Durante fórum de discussões realizado pela OEA (Organização dos Estados Americanos) em Washington, nos Estados Unidos, as autoridades alertaram que a pandemia mundial do novo coronavírus (Covid-19) é uma “janela” de oportunidades para o crime organizado na América do Sul. Para eles, o avanço da doença se tornou um campo fértil para o tráfico de medicamentos e insumos médicos, desenvolvimento de crimes pela Internet e falsas propostas de assistência social.
Segundo as autoridades dos países filiados à OEA, os governos estão concentrados em atender as crises sanitárias e econômicas, ficando vulneráveis às ações do crime organizado. As medidas adotadas para se evitar o contágio das pessoas, como o fechamento de fronteiras e o confinamento da população, estão potencializando as atividades dos criminosos ao invés de dissuadi-las.
“O crime organizado encontrou uma janela de oportunidades para se projetar”, declarou o diretor do Departamento de Combate à Delinquência da OEA, Gastón Schulmeister. Para ele, a situação de emergência revalidou esses grupos criminosos e adverte do perigo da permeabilidade social, que é maior em um cenário de crise econômica.
Deslegitimação “alarmante” do Estado
Segundo a OEA, a “tendência mais alarmante é a capacidade das organizações criminais transnacionais (TOC, em inglês) de preencherem as lacunas de um Estado ausente, substituindo-o como “um ator legítimo e prestador de serviços”, destacou o presidente da consultoria americana IBI Consultants, Douglas Farah.
No México, os cartéis distribuem comida e medicamentos, enquanto em Honduras as gangues organizam campanhas de desinfecção de veículos para proteger da Covid-19 nos territórios sob seu controle, exemplificou. Com o Estado limitado e mais preocupado em atender as emergências sanitárias, fica ainda mais fraco e os grupos criminosos se empoderam.
Douglas Farah alerta para a desestabilização em larga escala que essa situação representa para os governos, incluindo as áreas onde tradicionalmente essas TOC não atuam, como Chile e Argentina. Entre as TOC que devem se consolidar com a Covid-19 estão a MS-13, uma gangue de rua que nasceu em Los Angeles (EUA), mas tem raízes em El Salvador, e o PCC (Primeiro Comando da Capital), no Brasil e também no Paraguai.
De vítimas a vitimizadoras
Embora o poder nesses grupos ainda seja muito masculino, na última década uma mudança começou a ser observada no papel da mulher, por herdar o negócio de seus maridos, ou dos pais, ou por entrar no tráfico de drogas.
Gastón Schulmeister destacou “a visão de que não se deve pensar nas mulheres apenas como vítimas do crime organizado, mas também como vitimizadoras”. Ao mesmo tempo, pediu para que pensem nelas como “agentes de mudança, em papéis de policiais, ou investigadoras”.
Ouro e máscaras
Com as forças de segurança dos países concentradas na vigilância interna, o controle das fronteiras diminuiu, impulsionando outros negócios ilícitos, como o tráfico de ouro. “Vemos uma enorme quantidade de ouro saindo da Venezuela, de Nicarágua”, afirmou Farah, que comparou a mineração ilegal “em grande escala” nestes países com um “sangramento”.
A Venezuela é o “foco regional” de onde sai o ouro para Brasil, Guiana e Colômbia, completou. No contexto de sua “adaptabilidade” à pandemia e de sua capacidade de aproveitar todas as “brechas no sistema”, as TOCs também apostaram em “diversificar” seus produtos, como remédios e vacinas para o coronavírus e o contrabando de máscaras.