Fronteira com Paraguai atrai “gigantes do crime” e une o PCC a extremistas do Oriente Médio. Perigo à vista!

Uma reportagem da Revista Isto É desnuda mais um enorme conluio para a operação do crime, principalmente ligado ao contrabando de cigarros do Paraguai para o Brasil.

Uma das rotas, é claro, passar por Mato Grosso do Sul, mas precisamente com início na faixa de fronteira do sul do Estado que compreende vários municípios, entre eles o mais importante, Mundo Novo, 464 km de Campo Grande.

A atuação de pelo menos 30 quadrilhas criminosas faz da Tríplice Fronteira, região em que o Brasil faz divisa com a Argentina e o Paraguai, um território dominado pela violência.

Agora, um relatório da Fundação de Defesa da Democracia (FDD) para a Comissão de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos confirma a presença de um grupo extremista com ações até então restritas ao Oriente Médio.

A organização libanesa Hezbollah, cujo nome significa “Partido de Deus”, vem atuando em parceria com a maior facção criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), para fortalecer os negócios no comércio ilegal de mercadorias. Estima-se que a atividade tenha gerado um prejuízo de R$ 345 bilhões nos últimos três anos.

De acordo com o documento, além do tráfico de drogas produzidas em países sul-americanos, como Paraguai e Colômbia, a aliança do PCC com o Hezbollah domina o contrabando de cigarros para o Brasil. “Todos os elementos contribuem para essa conexão”, afirma Márcio Sérgio Christino, procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo e um dos principais investigadores do PCC no País.

ROTA DE CRIME Mercadorias ilegais apreendidas na
fronteira: efetivo limitado (Crédito:CHRISTIAN RIZZI)

A sociedade dos gigantes do crime, de acordo com documentos da Polícia Federal, começou a operar em 2006, mas os primeiros indícios foram descobertos somente dois anos depois. Traficantes ligados ao Hezbollah ajudaram o PCC a obter armamentos e acesso aos canais internacionais de contrabando como moeda de troca para a proteção de prisioneiros de origem libanesa detidos no Brasil.

O contrabando de cigarros tem pena mais branda, de dois a cinco anos de reclusão, enquanto a do tráfico varia entre cinco e 15 anos. Por isso, tornou-se um nicho mais atrativo para criminosos.

“A presença crescente de empresas afiliadas ao Hezbollah no negócio de varejo de tabaco aumenta a possibilidade de o comércio ilícito do produto se tornar uma fonte adicional de renda para a organização terrorista”, diz Emanuele Ottolenghi, cientista político da FDD. “O comércio ilegal de cigarros já ajudou cartéis de drogas, como as Farc da Colômbia, com a venda de cocaína.”

Isso porque, segundo o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, os recursos obtidos financiam a operação como um todo, o que envolve produção, logística, venda e corrupção. “O dinheiro do contrabando e do tráfico abastece o mesmo caixa”.

Reprodução

O cigarro é hoje o produto mais contrabandeado do Paraguai para o Brasil. A participação de mercado do tabaco paraguaio saltou de 20% em 2011 para 45% em 2016, um prejuízo de R$ 6,5 bilhões por ano só nesse setor. Provenientes do Paraguai, os cigarros podem ser encontrados por um valor médio de R$ 3,30, enquanto que os produtos legais são vendidos por uma média de R$ 7,40.

O imposto que incide sobre o produto é de 70% no Brasil, contra 16% no país vizinho. Segundo cálculos do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteira (Idesf), o valor do comércio ilegal de cigarros convertido em dólares já corresponde a US$ 2,1 bilhões, maior do que toda a importação legal que o Brasil faz do Paraguai, estimada em US$ 2 bilhões.

“Essa explosão se deu pelo atrativo financeiro, houve um aumento dos impostos e consequentemente mais pessoas interessadas em contrabandear o cigarro”, afirma Luciano Barros, presidente e economista do Idesf.

VIOLÊNCIA: Marcha do Hezbollah (Crédito: Ratib Al Safadi)

EVASÃO FISCAL

Os 16,8 mil quilômetros de fronteiras dessas regiões são vigiados por apenas 13% do contingente de policiais federais. “Deveria ser pelo menos o dobro disso”, diz Odilon de Oliveira, juiz federal que atua na área criminal no Mato Grosso do Sul.

Nos últimos anos, além do acesso por rodovias (as BRs 163 e 277), as mercadorias clandestinas entram no Brasil sem repressão pelo rio Paraná e pelo Lago Itaipu. Nas margens deste, a cada 500 metros é possível encontrar uma trilha para descarregar os produtos.

“Os contrabandistas se aproveitam da porosidade desses territórios. Pelas vias terrestres, principalmente na Ponte da Amizade, há dificuldade para fazer o rastreamento das cargas”, afirma Mozart Person Fuchs, delegado executivo da Polícia Federal de Foz do Iguaçu. Segundo ele, houve uma redução drástica no efetivo. “Os policiais ficam mais suscetíveis à corrupção e a lei que previa indenização a servidores de fronteiras nunca foi regulamentada.”

VIOLÊNCIA Ataque do PCC no Paraguai: venda de cigarros fortalece o caixa dos criminosos (Crédito:KIKO SIERICH/FUTURA PRESS)

A economia informal gera uma concorrência desleal que fecha fábricas, desvaloriza a indústria e expõe milhares ao desemprego

As consequências são perversas em todos os âmbitos. A evasão de impostos prejudica o desenvolvimento do País. “Com a economia informal, gera-se uma concorrência desleal que fecha fábricas, desvaloriza a indústria nacional e expõe milhares de pessoas ao desemprego”, afirma Oliveira.

Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria de São Paulo (Sindipan), Antero José Pereira, o aumento do contrabando de cigarros diminuiu em 20% o faturamento do setor nos últimos cinco anos.

Na saúde, um estudo realizado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) com cigarros apreendidos concluiu que eles apresentam elementos cancerígenos até 11 vezes superior aos de produtos legalizados.

Estima-se que a venda de drogas para o Hezbollah, financiada pelo contrabando de tabaco, já tenha rendido ao PCC um orçamento anual de R$ 20 milhões. Se nada for feito, o comércio ilegal continuará subsidiando uma série de crimes que afundam o País.

Colaborou Raul Montenegro

Revista Isto É