Ao publicar nas redes sociais vídeos de clientes cometendo pequenos furtos sem deixar de identificá-los, a rede de lojas Havan, do empresário Luciano Hang, está sendo tão criminosa quanto os ladrões, conforme advogados criminalistas ouvidos pelo BDN (Blog do Nélio).
A empresa tem utilizado as redes sociais para divulgar supostos furtos ocorridos em suas unidades e um desses vídeos alcançou mais de 1,3 milhão de visualizações no X desde domingo (12). Na filmagem, aparece uma cliente de uma das lojas da Havan em Campo Grande (MS), próximo ao Shopping Norte Sul.
Luciano Hang se referiu a essa iniciativa como “amostradinhos do mês”, em alusão ao reconhecimento do “funcionário do mês” e à tendência “amostradinho”, que viralizou na internet ao mostrar situações de risco.
A divulgação desses vídeos começou em agosto, apresentando imagens de casos selecionados, que não necessariamente ocorreram naquele mês. “Selecionamos os casos mais evidentes que aconteceram em algumas filiais pelo país”, afirmou a rede de lojas.
“Quem furtar na Havan será pego e ainda vai ficar famoso!”, declarou Hang em sua conta no X, onde convida os seguidores a conferir os “amostradinhos de setembro” e ver quem foi flagrado cometendo furtos nas lojas.
O vídeo publicado em dezembro no TikTok, na conta oficial da Havan, já acumula mais de 16 milhões de visualizações.
A Havan informou que, após a pandemia, observou um aumento significativo nos casos de furtos, mesmo com um sistema de monitoramento ativo 24 horas por dia e tecnologia avançada para identificação de suspeitos.
A empresa afirma que tem acionado a Polícia Militar e registrado boletins de ocorrência, mas sem resultados satisfatórios. “Por isso, decidimos expor mensalmente em nossas redes sociais os criminosos que forem flagrados furtando na Havan. A única forma de inibir é a vergonha”, disse Hang em uma nota.
O empresário também afirmou que as lojas da Havan contam com um sistema de segurança de alta tecnologia, que utiliza inteligência artificial para monitorar os furtos. Esse sistema permite identificar os clientes ao entrarem e saírem da loja, além de realizar cruzamentos faciais com os momentos em que os furtos acontecem.
Fundada em 1986 como uma loja de tecidos em Brusque, Santa Catarina, a Havan atualmente tem 179 lojas em todo o Brasil e emprega mais de 20 mil pessoas. Os incidentes registrados em dezembro do ano passado ocorreram em filiais em Belém (PA), Balneário Camboriú (SC), Campo Grande (MS), Palmas (TO), Florianópolis (SC), Catanduva (SP) e Ji-Paraná (RO).
Entenda o crime
Não são raras as situações em que empresas do ramo do varejo são objeto de tentativas de furto por potenciais clientes e consumidores. Muitas vezes, a situação revolta os empresários e abre margem para a busca por soluções rápidas, individuais e, aparentemente, eficazes para coibir essas práticas ilícitas.
No entanto, conforme os advogados criminalistas ouvidos pelo BDN, é preciso ter cautela na adoção de medidas que envolverem, principalmente, a divulgação da imagem dos supostos suspeitos do crime.
Do ponto de vista da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.º 13.709/2018 – “LGPD”), a imagem de alguém é considerada um dado pessoal. Nesse sentido, a divulgação de imagens de pessoas sem o devido consentimento ou sem respaldo em alguma base legal estabelecida pela LGPD pode configurar tratamento ilícito de dados, além de violação do direito à privacidade e à proteção de dados pessoais, ambos considerados direitos fundamentais pela Constituição Federal.
O artigo 7º da LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais só pode ocorrer mediante o consentimento do titular ou com base em outras hipóteses legais específicas. Dessa forma, a exposição pública de suspeitos pode ser interpretada como prática ilegal, acarretando risco de responsabilização administrativa.
A divulgação de imagens de suspeitos sem o devido processo legal e sem o consentimento livre, informado e inequívoco para determinada finalidade, além de violar a LGPD, também pode causar danos à honra e à dignidade da pessoa humana, ensejando, ainda, eventual responsabilização civil e penal.
Dessa forma, é fundamental que as empresas, ao tratarem dados pessoais, incluindo imagens, respeitem estritamente os princípios e as regras previstos na LGPD e nas demais leis aplicáveis, sob pena de incorrerem em sanções administrativas e ações judiciais.
Na perspectiva do Direito Penal, a exposição de suspeitos de furto pode configurar, em tese, crime de difamação. O Código Penal define tal crime como o ato de imputar fato ofensivo ou desabonador a determinada pessoa, ainda que verdadeiro, com a intenção de lesar a reputação da vítima.
O que se verifica na prática é que a divulgação de imagens de supostos autores de furtos nas redes sociais, mesmo no intuito de reprimir novas prática de crimes no estabelecimento comercial, poderia acarretar discussões indesejáveis sobre a eventual configuração de crime, de infração à LGPD ou de dano moral, além de colocar a empresa ao risco de prejuízo reputacional.