Bola de Fogo ou de Sebo? Enquanto Odilon segurou ação por 11 anos, substituto condena Hyran Garcete em 16 meses
Na última semana, mais precisamente no dia 1º de fevereiro de 2019, chegou ao fim uma ação que se arrastava há 12 anos e 9 meses na Justiça Federal de Mato Grosso do Sul. Trata-se do julgamento dos envolvidos na “Operação Bola de Fogo”, considerada a maior ofensiva da Polícia Federal contra a “Máfia do Cigarro” no Estado, realizada em maio de 2006.
O juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, que é especializada no combate ao crime de lavagem de dinheiro em Mato Grosso do Sul, condenou o “empresário” Hyran Georges Delgado Garcete, acusado de ser o líder da organização criminosa, a 12 anos, sete meses e 11 dias de prisão em regime fechado.
Em sentença de 140 páginas, o magistrado ainda condenou a seis anos de reclusão em regime semiaberto a mãe e irmã do empresário, respectivamente, Alzira e Daniela Delgado Garcete, e o sogro dele, Nelson Issamu Kanamoto, que foi condenado a oito anos, cinco meses e sete dias de prisão em regime fechado por ser auxiliar Garcete na organização criminosa.
Além disso, também foram condenados o cunhado de Garcete, Nelson Kanamoto Júnior, que teve a pena de sete anos, um mês e 15 dias, a esposa dele, Patrícia Kazue Mikai Kanamoto, e a sogra do “empresário”, Maria Mukai Kanamoto, que receberam sentença de quatro anos em regime aberto, que será substituída por pena restritiva de direitos. O mesmo vale para o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, condenado a três anos em regime aberto.
No entanto, graças à morosidade da Justiça Federal em julgar os envolvidos na “Operação Bola de Fogo”, os crimes prescreveram e houve a absolvição de 21 das 31 pessoas denunciadas em 2006. Essas 21 pessoas, que integraram o esquema de contrabando de cigarro, falsidade ideológica e “laranjas” das empresas, acabaram absolvidas porque os crimes prescreveram.
E toda essa morosidade, 12 anos e 9 meses para ser mais exato, tem como grande responsável o juiz federal aposentado Odilon de Oliveira, que foi candidato a governador nas eleições do ano passado. O “nobre” magistrado “sentou” em cima do processo por 11 anos e 5 meses, já que se aposentou no dia 5 de outubro de 2017 da 3ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande.
Incrivelmente, foi só o “velho” juiz sair de cena para que o processo andasse em uma velocidade acelerada, pois, o substituto do magistrado aposentado só precisou de um ano e quatro meses para julgar a bronca parada desde maio de 2006 na Justiça Federal. Agora a pergunta que não quer calar: Por que Odilon segurou essa ação por tanto tempo?
Com a resposta, os leitores….
Entenda o caso
A “Operação Bola de Fogo”, maior operação de combate ao contrabando de cigarro do Paraguai para Mato Grosso do Sul e daqui para o resto do Brasil, cumpriu 135 mandados de busca e apreensão e prendeu 116 pessoas em vários Estados em maio de 2006. Na época, Garcete foi preso com 13 armas de fogo distribuídas na casa em Campo Grande, nas fazendas e nas empresas.
Ele tinha até fuzil e submetralhadora como parte do arsenal. Na época, a Receita Federal fechou a Sudamax, fabricante de cigarro em Cajamar, no interior de São Paulo. O grupo foi acusado de sonegar R$ 800 milhões ao fisco. O esquema montado por Garcete, conforme a Polícia Federal, enviava cigarro contrabando do Paraguai e o produto fabricado no Brasil para a exportação para os Estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Foram registradas apreensões de cargas em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
A operação identificou uma fortuna em nome do empresário, da mãe e das irmãs em bancos nos Estados Unidos, Holanda, Suíça e Paraguai. Em depoimento à Justiça, ele estimou US$ 4 milhões no exterior. No entanto, o montante pode ser muito maior. O juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira destaca que a remessa total ao exterior foi de US$ 11,6 milhões. O total de depósitos identificados somou US$ 16,424 milhões.
Para fisgar a organização criminosa, considerada uma das mais bem estruturadas do Brasil, a PF reuniu provas, depoimentos, conversas captadas em interceptações telefônicas, documentos e o organograma dos criminosos. Identificou todos os funcionários e familiares usados para abrir empresas, ocultar bens e movimentar dinheiro. Só o inquérito policial terminou com seis volumes, um calhamaço de papel. Até dinheiro depositado em nome de Alzira e das irmãs em bancos de Nova York foi descoberto.
“Conjugando-se tal depoimento com aquilo que restou coletado nos monitoramentos telefônicos, não há qualquer dúvida de que Hyran liderava uma associação criminosa estável, voltada à prática do delito de contrabando de cigarro em larguíssima escala”, observou o juiz federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira.
“Hyran não apenas se utilizou de contas correntes de terceiros chamados laranjas, mas estruturou uma vasta rede de empresas cujas razões econômicas ou bem seriam indelevelmente ligadas à prática da lavagem (empresas de fachada), sem subsistir de fato no mundo fenomênico, ou estavam postas à disposição, para além de suas ordenanças, dos mecanismos de lavagem”, anotou, sobre a megaestrutura que vingou por mais de oito anos.
“São milhares de diálogos telefônicos mantidos entre os membros da organização. Não é possível transcrever todos ou sequer os resumos das conversas. São de grande relevância probatória, também, o teor de cada conversa resumida às fls. 4044/4081 (Nélson Kanomata), 4028/4044 (Nélson Júnior), 4000/4004 (Maria Kanomata) e 4093/4106 (Patrícia).[…] as conversas telefônicas dão conta de que Hyran Garcete se utilizava de terceiros para figurarem em em-presas suas e também como cedentes de contas bancá-rias para depósito; Hyran se utilizava de diversas pessoas, dentre elas Alzira, sua mãe, duas irmãs suas, Patrícia, sua esposa, diversos empregados, entre outras”, comentou Bruno Cezar.
“A denúncia não é genérica (fls. 02/37), mas suficientemente enredada. Narra os fatos e faz a individualização possível nos casos de crimes complexos e com multiplicidade de réus, aqui em número de 31”, conclui o magistrado. No entanto, apesar dos esforços da PF, da Receita Federal, do Ministério Público Federal e do magistrado, que assumiu a vara no final de março do ano passado, a maioria dos denunciados saiu impune graças à prescrição dos crimes em decorrência da morosidade da Justiça Federal.
“De todo modo, convém ressaltar que a prescrição penal terminou sendo uma infausta realidade neste feito, como adiante teremos a oportunidade de esclarecer. Falamos da prescrição pela pena em abstrato, sem mencionar a possibilidade, quanto à grande maioria de acusados, de que eventuais penas estejam fulminadas pela prescrição pela pena em concreto, diante do tempo de tramitação”, lamentou o magistrado.