Após várias tentativas, finalmente a Câmara Municipal de Campo Grande instaurou a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o serviço de transporte coletivo urbano prestado pelo Consórcio Guaicurus,
No entanto, conforme o BDN apurou, os “nobres” vereadores agora estão em um impasse sem tamanho. É que para efetivar seus trabalhos um pilar importante é ter uma assessoria jurídica afinada com a causa e que possa de forma independente mostrar se existe ou não uma verdadeira caixa preta que assombra o setor há décadas.
Porém, o procurador-Geral da Casa de Leis, Luiz Gustavo Martins Araújo Lazzari, responsável pelos pareceres jurídicos da Câmara Municipal, compartilha escritório com o ex-desembargador e advogado Claudionor Miguel Abss Duarte, defensor do Consórcio Guaicurus.
Os dois operadores do Direito são associados e ocupam salas no Escritório de Advocacia Avelino Duarte Advogados Associados, que foi fundado em 2001 por Leonardo Avelino Duarte, filho do ex-desembargador e que agora compõe a equipe do conceituado escritório.
Além disso, Gustavo Lazzari foi assessor de Claudionor Miguel Abss Duarte por seis anos, quando ele ainda era desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), porém, o procurador jurídico deixou o cargo em 2010.
Diante dessa proximidade de mais de 20 anos entre o ex-desembargador, que é advogado do Consórcio Guaicurus em pelo menos três processos no TJMS, e o procurador jurídico Gustavo Lazzari levantou a suspeita de uma possível falta de isonomia quando forem dados pareceres para a CPI.
Essa dupla função de Gustavo Lazzari, advogado e procurador jurídico da Casa de Leis, já lhe custou uma ação popular movida por dois advogados. No processo, os colegas alegam que o cargo deveria ser ocupado por servidor de carreira, que a nomeação contraria a Constituição Federal.
Na ação, o MPE (Ministério Público Estadual) já se manifestou favorável à nulidade da nomeação de Gustavo Lazzari como procurador jurídico da Câmara Municipal. “Pelo exposto, o Ministério Público entende desde já que o caso comporta a decretação da procedência da ação“, conclui manifestação assinada pelo promotor de Justiça Gevair Ferreira Lima Júnior.
Sobrinho
Para complicar ainda mais a situação de Gustavo Lazzari, o BDN descobriu que ele é sobrinho do Sinval Martins, um dos fundadores do Consórcio Guaicurus e empresário influente no setor de transporte urbano de Campo Grande.
A situação, considerada irregular, já foi alvo de denúncia protocolada na Justiça pelos advogados Douglas Barcelos do Prado e Orlando Fruguli Moreira, contando com o apoio do MPE.
A ação foi assinada pelo promotor de Justiça Gevair Ferreira Lima Júnior, da 49ª Promotoria de Justiça, que defende a anulação da nomeação por violar normas básicas da administração pública.
Segundo o promotor de Justiça, cargos em comissão devem ser ocupados exclusivamente por servidores de carreira, pois profissionais não concursados não podem exercer funções relacionadas à Advocacia Pública, sob risco de burla ao princípio da legalidade.
A nomeação de Gustavo Lazzari para relatar a CPI coloca em xeque a credibilidade das investigações. Afinal há uma violação clara de princípios fundamentais do Direito, como legalidade, moralidade, segurança jurídica e defesa do consumidor.
Além disso, a proximidade do procurador jurídico da Casa de Leis com a defesa do consórcio investigado fere a imparcialidade necessária para uma análise justa e isenta dos contratos do transporte coletivo.
Outro ponto criticado por juristas e especialistas é o fato de a Câmara Municipal contar com um corpo jurídico formado por servidores concursados, que poderiam conduzir os trabalhos da CPI sem qualquer suspeição.
No entanto, optou-se por designar um advogado com ligações diretas com os investigados, o que levanta dúvidas sobre a real intenção no relatório final da CPI e se suas conclusões não estarão comprometidas desde o início.
A nomeação de um comissionado para um cargo predominantemente técnico também é questionada. Segundo especialistas, isso representa uma afronta ao concurso público e pode ser interpretado como uma estratégia para manipular os resultados da investigação.
Quem é Sinval Martins
Sinval Martins é uma das figuras mais influentes no setor de transporte coletivo em Mato Grosso do Sul. Ao lado de empresários como Osvaldo Possari, João Rezende, Hélio, e de diretores da Viação Cidade Morena foi um dos responsáveis pela criação do Consórcio Guaicurus no fim da década de 1990.
Além disso, tem laços estreitos com a família Constantino, cujo patriarca, Nenê Constantino, é um dos principais magnatas do transporte no Brasil, atuando não apenas no setor rodoviário, mas também no transporte aéreo.
O grupo detém concessões de transporte urbano em várias cidades do país, incluindo Corumbá com duas empresas e outras localidades de Mato Grosso do Sul.
A influência de Sinval Martins na política e no setor empresarial sempre foi alvo de questionamentos, principalmente devido à proximidade entre empresários e gestores públicos nas decisões sobre o transporte coletivo urbano.
A polêmica nomeação de seu sobrinho para relatar a CPI reforça as suspeitas de que a influência de Sinval segue presente nas estruturas de poder.
Além disso, especialistas apontam que a nomeação de Gustavo Lazzari pode comprometer a responsabilização do consórcio por possíveis irregularidades, garantindo que o relatório final seja favorável aos interesses dos empresários.