Levantamento realizado pelo MPE (Ministério Público Estadual) apontou que, nos últimos oito anos, nenhum homicídio foi cometido com arma de fogo legalizada em Mato Grosso do Sul. O responsável pelos dados, o promotor de Justiça Luciano Lara, explicou que mais de 1.580 denúncias provenientes de todo o Estado foram analisadas a partir de processos digitais do próprio sistema.
“Nós trabalhamos com processos digitais há 13 anos. Inicialmente, levantamos todas as denúncias envolvendo arma de fogo. Foi verificada uma a uma, para ver se havia registro do armamento. Nenhuma estava registrada em nome do proprietário”, pontuou ao site Campo Grande News.
“Entre os crimes que passaram por mim, tenho mais de 10 mil inquéritos analisados e mais de 480 júris realizados envolvendo crimes dolosos contra a vida. Comecei a notar que não havia armas legais. E sempre ouvi que eram as armas legais que causavam esse tipo de crime”, relatou.
No momento, o promotor de Justiça está ampliando essa mesma pesquisa para as demais unidades federativas do Brasil, com a intenção de verificar se o que ocorre em Mato Grosso do Sul é realidade ou não em outros estados. Por ora, não há números desse trabalho para serem divulgados, mas o resultado deverá ser fechado ainda este ano.
Apesar disso, o promotor explica que os crimes cometidos com armas que estavam nas mãos de CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) são bem baixos no país. “Nós gostaríamos que esse número fosse zero. Mas, dentro de um universo de 1 milhão de CACs, quando analisados os anos de 2021 e 2022, o número de crimes praticados passou de 109 para 213”, esclareceu.
Luciano Lara explica o que a pesquisa considera ilegal do ponto de vista da legislação. “Se essa arma está registrada no nome de uma pessoa e ela é produto de furto ou roubo, a partir daí ela é uma arma ilegal. Se essa arma for utilizada, ela reforça o que estamos falando: uma arma ilegal sendo utilizada no crime”, destacou.
Esse é um exemplo, mas existem outras situações em que uma arma é considerada ilegal, como quando está com a numeração raspada, quando é de uso restrito sem autorização ou quando está em posse de pessoa sem registro ou com o registro vencido. “Arma legal é aquela comprada legalmente e registrada em nome da pessoa que está utilizando”, reforçou.
Outra informação que o promotor enfatiza é que essas armas furtadas ou roubadas não representam o perfil das ilegais utilizadas em homicídios no Estado. “A arma que arma os criminosos vem de contrabando, pela fronteira. Em sua maioria, são armas estrangeiras, falsificadas, fabricadas com montagens de peças e colocadas com marcas de fabricantes internacionais. As armas do crime organizado não são acessíveis ao cidadão”, explicou.
Além de não serem acessíveis ao cidadão comum, elas não passam pelo Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas) e pelo Sinarm (Sistema Nacional de Armas). O primeiro é ligado ao Exército Brasileiro, e o segundo é gerenciado pela Polícia Federal.
Essas armas ilegais, segundo o promotor, são popularmente chamadas de “armas de rajada”. Em Mato Grosso do Sul, ele cita um crime praticado na fronteira com esse tipo de armamento. “Na execução de Rafael Rafaat foram usadas armas de rajada”, exemplificou.
Antes do trabalho levá-lo a lidar com casos envolvendo armas de fogo e, mais recentemente, a própria pesquisa, o promotor conta que, na vida pessoal, já tinha contato com armas. “Eu sou atirador, cresci em uma família de atiradores, então tenho interesse no tema e sou um entusiasta do assunto”, declarou.
Quando chegou ao curso de Direito e, por fim, à Promotoria, ele relata que sempre ouviu que as armas legais eram responsáveis pelos crimes. Com a pesquisa em âmbito regional e nacional, o promotor quer mostrar os números reais.
“Não começou com essa intenção, mas a pesquisa está se mostrando necessária. Os dados mostram que, na verdade, precisamos melhorar a forma de estruturação dos crimes, porque também apenas 4% das armas recuperadas e localizadas estão sendo comunicadas à Polícia Federal, que é quem tem o cadastro”, frisou.