Por Ernesto Ferreira É em vão que tua imagem chega ao meu encontro E não me entra onde estou, que mostra-a apenas Voltando-te para mim só poderias achar Na parede do meu olhar tua sombra sonhada. Eu sou esse infeliz comparável aos espelhos Que podem refletir mas que não podem ver Como eles meu olho é vazio e como eles habitado Pela ausência de ti que faz sua cegueira. Poema do Fou d'elsa, de Aragon, intitulado Contracanto, citado por Jacques Lacan, Seminário, livro 11. O escritor israelense, Amós Oz, nos legou um pequeno livro muito sábio, de sugestivo título "como curar um fanático', de cujas páginas extrairei muitas coisas na mensagem dessa semana, que ele possa me perdoar o empréstimo sem compensações. Conta o escritor, que quando criança, sua avó explicou-lhe de modo simples a diferença entre um judeu e um cristão: " veja só", ela disse, " os cristãos acreditam que o Messias já esteve aqui e certamente voltará um dia. Os judeus afirmam que o Messias ainda está por vir. Por causa disso, houve tanta raiva, perseguição, derramamento de sangue, ódio... Por quê? ". Ela disse: " Por que cada um não pode simplesmente esperar para ver? Se o Messias chegar dizendo: 'Olá, é um prazer revê-los', os judeus vão ter de admitir e reconhecer o fato. Se, por outro lado, o Messias chegar dizendo: 'Como vão, é um prazer conhecê-los', todo o mundo cristão terá de se desculpar com os judeus. Entre o agora e o então ", disse a erudita avó, " simplesmente viva e deixe viver ". O escritor prossegue, ela era definitivamente imune ao fanatismo. Sabia o segredo de viver em situações em aberto, com conflitos não resolvidos, com a alteridade de outras pessoas. O propósito dessa mensagem, caro e paciente leitor, é oferecer ajuda para curar o imenso fanatismo que se abateu em nossa querida terra, com matizes a gosto, todos com uma base comum, a saber: a percepção de que eu preciso mudar o outro, até mesmo eliminá-lo, a bem dele mesmo, que é corrupto e errado, como não se pode admitir. O leitor deve recordar que escrevo de uma ilha, na condição do náufrago, que envia mensagens ao oceano, sem qualquer tipo de certeza, provavelmente livre desse incômodo, mesmo que tenha que confessar ter alguma dúvida salutar se, de modo nenhum, deixei ou deixarei escapar algum preconceito que possa ser um tipo de fanatismo, mesmo que leve. O poema de Aragon e a história do escritor Amós, têm, em minha opinião, como seu principal valor, a idéia de que, quando não enxergamos ou não nos colocamos no lugar do outro, cegamos e anulamos a nós próprios, ficando reduzidos à condição de fanáticos de qualquer coisa, como um espelho que só reflete, mas não é capaz de ver com quem dividimos o tempo e o espaço. O fanático em que nos transformamos, sem ver, dedica-se a essa infelicidade perene, que pode variar desde a mansidão da negação pura e niilista da vida, até a fúria incontida e destrutiva de tudo que ele não consegue perceber. Sua vida, se é que podemos conceber que isso é vida humana, é uma história de horrores, mergulhada na escuridão de noites e dias monótonos, sem as nuances que experimentam os que se limitam a crer que, de tudo que existe, sabem apenas um pouco, desconhecendo a maior parte e que, vêem nessa lacuna, uma oportunidade de novas experiências, principalmente àquelas advindas do encontro com o outro, numa troca que, se não traz todas as respostas, oferece os significados que nossa existência pede e necessita. Amós, prescreve alguns remédios para a cura dessa afecção cega e sem esperança, a literatura de Shakespeare, Gógol e Kafka. Em Shakespeare, ele afirma que o fanático pode encontrar o seu destino, qual seja a comédia ou a tragédia. Em Gógol, a noção de que até o nariz do fanático pode se tornar seu inimigo e, em Kafka, sentirá o mistério que toda vida têm. Outro remédio, é o humor, pois um dos sintomas mais constantes nos fanáticos, é a ausência completa de senso de humor, encontrando-se os portadores do mal, ou em abulia ou em algum grau de ferocidade, por vezes chegando à demoníaca excitação. Só faço pequeno adendo à sábia prescrição, que o humor verdadeiro, recheado de autoreferências, para que o riso possa libertar a alma aprisionada no espelho dos pobres pacientes acometidos pela moléstia, no estilo o doente imaginário de Molière.