As investigações da Polícia Federal, no âmbito da “Operação Ultima Ratio” contra a venda de sentenças no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), revelaram que a servidora Natacha Neves de Jonas Bastos se desviava de sua função e tinha “relevante papel na gestão financeira” do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso.
Ela ocupa o cargo efetivo de analista judiciário e exerceu o cargo de assessora no gabinete do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso até a aposentadoria do magistrado, em junho de 2024. É dela o comentário – “Todo mundo fala: ‘ai não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega’”, sobre o esquema de venda de sentenças no TJMS. A conversa com uma juíza foi obtida pela PF e consta no relatório enviado ao Superior Tribunal de Justiça.
A mensagem foi enviada à juíza Kelly Gaspar Duarte Neves, da Vara Criminal de Aquidauana, ex-diretora da Associação dos Magistrados de Mato Grosso do Sul, após a “Operação Tiradentes”, deflagrada em fevereiro, quando a PF fez buscas em endereços ligados ao desembargador Divoncir Schreiner Maran. Ele é acusado de receber propina para conceder habeas corpus para o narcotraficante Gerson Palermo, condenado a 126 anos de prisão, durante o feriadão do dia 21 de abril de 2020, no plantão judicial.
“Vocês devem saber mais porque eu acho que tem juízes que participam das coisas no CNJ e tal, porque lá em cima o povo não fica sabendo”, comentou a assessora com a magistrada. Conforme Natacha, “todo mundo lá em cima fala negócio de Sideni, de rolo disso, daquilo, do povo… até do Marcão e tal”, disse em referência aos desembargadores Sideni Soncini Pimentel e Marcos José de Brito Rodrigues, afastados na operação da Polícia Federal.
A juíza Kelly Gaspar Duarte Neves também comenta sobre as suspeitas de corrupção no TJMS. “Ô Nati, segundo a gente sabe o… teria entrado dinheiro lá na conta, mas como desde a morte da primeira esposa dele, do DIVONCIR, ele criou aquela empresa, então tudo vai pra empresa, eles não movimentam nada na pessoa física, mas do escritório, essas coisas, o Pedrini já tinha pego né… que eles entraram, conversaram, fizeram tudo pessoalmente. Isso aí tinha prova, mas a Receita Federal quebrou algumas coisas assim. Então diz que prova tem né, mas o pessoal fala que um dos filhos dele, não sei se é Vando, alguma coisa assim, diz que esse é muito sério, tal, sei lá”, diz Kelly.
“Do Sideni também tem e… só que sempre pelos filhos, sabe? Sempre pelos filhos. Mas a investigação lá tá há um tempão já no… no CNJ. A gente sabe porque eu fui da AMAMSUL, então a gente meio que é que segura, sabe?”, prossegue a juíza. Para a Polícia Federal, o diálogo obtido por meio da quebra de sigilo telemático da servidora do TJMS aponta “que a prática de crimes por desembargadores é de notório conhecimento interno no Judiciário”.
“As conversas travadas entre a analista judiciária NATACHA e a magistrada KELLY corroboram a hipótese criminal levantada no presente inquérito policial, no sentido de que a negociação de decisões judiciais ocorra por intermédio dos filhos dos desembargadores, os quais são, em sua maioria, advogados e sócios de escritórios de advocacia e utilizariam de suas pessoas jurídicas na intenção de burlar os mecanismos de rastreamento do fluxo de dinheiro”, diz o relatório da PF.
A Polícia Federal apreendeu quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo na casa do desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, também afastado, quando a Operação Ultima Ratio foi deflagrada, em 24 de outubro. O relatório da investigação trata Natacha Bastos como “pessoa de confiança e possui relevante papel na gestão financeira do desembargador” e que “se desviava das funções inerentes a seu cargo para atuar como assistente pessoal” do magistrado.
Segundo a PF, a assessora efetuou um depósito em espécie no valor de R$ 90 mil em conta de Júlio Cardoso, em junho de 2021. No ano passado, a servidora do TJMS fez o depósito de R$ 45 mil em dinheiro na conta do chefe no intervalo de um mês, entre outubro e novembro. Como não foi possível identificar a origem do recurso depositado, a PF afirma ser indício de que poderia ter sido obtido de maneira ilícita.
Além da busca e apreensão, a Polícia Federal pediu a prisão preventiva do aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso, mas foi negado pelo ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça. O magistrado concordou com manifestação do Ministério Público Federal, que considerou a “medida extrema” e não deveria ser adotada nesse momento, sendo necessário apenas a adoção de medidas cautelares.
Além mandar a PF recolher dinheiro, documentos, computadores e dinheiro, o ministro Francisco Falcão determinou o afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça e o monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica: Sérgio Martins, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues, Vladimir Abreu da Silva e Alexandre Bastos.