Operação Sangue Frio! Ex-sócio de Dorsa pega quase 12 anos de prisão e terá de devolver R$ 2 milhões

Após 11 anos da Operação Sangue Frio, deflagrada pela Polícia Federal por fraudes no HU (Hospital Universitário), o juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, condenou o empresário Alcides Manuel do Nascimento duas vezes no mesmo dia pelos crimes de corrupção passiva ao receber propina como sócio da empresa Cardiocec Serviços, Comércio e Representações.

A primeira pena foi de cinco anos e sete meses de prisão e devolução R$ 1,330 milhão, enquanto a segunda foi seis anos de reclusão, ambas no regime semiaberto, e perda dos bens apreendidos até a soma de R$ R$ 683 mil em favor da União.

Alcides Manuel é denunciado como ‘laranja’ do ex-diretor geral do HU, o médico José Carlos Dorsa Vieira Pontes, e a Justiça Federal concluiu que ele foi beneficiado pelo pagamento de vantagens ilegais. A condenação pelos recursos recebidos da Biotronik Comercial Médica foi detalhada aqui, já a segunda sentença é relativa aos negócios com a Braile Biomédica.

Conforme denúncia do MPF (Ministério Público Federal), Dorsa e Nascimento receberam R$ 683.179,48 da Braile Biomédica em contrapartida à aquisição, pelo HU, de materiais hospitalares fornecidos pela empresa, em 76 transferências bancárias entre 2009 e 2012. Para “ocultar e dissimular” a origem e destino do dinheiro, o pagamento era feito à Cardiocec Serviços, Comércio e Representações, da qual Alcides é sócio.

O MPF apontou que Alcides Manuel é um dos sócios da Cardiocec, porém, na realidade, a empresa era de propriedade e administrada de fato por José Carlos Dorsa. A descoberta foi feita através de depoimentos e interceptações telefônicas obtidas na Operação Sangue Frio, da Polícia Federal, deflagrada em 2013. Nascimento ficava responsável pela movimentação financeira da firma.

Apenas Alcides Manuel responde a estas acusações, porque José Carlos Dorsa morreu misteriosamente em uma sauna da Capital, em março de 2018. Por parte da Braile Biomédica, foi acusada por corrupção ativa a empresária Maria Cecília Patrícia Braga Braile, que teria dado a ordem de pagamento da suposta propina, segundo o MPF. A denúncia foi apresentada em abril de 2023. Ela acabou absolvida.

O magistrado concluiu que restou suficiente comprovado que Alcides Manuel e José Carlos Dorsa possuíam sociedade em mais de uma pessoa jurídica e que a Cardiocec foi criada a partir da iniciativa do ex-diretor do Hospital Universitário, junto a técnicos perfusionistas que já lhe prestavam serviços, com intuito de constituir uma empresa prestadora de serviços junto aos hospitais públicos, que pudesse participar de licitações e ser remunerada com recursos públicos.

Em juízo, Alcides Manoel confirmou que era companheiro de Dorsa, residiam no mesmo endereço e tinham “uma vida em comum, com certa confusão patrimonial, pois dividia as despesas da casa, do dia-a-dia, de viagem, de reformas, de automóvel que comprou”.

A inclusão do empresário no quadro societário da Cardiocec foi idealizada pelo então diretor do Hospital Universitário, que o indicou para que atuasse como administrador da empresa. O outro sócio, em depoimento durante o julgamento, relatou nunca ter participado da gestão da firma nem tinha acesso ao seu faturamento, o que passou a ser feito por Alcides a pedido de Dorsa.

As conversas telefônicas obtidas pela Operação Sangue Frio comprovaram que Dorsa , além de idealizador da Cardiocec, também era o seu gestor, visto que orientava Alcides acerca de formalização de contratos, emissão de notas fiscais, participação em licitação, investimentos, pagamento de imposto e outras obrigações.

“Ocorre que os diálogos interceptados afastam qualquer dúvida quanto à interferência/gestão de JOSÉ CARLOS DORSA, em parceria com ALCIDES MANUEL DO NASCIMENTO, da empresa CARDIOCEC (v. itens 76 a 76.10, supra). A partir dessa premissa, é possível concluir que ambos se beneficiavam dos valores que ingressavam na conta da CARDIOCEC, supostamente como pagamento de vantagem indevida em razão da função pública exercida por DORSA. Esse é o desenho perfeitamente dedutível da prova dos autos”, relata o magistrado.

No período de gestão de José Carlos Dorsa  junto ao Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap), a empresa Braile Biomédica Indústria, Comércio E Representações Ltda. (CNPJ n. 52.828.936/0001-09) sagrou-se vencedora em sucessivos processos licitatórios, para o fornecimento de materiais médico-hospitalares utilizados especificamente em procedimentos médico-cirúrgicos nas áreas de cardiologia, geral, vascular, urologia e outras, no HU, e sua prestação de serviços estendeu-se até a deflagração da Operação “Sangue Frio”.

Identificou-se que, entre 12 de fevereiro de 2009 e 30 de março de 2012, a Cardiocec recebeu 53 transferências bancárias de Braile Biomédica, no valor total de R$ 683.179,48. Na operação da Polícia Federal, foi encontrada uma série de planilhas de pagamento na residência comum de Alcides e José Dorsa, inclusive com anotações manuscritas, demonstrando um “fixo” de pagamento da Biotronik para o ex-diretor do HU. Não se encontrou similar planilha de pagamentos com relação à empresa Braile, mas a dinâmica num caso e noutro é rigorosamente a mesma, segundo o juiz Bruno Teixeira.

As defesas apresentaram a versão de que os valores recebidos pela Cardiocec constituem uma suposta contraprestação por serviços prestados por ela à Braile, com perfusão (operação de máquina de circulação extracorpórea e demais acessórios, visando a manutenção das funções vitais do paciente durante procedimentos cirúrgicos) e representação comercial.

O magistrado, porém, considerou estranho que nos depoimentos prestados em sede pré-processual e em Juízo, Maria Cecilia Patricia atribuiu os pagamentos feitos pela Braile ao fato de que a Cardiocec atuou com representante comercial de sua empresa, nada falando sobre serviços praticados no âmbito de perfusão, até porque este serviço era remunerado pelo HUMAP, e não pelas empresas que forneciam materiais ao HUMAP.

“Sobre a ausência de formalização do contrato entre CARDIOCEC e BRAILE, MARIA CECILIA PATRICIA esclareceu tratar-se de um contrato verbal, o que impossibilita a verificação de quaisquer elementos do acordo, em especial do objeto contratado”, avalia o juiz.

Bruno Cezar Teixeira considerou que “a tese de defesa não restou documentalmente provada, com o contrato escrito ou, ao menos, trocas de mensagens eletrônicas acerca de metas, vendas de produtos em hospitais públicos e privados, pagamentos de comissões, controle de estoque, o que se espera em uma relação de representação comercial”.

O juiz considerou os procedimentos alegados pela defesa “incondizente com a normalidade administrativa de uma grande empresa”, cujo capital social é de mais de R$ 20 milhões.

“Nesse diapasão, as teses defensivas não são minimamente convincentes e aptas a justificar os pagamentos descritos como propina escamoteada pela CGU, PF e MPF”, concluiu o magistrado. “A versão defensiva, em verdade, não encontra respaldo nas provas produzidas nos autos, e é claramente negada pelas testemunhas de acusação. Sequer é corroborado pelas testemunhas de defesa […]”,

“À vista de todo o exposto, verifico que o cotejo dos elementos probatórios permite formar o convencimento deste juízo, acima de qualquer dúvida razoável, no sentido de que o réu ALCIDES MANUEL DO NASCIMENTO, agindo de forma livre e consciente, em concurso e com unidade de desígnios com JOSÉ CARLOS DORSA VIEIRA PONTES, recebeu, para si ou para outrem, no período de 12/02/2009 a 30/11/2012, vantagens indevidas consistentes no valor total de R$ 683.179,48”, decidiu.

Em relação a Maria Cecília Patrícia Braga Braile, presidente e sócia-proprietária da Braile Biomédica, à época dos fatos, o juiz titular da 3ª Vara Federal de Campo Grande considerou que após análise das provas, “não foi devidamente comprovado” que ela tenha pessoalmente negociado o pagamento de vantagens pecuniárias a Alcides ou à Cardiocec.

“Os indícios de autoria, que permitiram o recebimento da denúncia em face da MARIA CECÍLIA PATRÍCIA (fase processual em que vige o princípio in dubio pro societate) não foram suficientemente confirmados pelas provas produzidas nos autos, obstando o édito condenatório”, diz a sentença.

“A absolvição da mesma, assim sendo, não há de decorrer da vedação a uma pura e simples responsabilização penal objetiva, que não era sequer dedutível do argumento central da acusação, mas das dúvidas razoáveis que a gestão da acusada enquanto diretora presidente por “sucessão/ herança” causam, dado que o pai da acusada seguia à frente da administração de modo ativo, centralizado e direto, a despeito da alteração contratual”, completa.