Com 35 anos dedicados a estudar a hidrovia do Rio Paraguai, a pesquisadora Débora Calheiros, que atualmente está cedida ao MPF (Ministério Público Federal), alertou, durante entrevista ao site Campo Grande News, que a possibilidade de se manter o rio navegável pelos 365 dias do ano pode pôr em risco o Pantanal.
Para ela, a concessão da hidrovia à iniciativa privada atende apenas a logística do lucro para a exportação e ignora os riscos ambientais que a dragagem de aprofundamento e de derrocagem (retirada de rochas) vão provocar, pois, com a alteração da hidrodinâmica do rio, a água da planície pantaneira vai escoar mais rápido, trazendo mais seca.
“Se aprofundar o leito do rio, a água flui mais rapidamente, vai secar o Pantanal mais rapidamente. Isso é discutido desde os anos 90. A questão é respeitar o rio, a estação da seca. Se querem navegar os 365 dias do ano, vão ter que aprofundar. Isso vai drenar a planície de inundação mais rapidamente, principalmente na seca”, afirmou a pesquisadora Débora Calheiros.
A redução da área alagada diminui o habitat que é berçário, área de alimentação e casa para peixes, aves aquáticas e outras espécies dependentes de áreas úmidas. O rio nasce no Mato Grosso, adentra o território de Mato Grosso do Sul (margeia Corumbá e Porto Murtinho), segue pelo Paraguai e Argentina, onde deságua no Rio Paraná, em uma jornada de 2.695 quilômetros.
Neste caminho das águas, chega ao Rio da Prata e ganha o Oceano Atlântico em uma rota de exportação de minérios (ferro e manganês). O estudo da concessão do governo federal é do leito do rio no chamado Tramo Sul, localizado no trecho entre a cidade de Corumbá e a Foz do Rio Apa (Porto Murtinho), uma extensão de 600 quilômetros.
“O Tramo Sul apresenta melhores condições para a movimentação de comboios comerciais e é economicamente mais ativo. Atualmente, este segmento do rio é essencial para o transporte de minérios, produtos agrícolas e grãos do Centro-Oeste do Brasil. Especificamente, identifica-se o minério de ferro como a principal carga movimentada. Nesse sentido, o Tramo Sul é muito importante para as exportações brasileiras pela bacia do Rio da Prata, desempenhando um papel vital no comércio regional e continental”, informa documento que subsidia a consulta pública.
Para a pesquisadora, o fato de a concessão não incluir o Tramo Norte (Cáceres a Corumbá) foi um avanço para a conservação do Pantanal. Mas a conservação do Rio Paraguai no Tramo Sul depende que o corpo hídrico seja respeitado nas suas particularidades: o pulso das águas (que inclui a seca) e pontos em que afloram obstáculos naturais.
Os pontos de gargalos exigem que os comboios sejam desmembrados e retardem a passagem, fator negativo na logística do tempo é dinheiro, mas cumprem o papel de diminuir a velocidade da água. Débora destaca os afloramentos rochosos na foz do Rio Miranda e no Fecho dos Morros (Porto Murtinho).
Ela explica que as rochas funcionam como gargalo de uma garrafa, que regula a saída do líquido. A possibilidade de derrocagem nesses pontos é vista como perigosa por alterar o sistema hidrodinâmico.
Quanto à dragagem, a preocupação é com a modalidade de aprofundamento do leito. “Tem que se pensar que o Pantanal precisa ser utilizado de forma extremamente cuidadosa. Por exemplo, nos anos 60, a resiliência era muito maior do que agora. O setor privado quer o lucro. Mas é preciso respeitar o Pantanal na questão de pulso de inundação”.
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