O primeiro dia do julgamento do Caso Sophia realizado ao longo do dia de ontem (4) no Tribunal do Júri de Campo Grande a mãe da criança, Stephanie de Jesus da Silva, 26 anos, se declarou inocente da morte da filha.
Durante interrogatório, ela afirmou desconhecer que a filha sofria agressões e que “não tinha ideia da gravidade” do quadro da vítima, ao levá-la a uma unidade de saúde, onde foi constatada a morte. A defesa sustenta a tese de que a acusada sofre de Síndrome de Estocolmo e tem diversos transtornos psiquiátricos.
A mulher manteve a versão de desconhecimento das agressões mesmo quando contestada com áudios e mensagens trocadas com o padrasto da criança, Christian Campoçano Leitheim, em que ambos combinavam histórias para explicar os hematomas da menina.
O depoimento dele, que também estava marcado para ontem, foi adiado para hoje. Apesar de afirmar desconhecer as agressões, a acusada disse ter certeza que o culpado é Christian e chegou a chorar durante o depoimento, alegando inocência e traumas de um suposto relacionamento abusivo, onde foi vítima de violência doméstica.
“Eu não tinha coragem de chegar a espancar a minha filha, o máximo era uma palmada na bunda e só, não conseguia bater nela, eu gritava bastante, prefiro gritar do que bater”, disse.
Sobre a situação em que a criança foi encaminhada a unidade de saúde, onde a médica atestou que a menina já estava morta há cerca de quatro horas, Stephanie alegou desconhecer que a criança estava morta ou que o caso era grave e disse que só descobriu a causa da morte no presídio.
“No dia, eu não fui trabalhar para levar a Sophia no posto, mas o Christian falou que não, porque deu remédio e ela ia melhorar. Ela não quis almoçar e, depois do almoço a gente foi dormir e acordei com ela reclamando de dor, foi quando vi que a barriga estava inchada e comecei a mandar mensagem desesperada para minha irmã”, relatou, acrescentando que chamou um Uber para levar a menina até o posto.
“Eu fiquei sabendo de como ela tinha morrido lá no presídio. Não fui eu, foi o Christian, porque só estava eu e ele e eu não teria coragem de fazer nada com a minha filha. Eu não sabia que a minha filha estava nesse ponto, não fazia ideia da gravidade da situação”, acrescentou.
A mãe disse ainda que suspeita que as agressões tenham ocorrido em um momento que o padrasto levou a menina ao banheiro e, quando questionada pelo juiz Aluizio Pereira dos Santos se não ouviu a menina gritar ou chorar, ela disse que não pois a outra filha pequena estaria chorando muito alto e que o banheiro é longe do quarto.
O juiz perguntou ainda sobre o depoimento da médica pediatra Thayse Capel, que disse que ao ser informada do falecimento da filha, Stephanie se manteve indiferente e permaneceu mexendo no celular, o que, somados aos hematomas da criança, levantou a suspeita de maus-tratos. Além das agressões, laudos apontaram que Sophia foi vítima de abuso sexual.
“Eu não fazia ideia, tenho certeza que foi aquele monstro que fez isso com minha filha. Eu não fiquei o tempo todo no celular, eu entrei em choque, não tive reação nem de tristeza ou alegria”, alegou.
Em outro depoimento, da mãe de Christian, ela afirmou que chegou a presenciar Stephanie agredindo a filha em uma festa de família. Questionada, a acusada disse que a mulher mentiu e que a agressão ocorreu, mas teria sido praticada pelo agora ex-marido, contradizendo a versão anterior onde disse que não sabia que a filha sofria agressões.
A mulher justificou que, nesses casos, não presenciou agressões, mas tapas e “correções”, e que os casos mais graves de espancamento eram cometidos por Christian apenas contro o outro filho dele, enteado dela.
O magistrado também trouxe à tona autos do processo onde constam que a criança já havia sido encaminhada ao hospital em outras ocasiões, devido a ferimentos diversos, sendo um deles uma perna quebrada.
Para este questionamento, Stephanie disse que não desconfiou da agressão e pensou que o trauma teria sido causado por uma queda. “Não foi fratura, ela trincou a perna, e o médico disse que era normal para criança esse tipo de lesão ao cair”, disse.
Por fim, o juiz perguntou sobre a troca de mensagens entre Stephanie e Christian, onde eles combinam qual história contar para justificar hematomas no corpo de Sophia.
“Eu mandei mensagem para ele [Christian] perguntando: ‘o que falo do roxo, porque eu não sei o que aconteceu, você não me explicou o que é esse roxo nas costas dela’, foi quando ele me falou para inventar uma história, mas a verdade é que eu não sei o que aconteceu”, alegou.
Relação abusiva
Durante o depoimento, Stephanie descreveu que a relação com Christian era conturbada e que ela sofreu várias agressões, sendo inicialmente agressões verbais, pois ele não gostava de ser contrariado, e depois físicas, que começaram quando ela estava grávida da filha mais nova.
“Conforme o tempo ele foi se mostrando uma pessoa agressiva, mas verbalmente, não fisicamente, ele não gostava que eu respondesse, por exemplo falasse não para ele, tinha que pisar em ovos para falar com ele, não podia falar qualquer coisa porque me mandava calar a boca, ficar quieta”, relatou.
Ao descobrir a gravidez, ela disse que foi convencida a morar em uma casa alugada com o rapaz, onde passou a depender dele financeiramente, mas como Christian vivia com um auxílio de R$ 600, vendia bolos para ajudar a pagar o aluguel, que era acima de R$ 800.
A casa era frequentada por diversas pessoas e havia consumo de drogas no local. Perguntada sobre isso, ela disse que fingia usar drogas para não sofrer mais agressões, mas que na verdade nunca fez uso de entorpecentes.
Stephanie disse que nunca registrou boletim de ocorrência pois era ameaçada e tinha medo. “Eu tinha muito medo do que ele poderia fazer não só comigo, mas com as crianças e minha família, ele sabia onde eu trabalhava, onde morava, onde minha mãe morava, e quando eu resolvi juntar provas e criar coragem, não deu tempo”, contou.
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