A exemplo do programa habitacional do Governo Federal, a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) também criou sua versão do “Minha Casa, Minha Vida” e espalhou pelo Brasil um setor imobiliário para abrigar os familiares do presos ligados ao grupo. Trata-se de uma divisão responsável por providenciar locais nas cinco cidades do País onde estão instalados presídios federais para que familiares de integrantes da facção sejam bem recebidos.
Entre os 30 alvos de mandados de prisão expedidos pela “Operação Cravada”, realizada pela Polícia Federal na semana passada, estão duas pessoas apontadas pela investigação como líderes do segmento “resumo das trancas federais”. De acordo com a PF, além de definir as locações das “casas de apoio”, este grupo ainda apoia integrantes presos com dinheiro, ajuda com advogado e transporte de familiares para visita.
Os apontados como responsáveis pela administração de imóveis da organização são Juliana Baia de Oliveira, conhecida como “Nicole”, e Sebastião Gilberto Araújo Neto, conhecido como “Cristian” ou “Israel”. Conforme a PF, Juliana era a responsável, respondendo diretamente à cúpula do PCC, enquanto Araújo Neto era seu braço direito. Neto também é acusado de liderar a “função disciplinar” de membros da facção em liberdade no estado de Minas Gerais, observando e se necessário punindo desvios de conduta.
Em junho deste ano, a própria PF já tinha cumprido mandados de busca e apreensão em seis casas que teriam sido alugadas pelo PCC em Campo Grande (MS). A ação fez parte da operação Krimoj e esteve focada somente em Mato Grosso do Sul. O aluguel de um das casas em que a PF esteve custava por volta de R$ 5 mil por mês. O imóvel tinha piscina e seis quartos, podendo receber até 20 hóspedes de uma só vez.
O Brasil tem cinco presídios federais, que abrigam criminosos considerados como de alta periculosidade. Estão em Catanduvas (PR), Porto Velho (RO), Campo Grande (MS), Mossoró (RN) e Brasília. Dados do Ministério da Justiça, obtidos pela reportagem do site UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação), apontam que a média mensal de gastos com estes presídios gira em torno de R$ 23 milhões.
Estrutura não espanta
O pesquisador do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da USP) e jornalista Bruno Paes Manso também afirmou que a criação do setor é uma novidade. “Nunca havia aparecido nem nos processos do PCC, nem nos organogramas”, disse.
Já o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do MPE-SP (Ministério Público de São Paulo), foi o responsável por pedir, no fim do ano passado, as transferências dos chefes da facção de presídios paulistas para o sistema penitenciário federal.
Apesar de ter vindo agora à tona, segundo Gakiya o “resumo das trancas” já vinha sendo monitorado desde a criação dos presídios federais, em 2011. “São imóveis alugados pelo PCC. Os responsáveis recebem uma ajuda mensal para manter o local. Assim, quando familiares de integrantes estão visitando os presos, têm um local para ficar caso necessitem”, analisou.
O procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, que investigou o PCC no início dos anos 2000, afirmou que a criação deste setor “não espanta, porque sempre houve uma ‘sintonia’ de apoio aos membros presos. Inclusive, desde o começo, com a locação de ônibus e compra de cestas básicas. É só um desdobramento que veio com a expansão da facção”, afirmou.
Vão ajustando suas estruturas
Socióloga, pesquisadora, escritora e especialista no sistema penitenciário brasileiro, Camila Nunes Dias, que dá aula da UFABC (Universidade Federal do ABC), afirmou que desconhecia, até então, o segmento que cuida de imóveis, mas apontou a flexibilidade com que a facção costuma se adaptar.
“Eles mudam o tempo todo. É bastante elástico e flexível, passível de criar novas ‘estruturas’, que às vezes são bem simples, para dar conta de novas demandas. Talvez, o aumento da presença de membros do PCC no sistema penitenciário federal tenha induzido a criação deste setor. Em geral, funcionam assim. Vão se adaptando, ampliando ou ajustando suas estruturas”, afirmou.
A desembargadora do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) Ivana David, que decretou as primeiras prisões temporárias de líderes do PCC em São Paulo, disse que, pela força financeira da organização criminosa, não é de se estranhar a criação do setor.
“Em São Paulo, providenciam desde sempre transportes. Imagina nos presídios federais, em que o isolamento é maior? O PCC garante ao seu integrante o não abandono do preso, com apoio financeiro e ao familiar”, afirmou.