As autoridades carcerárias do Paraguai estimam que atualmente há pelo menos 400 membros das facções criminosas brasileiras PCC (Primeiro Comando da Capital) e CV (Comando Vermelho) presos nos presídios do país vizinho. As últimas rebeliões nas penitenciárias paraguaias foram realizadas sob o comando de membros dessas duas organizações criminosas.
Os detentos integrantes das duas facções reivindicam às autoridades direitos à população carcerária do Paraguai. “Eles pediam acesso à água, tereré, remédios, alimentos e roupas”, afirmou Juan Alberto Martens, criminólogo, que presenciou negociações, pesquisador da Universidade Nacional de Pilar e membro do Conselho Nacional de Ciências Tecnologias (Conacyt).
No Paraguai, o PCC vive um crescimento sem precedentes. Essa expansão, no entanto, ocorre a partir de estratégias bastante distintas das que estariam sendo utilizadas pelo grupo em território brasileiro. No Brasil, segundo investigações do promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) Lincoln Gakiya, os líderes da organização criminosa teriam se distanciado de suas bases com o objetivo de enriquecer individualmente.
A organização, segundo Gakiya, estaria focada em exportar drogas para países europeus e cada vez mais distantes de seu objetivo de atuar como “sindicato do crime”, protestando contra as mazelas do sistema prisional. No país vizinho, membros paraguaios organizam rebeliões e provocam tensões com autoridades para obter benefícios para a população carcerária.
Essa estratégia, explica Martens, remete às origens da facção no Brasil. No ano de 1993, quando o PCC nasceu em um anexo da Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, os líderes tinham como objetivo combater a opressão dentro do sistema prisional paulista e vingar a morte dos detentos do massacre do Carandiru, em 1992. “É um momento muito semelhante ao início da organização no Brasil. Há um forte discurso dos detentos nesse sentido”, diz Martens.
Essa estratégia aliada à presença da organização nos presídios do país tem gerado um recrutamento de integrantes cada vez mais frutífero ao PCC. “A transferência de presos entre as unidades prisionais aumenta a capilaridade da organização”, explica a socióloga Camila Nunes Dias, professora da Universidade Federal do ABC e pesquisadora do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. “A presença da organização se deu, inicialmente, nas regiões fronteiriças e é mais contundente nessas áreas, mas vem se espalhando em outros territórios do país.”
Recrutamento e expansão
Atualmente, as duas organizações criminosas estão presentes nas 17 unidades prisionais do Paraguai, com aproximadamente 400 membros. Para se ter ideia, o Paraguai tem hoje uma população carcerária estimada em 15 mil presos, o equivalente a 2% da brasileira. O Brasil tem hoje 812.564 presos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Nos últimos meses, rebeliões e resgates de supostos integrantes de organizações de origem brasileira revelam a forte atuação desses grupos no país vizinho, sobretudo, da organização paulista.
Um investigador da Polícia Civil, que atua na fronteira do Brasil com a cidade de Pedro Juan Caballero, disse à reportagem que a organização criminosa de origem paulista atua no país como uma espécie de franquia. “Todos os presos por aqui estão se filiando ao PCC”, afirmou. “Eles seguem as regras gerais da organização criminosa, mas atuam de forma independente”, explicou.
Não à toa, o Congresso Nacional do Paraguai sancionou, no dia 7 de setembro, uma lei que declarou situação de emergência em todos os estabelecimentos penitenciários de homens, mulheres e unidades socioeducativas. A legislação previa que, nos 15 dias subsequentes, fosse regulamentado um plano nacional de segurança que, entre outras medidas, autorizasse o Ministério da Justiça a contratar funcionários em caráter de exceção.
As últimas rebeliões organizadas pelo PCC mudam a dinâmica criminal do Paraguai. Segundo Camila Dias, embora a prática do tráfico de drogas exista no país, o Paraguai não é uma nação com níveis elevados de violência. A socióloga, que também é autora do livro “A Guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”, afirma que as autoridades paraguaias perceberam, há algum tempo, que a expansão da organização criminosa vinha ocorrendo dentro no sistema prisional. “Mas o governo demorou a reagir. A polícia paraguaia não está preparada para administrar essa expansão.”
Embora existam outras organizações criminosas nos presídios paraguaios, a presença majoritária é do PCC. O Comando Vermelho, facção rival da organização paulista no Brasil, tem cerca de 50 membros batizados no país vizinhos. De acordo com Martens, apesar de a facção estar presente em todas as unidades prisionais, ainda não há domínio em nenhum presídio.
Na cidade de Encarnação, próximo à fronteira com a Argentina, há uma maior atuação do grupo, segundo o criminólogo. Em outras cidades, como Pedro Juan Caballero e Ciudad del Leste, também há registros de integrantes brasileiros da facção. A maior unidade prisional do país, em Tacumbu, na capital Assunção, concentra 40% da população prisional e nela também há integrantes do PCC. “As autoridades paraguaias não dimensionaram a capacidade da organização”, afirma Martens.