Mau atendimento da Delegacia da Mulher foi informado à Sejusp há quase 2 anos. Vai vendo!

O Correio do Estado revelou hoje (17) que um documento endereçado ao titular da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), Antônio Carlos Videira, no dia 23 de março de 2023 e redigido pelo MCria (Fórum Permanente pela Vida de Mulheres e Crianças de MS), afirmava que, naquela época, as mulheres agredidas por seus companheiros também eram vítimas de maus-tratos na Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), sendo submetidas por questionamentos excessivos por parte dos agentes.

Esses maus tratos na Deam vieram a público por meio de áudio gravado pela jornalista Vanessa Ricarte para uma amiga minutos depois que deixou a delegacia e foi até à própria residência buscar seus pertences sem acompanhamento policial, onde acabou morta a facadas pelo ex-noivo, Caio Nascimento. “Na Casa da Mulher Brasileira, sediada em Campo Grande, está havendo a revitimização das mulheres que procuram o serviço da Deam”, constava no ofício enviado ao secretário Antônio Carlos Videira.

O mesmo ofício endereçado a ele denunciava que, na época, os servidores da Polícia Civil e outros atendentes da Casa da Mulher Brasileira tentavam fazer com que as vítimas desistissem de registrar a ocorrência para não precisar fazer nenhuma diligência. “As mulheres, antes de registrarem o boletim de ocorrência [B.O.], são alertadas: ‘[Façam isso] se querem mesmo destruir a vida do ofensor e acabar com a sua família’”, citou o MCria.

Outra frase proferida pelos servidores da Deam e descrita no ofício enviado ao secretário era “se ele [agressor] for preso, quem vai pagar a pensão alimentícia para o seu filho?”. “Muitas [mulheres] desistem nesse momento de registrar a ocorrência, diante da insistência em dissuadi-las. Para as que persistem, o registro do B.O. demora, em média, sete horas”, acrescentava o documento.

O material ainda informava ao titular da Sejusp que o Imol (Instituto de Medicina e Odontologia Legal) ficava a mais de 10 quilômetros da Casa da Mulher Brasileira, o que prejudicava na época o atendimento às vítimas, e ainda denunciou que algumas das delegadas em serviço, além de não atenderem as vítimas, nem sequer atendiam seus advogados.

Esse mesmo documento também relata vários problemas relacionados ao atendimento das crianças vítimas de violência doméstica. Na época, ainda havia a comoção popular pelo assassinato da pequena Sophia de Jesus O’Campo, de 2 anos, morta pelo próprio padrasto, Christian Campoçano Leitheim, com a cumplicidade da mãe, Stephanie de Jesus Silva.

O casal foi condenado no ano passado pelo Poder Judiciário, mas o governo do Estado não deu publicidade ao resultado dos procedimentos internos que apuraram a negligência no atendimento ao pai de Sophia, o qual por várias vezes denunciou os maus-tratos e não foi bem acolhido na delegacia.

Em entrevista ao Correio do Estado, a coordenadora do MCria, Ceureci Fátima Santiago Ramos, afirmou que os problemas denunciados há quase dois anos na Casa da Mulher Brasileira permanecem. “Eles continuam duvidando da vítima. Eu passei por tudo isso que elas passam. E eu sei disso porque hoje, no MCria, acompanho diariamente as vítimas que nos procuram”, frisou a coautora do documento de 2023.

“Em muitos casos, eu faço as vítimas de violência doméstica voltarem à delegacia, porque o que é informado no B.O. está errado. Elas [vítimas] relatam uma coisa e o escrivão, às vezes, relata o que bem entende”, contou, acrescentando que “certa ocasião, recebi aqui uma mulher com a língua cortada, quase decepada, e no boletim de ocorrência estava escrito ‘vias de fato’”. “Eu voltei com a vítima e conseguimos alterar o boletim para lesão corporal grave e dolosa”, relatou.

Sobre o caso de Vanessa Ricarte, em que não houve oferta do serviço de escolta ou de retirada de pertences, Ceureci Ramos pontuou que isso é mais um dos defeitos no protocolo de proteção à mulher vítima de violência doméstica.

Vai vendo!!!