproximar da vítima e deve manter uma distância de 200 metros.
Entretanto, o que chamou a atenção do deputado foi a autorização concedida a ele para visitar a filha de 8 meses, ou seja, uma decisão absurda que põe em risco a vida da jornalista e também da criança. Paulo Corrêa pediu a compreensão dos pares ao relatar a agressão sofrida por sua sobrinha.
Apenas no ano passado, conforme dados apresentados pelo parlamentar, foram registradas aproximadamente 5.800 denúncias de violência contra a mulher em Campo Grande. Ele ainda questionou a situação nos municípios do interior.
Paulo Corrêa revelou que o músico é faixa preta de caratê. Em conversa, o deputado Neno Razuk (PL) afirmou que possuir essa habilidade equivale a estar armado com uma arma branca, considerando o conhecimento necessário para desferir golpes.
“Aconteceu com a minha sobrinha. Ela foi agredida pelo rapaz com quem mantinha um relacionamento, com quem, inclusive, tem uma filha. O rapaz a levou para casa, pois não moram juntos. Ele desceu do carro e, do nada, deu uma porrada. Vamos falar assim, no popular. No rosto dela. Vou falar logo: no nariz. Quebrou o nariz, e ela estava com a menina no colo.”
Mais uma vez, o atendimento na Deam entrou em xeque. Enquanto a jornalista recebia atendimento na Santa Casa, o sobrinho do deputado procurou a delegacia para registrar o boletim de ocorrência. Ele passou o nome do músico, mas acabou sendo indiciado como autor da agressão.
“O meu sobrinho foi indiciado, e não o bandido que ele informou que bateu na irmã dele. Pasmem: a mesma delegada que atendeu o caso anterior, da jornalista Vanessa Ricarte. Será que é o quê? Desatenção? Não gosta de fazer o serviço?”, questionou o deputado, que completou: “só para entender o que acontece, quando você é indiciado, seu nome vai para o Sistema de Gerenciamento Operacional da Polícia. Mas não é só isso. Saiu uma ordem de prisão mandando prender o meu sobrinho, e não o cara que bateu na minha sobrinha.”
Diante da situação, o deputado concluiu que está na hora de “passar a limpo” a forma como as mulheres são atendidas na Deam. Outro ponto questionado foi o entendimento do desembargador, que acatou o recurso do advogado do agressor e concedeu habeas corpus, permitindo sua liberação sob o argumento de que se trata de um réu primário.
“E o direito de visita à filha? O que esse desembargador quer? Que o cara entre na casa da minha sobrinha e a mate? Porque, se a ordem continuar do jeito que está, ele pode visitar a filha com a desculpa de ser pai. Mas pai ele não é. Nunca pagou pensão alimentícia. Ele é músico. É a mesma história da Vanessa. Músico, nunca pagou pensão e pode visitar a filha.”
Temendo que algo pior aconteça, Paulo Corrêa pediu desculpas ao desembargador, mas afirmou que a família descumprirá a decisão, pois teme que o músico, ao entrar na casa da sobrinha, possa matá-la.
O deputado solicitou que a Casa de Leis peça ao presidente do Tribunal de Justiça uma reunião com o desembargador para discutir a suspensão das visitas à bebê. “O cara, por nada, quebrou o nariz da minha sobrinha. O próximo passo, se ele for visitá-la, com certeza será matá-la”, alertou.
Em um posicionamento firme, Pedro Pedrossian (PSD) solicitou o afastamento da delegada, que, em sua visão, falhou pela segunda vez em um curto espaço de tempo. “Eu pergunto: o que nós estamos esperando para pedir o afastamento imediato dessa delegada, que falhou de maneira tão clara no atendimento da Vanessa Ricarte e, agora, tão pouco tempo depois, em um caso flagrante? Uma menina com o nariz quebrado, e ela, ao invés de acolher e entender o que está acontecendo, indiciou a pessoa errada. Essa delegada pode ter competência para tratar de outros casos, outros crimes, mas não tem a sensibilidade necessária, o treinamento pessoal e a competência para atender mulheres em situação de vulnerabilidade. Eu quero pedir o afastamento imediato dessa delegada”, disse Pedrossian.
Embora tenha reconhecido mais uma “falha da delegada”, o deputado Lídio Lopes (Sem Partido) pediu que não se generalize a questão, ressaltando que a Casa da Mulher Brasileira tem prestado um serviço fundamental. Por outro lado, o deputado Coronel David cobrou maior rigidez, afirmando que o músico deveria ter permanecido preso. A decisão do desembargador foi duramente criticada. “É réu primário, mas muitos réus primários já mataram.”
Já o deputado João Henrique Catan classificou como “nojenta” a conduta do agressor, afirmando que, apesar de ter direito à defesa, “o que ele fez é indefensável e motivo suficiente para estar em cárcere”.
Reforçando a fala de outros deputados – como Pedro Caravina e Rinaldo Modesto -, Paulo Kemp (PT) destacou a importância de não “queimar” a imagem da Casa da Mulher Brasileira, para que as mulheres não percam a esperança de denunciar casos de violência. No entanto, ele também apontou falhas no atendimento prestado.
Entrevista
“Em duzentos metros, se ele decidir invadir e quebrar essa medida protetiva, ninguém vai ter tempo hábil para me socorrer. Então, como estou segura? Eu e minhas filhas?”, questiona a jornalista de 37 anos, agredida pelo ex-namorado, músico e pai de sua filha bebê, na noite de 3 de março, em Campo Grande.
Nesta terça-feira (11), ela foi até a Deam, na Casa da Mulher Brasileira, acompanhada do advogado Luiz Kevin Barbosa, para complementar o boletim de ocorrência. O caso, inicialmente registrado como lesão corporal qualificada, agora inclui os crimes de perseguição e injúria qualificada.
A jornalista expressou revolta com a decisão judicial que livrou o agressor da cadeia e impôs apenas uma medida protetiva, determinando que ele mantenha 200 metros de distância de sua casa. “Essa distância não cobre nem o mercado do meu bairro. Se eu sair de casa, ele pode se aproximar”, critica.
Outro ponto que a preocupa é a autorização judicial para que o ex-companheiro visite a filha. “Nós temos uma filha, e ela estava no meu colo quando fui agredida. Mesmo assim, a decisão prevê que ele pode visitá-la. Isso é uma violação dos meus direitos como mulher, mas principalmente como mãe”, afirma.
Com medo, a jornalista teme que o agressor desrespeite a medida protetiva e tente algo ainda pior. “Vou lutar para que ele nunca mais tenha contato com minha filha. Se ele fez isso comigo com ela no meu colo, o que não pode fazer com a própria pequena?”, questiona.
Ela conta que, com a cabeça mais calma, conseguiu reunir detalhes que mostram que a agressão foi o ápice de um relacionamento marcado por violência psicológica, manipulação e dependência emocional.
O advogado Luiz Kevin Barbosa afirmou que a delegacia acolheu os pedidos de alteração da tipificação do crime e incluiu novos fatos no boletim de ocorrência. “Elas fizeram tudo o que podiam para ajudar, complementaram os registros e acolheram nossos pedidos. Isso vai fazer total diferença”, destacou.
Segundo ele, o juiz que concedeu a liberdade ao agressor considerou que ele não tinha histórico criminal, tinha endereço fixo e bons antecedentes. Agora, com o boletim atualizado, a defesa da vítima tentará reverter a decisão e conseguir uma nova ordem de prisão.
“Houve outras violências sofridas, comprovando que a agressão não foi um fato isolado, mas a escalada de um crime recorrente. Vamos levar tudo isso ao desembargador para que ele possa tomar uma decisão mais assertiva”, explicou Barbosa.
Entre os novos elementos apresentados à polícia está o fato de o agressor ser lutador de caratê. “Ele dizia ser faixa preta, o que faz diferença na análise do caso. A defesa alegou legítima defesa, e nós vamos questionar: qual foi a dinâmica real dos fatos?”, ressaltou o advogado.
A jornalista era amiga de Vanessa Ricarte, a jornalista assassinada pelo músico Caio Nascimento, e conhecia o criminoso. Além de jornalista, ela também é cantora e já dividiu o palco com Caio.
“O diabo se veste de luz, certo? O Caio era uma pessoa extremamente querida, e a Vanessa nem preciso dizer. O que precisamos entender é que a agressão é escalonada. Quero levantar essa bandeira e lutar para que o sistema enxergue isso”, declarou.