O site de notícias UOL, um dos maiores do Brasil, enviou uma equipe até Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia que faz fronteira com Ponta Porã (MS), para contar os bastidores da fuga de 75 presos do Presídio Regional do Departamento de Amambay, entre eles, pelo menos seis líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) no país vizinho.
A matéria começa descrevendo uma conversa ocorrida em frente à entrada do Presídio Regional de Pedro Juan Caballero no início da tarde de 28 de janeiro deste ano, entre a reportagem e uma mulher que acabara de visitar seu irmão, preso há seis meses por tráfico de drogas.
– O que aconteceu lá dentro? Muito dinheiro? Ou os carcereiros podem ter ficado com medo de falar ‘não’ a caras do PCC (Primeiro Comando da Capital)?
– Você sabe o que aconteceu aí. Muito dinheiro. Muito dinheiro. Você não está me gravando, verdade? Todos sabem: o dinheiro aqui é como um rei.
De acordo com os jornalistas do UOL, o familiar da mulher, que pediu para não ser identificada, disse para ela que não esteve entre os fugitivos de 19 de janeiro porque está recluso em outro pavilhão: o de homens que não teriam ligação com o PCC. Mas invejou a ação.
“A fuga é toda do PCC. O PCC é invejado lá dentro [do presídio]. São inteligentes. O que eles fizeram foi entregar o dinheiro certo às pessoas certas. Cavaram o túnel por meses com os carcereiros sabendo. Quem saiu pelo túnel cavado? Os paraguaios que querem estar no PCC”, afirmou a familiar ao UOL.
“Por quê? Porque os do PCC saíram pela porta da frente e já estão longe daqui. Os paraguaios vão ficar pela redondeza agora. Isso está determinado. Vão ser pegos. Vão ocupar o tempo da polícia local, enquanto os [fugitivos] que importam já estão bem longe”, complementou a mulher.
Segundo policiais nacionais da capital paraguaia, entrevistados pelo UOL, a fuga está estimada em US$ 1,5 milhão, subdividido entre propina paga pelo PCC a agentes penitenciários, além de estrutura para sair da região.
Alejandro Rodriguez Freitas, subchefe regional da Senad (Secretaria Nacional Antidrogas), afirmou à reportagem que existe a hipótese de que a fuga seria feita apenas por seis integrantes do PCC, considerados chefes pela facção.
Mas os criminosos podem ter obrigado os demais a segui-los como estratégia. “Um dos paraguaios que fugiu ficaria em liberdade um mês depois. Por que ele ia querer fugir?”, questionou.
No pavilhão A do presídio, de onde os 75 homens fugiram, atualmente há 106 presos: 87 no andar superior e 19 no andar inferior. O buraco do túnel foi fechado, mas a cela onde a escavação aconteceu está interditada.
Um carcereiro da penitenciária afirmou, enquanto abria e fechava o portão principal do local a visitantes, que ali há cerca de 1.100 presos, o que não configura uma superlotação. Segundo ele, os criminosos mais perigosos saíram do país. “Os paraguaios vão para onde? Não têm para onde ir. Vão ficar por aqui e são os que devem ser presos”, afirmou.
A reportagem conversou, no local, com cerca de dez familiares de presos. Todas mulheres. Todas moravam em Pedro Juan Caballero e visitavam pais, filhos, irmãos e maridos. Todos os visitados eram homens. Algumas delas estavam acompanhadas de crianças.
Elas costumam ir ao local semanalmente em motos sem placas —elas também não costumam utilizar capacetes. A polícia faz vista grossa às irregularidades de trânsito. As visitas ocorrem das 9h às 13h30 às terças, quintas e finais de semana.
O presídio fica numa região periférica de Pedro Juan, a sete quilômetros de distância da fronteira com a cidade de Ponta Porã (MS). No entorno da prisão não há ruas asfaltadas. As ruas, de barro e de paralelepípedos, são bastante esburacadas.
Na principal via de acesso, que liga a penitenciária ao centro da cidade, há pequenos mercados e casas simples. Em dias de forte calor, os vizinhos colocam cadeiras nas calçadas e ficam se abanando. Dentro do perímetro da prisão, além de agentes carcerários, há policiais nacionais e membros do Exército.
Nem agentes, nem policiais ou militares impediram a reportagem de, com câmera nas mãos, caminhar e gravar, com calma, o entorno do presídio, considerado de segurança máxima pelo governo local. Dez dias após a fuga, o túnel já havia sido tapado com terra.
Procurado pessoalmente, o diretor do presídio disse, por intermédio de uma carcereira e de um carcereiro, em dois dias diferentes, que estava ocupado e, por isso, não poderia ceder entrevista. A reportagem procurou o governo local e os responsáveis pela administração penitenciária, mas não obteve retornos.
O UOL conversou pessoalmente com a promotora Reinalda Palacios, que iniciou as investigações sobre o túnel. No entanto, ela afirmou que não daria entrevista porque a Promotoria local havia repassado a investigação para a capital do país, Assunção.
Para o ministro do Interior, Euclides Acevedo, não houve uma fuga, mas, sim, uma liberação de presos. “A cumplicidade pessoal dos agentes não é só verossímil, como é quase evidente”, afirmou.
O comissário Roberto Alfonso, chefe da Polícia Nacional em Pedro Juan Caballero, disse à reportagem que todo o possível está sendo feito para recuperar os fugitivos. “Com o correr do tempo, creio que vamos conseguir recapturá-los. Não digo 100%, mas o máximo possível”, afirmou.
A reportagem tentou acompanhar, por três dias, o trabalho da polícia paraguaia na fronteira. Na prática, pode-se perceber que o que Alfonso afirmou não está posto em prática.
Nos dois primeiros dias, os policiais não deixaram o batalhão central, a duas quadras da fronteira, porque chovia; no terceiro, todo o efetivo estava alocado na prefeitura de Pedro Juan Caballero, onde ocorria uma manifestação.
Em dezembro, o governo paraguaio já havia identificado um suposto plano de fuga de membros do PCC no presídio da cidade. Nada, no entanto, foi feito. Toda a equipe de carceragem foi mudada após a saída dos 75 presos.
A reportagem entrevistou integrantes que estão trabalhando atualmente no local. Para eles, para além de dinheiro, havia medo no local. “Se imagine trabalhando aqui dentro, com pouco dinheiro, muitas bocas para sustentar e criminosos perigosos ameaçando matar você e toda sua família. O que você faria?”, questionou.
Pedro Juan Caballero é um território extremamente estratégico para o PCC. Como o Paraguai é um dos principais produtores de maconha e tem facilidade para a entrada e saída da cocaína que chega via Peru, Colômbia e Bolívia, Pedro Juan Caballero é utilizada como um local de passagem para o tráfico internacional de drogas e de armas.
Uma vez no território nacional, a droga é enviada aos principais portos do país e, de lá, exportada para Europa, África e Ásia dentro de navios, o que é tido como a principal forma de ganhar dinheiro da facção.