Os direitos dos LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros/Travestis, Queer, Intersexuais, Assexuais e Pansexuais) começam a ganhar força dentro das Forças Armadas e da Polícia Militar em Mato Grosso do Sul. Em uma decisão inédita, um 3º sargento da Marina do Brasil, que é transgênero e lotado em Ladário (MS), conseguiu na Justiça autorização para usar o nome social, fardamento e cabelos femininos durante o trabalho, enquanto o capitão PM Felipe dos Santos Joseph, que é gay e foi preso após reagir a uma suposta discriminação do seu oficial superior em Campo Grande (MS), exige retratação pública.
No caso do 3º sargento da Marinha do Brasil, a decisão sobre a permissão de uso de fardas e cabelos femininos é do juiz federal Daniel Chiarettim, substituto na 1ª Vara Federal de Corumbá. Antes de ingressar com a ação, a militar, que faz parte da instituição desde 2011, conseguiu fazer a mudança do nome civil e, com o novo documento, em março deste ano, fez requerimento aos seus superiores para que passasse a ser tratada pelo novo nome, pudesse deixar o cabelo crescer, tivesse autorização para usar uniforme feminino. Com urgência, ela queria ser retirada do alojamento e banheiro masculinos para não “sofrer assédio dos homens em razão da terapia hormonal que está em curso”.
A chefia da militar atendeu parcialmente o pedido, permitindo que a mulher transexual usasse um banheiro reservado, mas em 5 de maio, informou que outros pleitos teriam de ser enviados ao diretor de Pessoal Militar da Marina Em 10 de junho, a instituição respondeu, não autorizando a mudança de nome e nem o uso de fardamento e cabelos femininos “por falta de previsão legal”. André Luiz Silva Lima de Santana Mendes, vice-almirante da Marinha, informou, ainda na resposta ao requerimento, que “o militar pertence a um quadro e cursou uma especialização que só possui componentes do sexo masculino, não havendo possibilidade de ingresso de pessoas do sexo feminino”.
Na petição feita à Justiça Federal, a qual o Campo Grande News teve acesso com a condição de manter o anonimato da sargento, a defesa da militar lembra que a negativa veio “justamente no mês do combate mundial à homofobia e transfobia, quando especialistas em direitos humanos da ONU pediram que governos, instituições religiosas e líderes religiosos abracem com respeito e compaixão a comunidade LGBTQIA+ e se esforcem para garantir e resguardar os direitos dessas pessoas”.
Recordou que, no ano passado, a 3º sargento da Marinha foi punida por adentrar uma das repartições militares usando “brincos chamativos”. Ressaltou ainda que a decisão da Marina desconsiderou tratados internacionais de preservação dos direitos “à liberdade e autonomia de expressar a identidade de gênero”.
O juiz não vê razão para negar os pedidos da transexual. “Parece desarrazoado e ofensivo à humanidade da parte autora, que se identifica com o gênero feminino, a imposição em seguir os padrões masculinos de apresentação física da Marinha do Brasil e do sexo/nome atribuído no seu nascimento. Aliás, a identificação civil da parte autora já foi alterada para seu nome social, sendo injustificável a sua identificação militar não seguir o mesmo caminho”.
Capitão PM
Já no caso do capitão PM Felipe dos Santos Joseph a história é mais complicada. Por receio de sofrer alguma punição por fazer parte de instituição militar, ele, que está envolvido em discussão com superior hierárquico que acabou em prisão na semana passada, prefere não dar entrevista e se manifestou pela primeira vez sobre o assunto por meio de nota, assinada pelos advogados de defesa. O oficial revela no texto que “orgulhosamente gay”, há algum tempo, sofre preconceito dentro da corporação e quer ser retratado publicamente.
Segundo a defesa, o capitão já ouviu dos colegas todo tipo de “piada” sobre a sua condição sexual, como por exemplo, “sobre seu corte de cabelo, com sugestões de que era propício a determinadas práticas sexuais, ou que era portador de Aids (sic), dentre outras inverdades e ataques sofridos”. No centro da polêmica, o capitão PM entende que o episódio, que terminou com ele autuado em flagrante por desobediência na Corregedoria da PM, servirá para o “amadurecimento da noção de uma política garantidora de direitos e cumpridora da lei, isenta de quaisquer convicções não-laicas”.
“O capitão Joseph segue profundamente magoado e abalado com o desfecho dos fatos, mas enxerga que esse episódio pode contribuir para o debate sobre o tipo de instituição policial que se deseja, e se coloca à disposição para participar ativamente de todos esses debates e, como sempre fez, buscará a construção de uma polícia sempre melhor”, afirmam os advogados Anderson Yukio Yamada e Saviani Guarnieri Martins Santana na nota.
O capitão PM foi preso na tarde do dia 8 de julho após “dar as costas” para o tenente-coronel Antônio José Pereira Neto. Segundo depoimentos dados à Corregedoria, a rivalidade entre o capitão e o tenente-coronel foi motivada por áudio considerado homofóbico em grupo de WhatsApp. O teor não foi divulgado, mas era piada de cunho pejorativo e homofóbico, relacionada à caça por Lázaro Barbosa, no interior de Goiás e havia sido repassada pelo tenente-coronel.
Homossexual dentro de uma corporação conservadora, o capitão sentiu-se ofendido, declarou sua opinião contrária, saiu do grupo e levou o caso ao MPM (Ministério Público Militar). Na quinta-feira passada, foi chamado para prestar esclarecimentos na sala do superior, supostamente sobre outros motivos, mas Joseph considerou se tratar de coação, negou dar respostas e acabou preso por desrespeitar um superior.
Segundo a nota escrita pela defesa de Felipe Joseph, “a ‘pretensa’ recusa de obediência se deu porque o capitão, educadamente, recusou-se a abordar com o investigado qualquer coisa que não estivesse nos estritos limites do serviço policial e mencionou que, se aquela coação se mantivesse, retirar-se-ia da sala”.
Os advogados explicitam ainda que o tenente-coronel PM “valendo-se da sua condição funcional superior, e sob a alegação de ter uma conversa sobre serviço e sobre “a relação entre os dois”, desejava, em verdade, obter informações acerca das denúncias feitas pelo capitão ao Ministério Público.
O oficial preso passou por audiência de custódia na manhã de sexta-feira, dia 9, e foi libertado depois que o juiz Albino Coimbra Neto considerou a prisão indevida e não homologou o flagrante. O magistrado entendeu que não houve desobediência, porque o assunto não tinha relação com o serviço militar. “Deve obediência o policial militar a assuntos de seu ofício militar, unicamente. Por isso, preenchidos os requisitos legais, deixo de homologar o auto de prisão em flagrante delito e determino o relaxamento da prisão”, registrou Coimbra Neto. Com informações do site Campo Grande News