Lendo o artigo “Cidades: densidade e diversidade”[1], pude perceber que há algo de novo no Reino da Dinamarca na questão urbana: cidades dispersas e ricos e pobres morando distantes um do outro é tema que está na ordem do dia.
No começo pensei: teremos que mudar uns 5.000 anos de história das cidades. Será que esse assunto desperta debates? Lá pelo meio do artigo, os articulistas afirmam: “Aumentar a densidade urbana contribui não apenas para reduzir custos do transporte e impactos ambientais, mas pode amplificar as oportunidades para economias de aglomeração… O aumento da densidade frequentemente está associado ao aumento da diversidade.” E ainda confirmam que o compartilhamento da área urbana entre pessoas de diferentes níveis sociais – ricos e pobres -, significa não apenas o ideal utópico de uma democracia espacial e territorial, mas também um motor de eficiência econômica. Territórios plurais são mais eficientes do ponto de vista produtivo e é uma pauta que pode aproximar as correntes da esquerda com a direita e as agendas urbanas das pessoas, sociedades, entidades, empresas e governos, por uma nova agenda social urbana.
A história das civilizações vem nos mostrando sempre o contrário. Desde os tempos mais longínquos, a sociedade humana vem ocupando seu território de maneira dispersa e com enorme separação dos locais onde habitam os mais ricos e poderosos politicamente e os mais pobres. Especialmente no período do Império Egípcio, atravessando a Idade Média, o Renascimento, a Revolução Industrial e o mundo moderno e contemporâneo, não temos uma sociedade compacta em termos urbanísticos e sem separação de classes no habitat. Basta olhar para os lados, qualquer lado que seja da Terra e vermos como moram os mais ricos e onde, e como moram os mais pobres, e onde. Sempre separados, às vezes por muros ou por recursos naturais.
Então com tantos séculos de convivência, porque agora, essa tese começa a vingar, ao menos em documentos acadêmicos de discussão? O que de fato é novo, o que de fato é renovação, o que de fato é invenção?
Em primeiro lugar vamos colocar no eixo da discussão as palavras mágicas desse texto: densidade e diversidade. Essas são, para mim, as duas palavras essenciais na discussão da cidade real x cidade ideal, sem utopia, nos dias de hoje. Não basta apenas falar em sustentabilidade sem dizer o que se tem e o que se quer mas o que se tem é pouco e ruim e o futuro precisa resolver o hoje, em primeiro lugar.
A densidade urbana é a chave de todos os problemas de uma cidade. Se ela é equilibrada, a cidade flui, seus serviços são mais baratos para todos e mais próximos. Se a densidade é pouca, rala e o sítio urbano esparsos há problemas de toda ordem. Mobilidade ruim e cara, serviços essenciais inexistem para todos, pois custa muito caro dispor de uma universalidade.
Agora se a densidade é acompanhada de uma compacidade onde todos os lotes estão ocupados e os serviços essenciais estão por perto da moradia e há condições de sair de casa e caminhar para usar a cidade, eu diria que esta é cidade ideal, com custos muito baixos. O que custa uma cidade compacta? Combater os vazios urbanos, promover incentivos para localização de serviços essenciais e uma política de mobilidade que retire o automóvel das ruas. Uma cidade compacta, com uns 250 a 300 habitantes por hectare, é perfeita em todo lugar do mundo.
No entanto, o contrário, as cidades dispersas com imensos vazios – caso de Campo Grande – são mais caras, mais distantes, mais desiguais e geram enormes despesas para todos por conta do perímetro a ser mantido.
Ricos podem morar ao lado de pobres e se beneficiarem dessa condição. Em Campo Grande já temos exemplos dessa convivência lado a lado, que beneficia a todos, que gera uma matriz econômica mais pulsante e dinâmica e que a cidade lucra enormemente com um barateamento de seus custos essenciais.
Pesquisa recente que coordenamos sobre densidade urbana, verticalidade e sustentabilidade em Campo Grande (MS) mostra a realidade nessa cidade. Conseguimos, finalmente, estudar a cidade pelo lado da densidade bruta e da densidade líquida, graças aos softwares e aos novos bancos de dados de Cadastro Técnico da cidade e com esses dados, temos todas as condições de provocar uma nova discussão sobre o tema das cidades compactas, da diversidade urbana e da não separação de classes sociais.
NOTAS:
[1] Jornal Valor Econômico, de 23 de março de 2016, de autoria de Philip Yang e Danilo Igliori
Ângelo Marcos Arruda, arquiteto e urbanista, é professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e coordenador do Observatório de Arquitetura e Urbanismo.