Por: Edmondo Tazza – de Ponta Porã – especial para o Blog do Nélio
Escolas estão com as aulas suspensas, muitos comércios não abriram as portas e a população obedece a um toque de recolher imposto por bandidos
Pedro Juan Caballero, capital do Departamento (Estado) de Amambay, na fronteira com Ponta Porã (MS) vive em clima de guerra depois do assassinado do empresário Jorge Rafaat Toumani, ocorrido por volta das 18h desta quarta-feira (15). Jorge, que no Brasil era condenado por tráfico de drogas estava em um veículo Hammer blindado que foi atingido por pelo menos duzentos tiros disparados por uma arma calibre 50 milímetros de uso militar que estava instalada dentro de um utilitário.
Jorge tinha deixado uma de suas empresas e seguia para a casa dele no Bairro Guarany quando foi atacado nas proximidades do Mercado Municipal de Pedro Juan. Além do utilitário com a arma de alto poder de destruição, atiradores também estavam posicionados em edifícios nas proximidades de onde o ataque aconteceu.
Fontes da Polícia Nacional do Paraguai informaram que pelo menos 100 pessoas entre os pistoleiros e seguranças de Rafaat participaram da troca de tiros [só os seguranças de Rafaat somavam 30 homens]. Foi confirmada a morte de pelo menos dois homens que foram perseguidos pelos seguranças.
O chefe da Polícia Nacional, comissário Leôncio Ozuma informou que dez pessoas estão feridas. Ele também disse que vários suspeitos foram detidos e que todo o efetivo policial está destacado para o trabalho.
A situação ainda é de muito medo e já existe um “toque de recolher” informal entre a população imposto pelo próprio crime organizado que “aconselhou” aos moradores a não saírem de suas casas, principalmente à noite.
A morte de Rafaat estaria ligada ao narcotráfico. Traficantes brasileiros, que buscam o domínio da fronteira com o Mato Grosso do Sul para comandar suas operações, vêm protagonizando um combate franco, com inúmeras vítimas até agora desde 2007, quando a fronteira foi “invadida” por integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) vindos principalmente do Complexo do Alemão e da Favela da Rocinha no Rio de Janeiro, depois das operações de pacificação deflagradas pelas instituições de segurança.
Em Pedro Juan, assim como em Ponta Porã – diretamente afetada pelo violento episódio – escolas não tiveram aulas e muitas lojas sequer abriram as portas. As duas comunidades vivem hoje com muito medo e apreensão, evitando até falar sobre o assunto, apesar de a fronteira ter como instituída uma virtual cultura do ilícito, que faz muita gente encarar estes fatos violentos como “normais|”.
INCÊNDIO
Duas das quatro empresas de pneus do empresário executado foram alvo de ataques. Uma delas foi alvejada com inúmeros disparos de armas de grosso calibre, logo depois do atentado, outra foi incendiada de madrugada, mas, a ação rápida dos bombeiros voluntários da cidade evitou uma tragédia ainda maior, já que a empresa está localizada a pouco mais de 10 metros de um posto de combustíveis.
Câmeras de segurança revelaram que a ação foi praticada por desconhecidos, que teriam chegado ao local a bordo de uma caminhonete de cor escura. O fogo destruiu parte das instalações comerciais, causando prejuízos na área dos escritórios da empresa.
Antes disso, outra empresa já havia sido atacada a tiros minutos após a execução do empresário, mas, os seguranças, com medo, abandonaram o local.
A violência desenfreada ocupou as duas cidades, onde impera um silêncio lacônico. As ruas após o ataque sangrento ao empresário ficaram vazias e nem mesmo a policia transita, condenando a fronteira a ficar praticamente à mercê do crime organizado.
CONDENAÇÃO
Conhecido também por organizar promoções para compras em Pedro Juan – inclusive, com congelamento da cotação do dólar –, Jorge Rafaat foi condenado pelo juiz federal Odilon de Oliveira, na época titular da 3ª Vara Federal de Ponta Porã, em 30 de abril de 2014, quando além dele, outros sete traficantes da fronteira foram sentenciados.
Rafaat foi condenado a várias penas que, somadas, totalizam 47 anos de prisão em regime fechado, além de multa de R$ 403,8 mil. Aviões, veículos, fazendas e imóveis foram sequestrados pela Justiça Federal.
PCC
As cenas de violência ligadas ao narcotráfico e ao contrabando na região há décadas não são mais motivos de surpresa para a população, acostumada com o rótulo que a região recebeu de ser uma das principais rotas do tráfico internacional, ficaram mais frequentes e com características e “modus operandi” diferentes dos habituais atentados registrados nos dois lados da linha internacional [o modo tradicional é a execução por duplas, ocupando motos sem identificação] depois das ações contra o tráfico de drogas imposto pelas autoridades do Rio de Janeiro. A operação policial no Complexo do Alemão e na Favela da Rocinha foram deflagradas em junho de 2007, no Rio de Janeiro, e reuniu 1.350 policiais, entre civis, militares e soldados da Força Nacional, do Exército e da Marinha.
Os comandantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) escolheram a fronteira Ponta Porã/Pedro Juan para se instalar. Teriam sido 23 os chefões do tráfico que se mudaram na época para a “terraza del norte”, onde, depois disso, mansões e bunkers se multiplicaram por toda a cidade e passou a ser comum encontrar casas velhas e mal conservadas ocupadas por dezenas de homens fortemente armados e conduzindo utilitários de última geração.
Os rumores dão conta de que, ao “ocupar” Pedro Juan, os chefes das quadrilhas impuseram uma regra geral para a bandidagem já instalada na região: “daqui para frente, quem mandar para fora da fronteira carregamentos de drogas, pneus, cigarros, uísque e armas, deve pagar uma “comissão” de 30% para os “comandantes””.
Com isso, o número de mortes em circunstâncias violentas e com requintes de selvageria foi potencializado.
REPERCUSSÃO
Além do pavor generalizado entre a população, o atentado desta quarta-feira teve repercussão nacional em todos os tipos de mídia. A maior emissora de TV do País (Globo) chegou a divulgar que o Exército teria ocupado a linha internacional após o assassinato de Rafaat. Mas, tudo não passou de um boato postado nas redes sociais que acabou sendo “engolido” pela emissora.
Na verdade, segundo o comando do 11º Regimento de Cavalaria Mecanizado, a mobilização de homens, viaturas e blindados integram a Operação Ágata 11, deflagrada no último dia 11. As ações envolvem cerca de três mil militares da Marinha, Exército, Força Aérea, além de integrantes de órgãos de Segurança Pública federais, estaduais e municipais. A operação acontece às vésperas dos Jogos Olímpicos Rio 2016 e, devido ao evento, o Ministério da Defesa optou por uma mobilização que envolvesse toda a faixa de fronteira terrestre, e em áreas específicas de fronteira fluvial. O episódio foi uma mera coincidência, já que os militares estavam em um treinamento, que nada teve a ver com o atentado.
No velório de Jorge Rafaat, na manhã desta quinta-feira (16) o clima também foi tenso. O local foi cercado por viaturas e cerca de 50 policiais militares que exigiam identificação de cada um dos visitantes.