O balneário Praia da Figueira, localizado em Bonito (MS) e que foi fechado pelo Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) por crime ambiental, teve 11 turistas atacados por peixes nos últimos três meses.
A própria Prefeitura de Bonito acionou o Governo do Estado depois que 20 incidentes foram atendidos no hospital da cidade envolvendo turistas que foram ao atrativo, conforme divulgou o site Campo Grande News.
Dentre eles, 11 envolvem mordidas de peixes da espécie tambaqui, sendo cinco casos de amputação de dedos e os demais de sutura. Uma das vítimas, identificada apenas como N.S.A., 61 anos, ainda está com o terceiro dedo da mão direita inchado, por conta dos 10 pontos que tentam cicatrizar a amputação da falange.
O caso ocorreu no dia 17 de março, na hora do almoço, quando ela e as amigas estavam na área identificada como “bar molhado”. No momento em que ela se apoiou para tirar uma selfie, foi surpreendida pela mordida do peixe.
“Só senti a fisgada. Ele ficou grudado na minha mão e depois se soltou. Lembro de ter visto meu osso e não quis mais olhar. Saí direto para o hospital”, recordou. A indignação da turista é que não houve nenhum alerta para a situação, que depois ela confirmou estar ocorrendo com frequência.
“Não tem nenhuma placa dizendo que não podia entrar na água. Não estava com a unha pintada, não tinha anel na mão. Foi do nada e não tinha nenhuma enfermeira no local para ajudar. Descobri que antes de mim tinha acontecido algo semelhante e depois os peixes voltaram a fazer duas vítimas depois”.
A vítima reclama que não contou com o suporte do empreendimento turístico. Apenas pegaram o contato dela e passaram para uma agência de seguros, que a comunicou de que iriam pagar as despesas no hospital. Mas até o momento nada foi feito.
“Fiquei indignada com a falta de preocupação deles. Esses peixes não são nativos de lá. Se já houve mais de um caso, no máximo o que tinham que fazer era tomar providências, retirar os animais de lá. É uma aberração e falta de responsabilidade, estão lidando com vidas ali. Mas parece que estão só preocupados com o dinheiro”, lamenta.
A mulher afirma que ainda não sabe se terá sequelas ou perda de movimentos, mas que a situação está impedindo-a de fazer várias atividades. “Vou entrar com processo. Eles ultrapassaram o limite. Precisam tomar uma atitude urgente”.
A reportagem está há três dias tentando entrar em contato com o responsável pelo local, mas até o momento não houve retorno. O passeio para interessados em conhecer a Praia da Figueira na baixa temporada varia de R$ 105 a R$ 119 por pessoa.
O valor por criança é fixo em R$ 83. A única pessoa que atendeu o telefone divulgado no site do empreendimento resumiu-se a dizer que o local segue fechado, mas que o motivo divulgado pela imprensa não é o verdadeiro.
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Bonito, mas o prefeito Josmail Rodrigues (PSDB) estava em viagem. Ele afirmou que está seguindo orientações do Estado e que o caso ocorreu em um atrativo particular, que no momento está com licença e alvará suspensos.
Em um ofício exclusivo que a reportagem teve acesso, Josmail comunicou à Semadesc (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), no dia 20 de fevereiro, sobre a preocupação com os problemas que enfrentava, para além das questões ambientais, mas que geravam impactos diversos com relação direta à exploração dos atrativos.
“Recentemente temos enfrentado uma onda de acidentes em alguns atrativos específicos. Em um deles, podemos observar, pelo relatório disponibilizado pelo hospital municipal de Bonito, diversas lesões e até amputações de membros causadas por peixes criados em uma lagoa artificial. Sabemos que a questão de saúde pública não guarda amparo na licença de operação, mas, por se tratar de uma interação entre os visitantes e a natureza presente no atrativo, na forma licenciada pelo Imasul, gostaríamos de solicitar atenção ao tema”, informou o documento.
Por fim, o prefeito chamou atenção para a gravidade dos fatos, citando que, além do óbito registrado no relatório, “outras duas mortes ocorreram no final do ano dentro dos mesmos atrativos citados no relatório”. Por não terem sido casos encaminhados ao hospital, não aparecem no relato, mas foram relatados pela mídia local”.
O município pediu apoio e parceria para revisar o que pode ser feito, do ponto de vista ambiental, para garantir mais segurança aos visitantes. A Semadesc fará uma varredura para identificar os crimes ambientais nos três locais citados pelo relatório do hospital.
Basta fazer uma busca rápida na internet para confirmar que os casos de incidentes com os tambaquis da Praia da Figueira não ocorreram apenas neste ano. Relatos de turistas de 2018 e de 2021 nas avaliações do empreendimento relatam situações semelhantes.
Também foi possível identificar que, em 2015, turistas compravam sacos de ração para registrar fotos e vídeos com os tambaquis próximos ao corpo. Os tambaquis são da bacia amazônica, por isso, são considerados animais exóticos em Mato Grosso do Sul.
De acordo com o biólogo do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), Sérgio Barreto, essa espécie possui uma mandíbula muito forte. “A mordedura deles é muito forte. Os tambaquis quebram castanhas com muita facilidade, por isso, essas lesões são bem graves nas vítimas. Realmente é uma ocorrência muito rara. É muito provável que ele tenha se confundido e, realmente, acabou realizando esse ataque”.
O especialista afirma que a sequência de ataques nos últimos meses deve ser analisada. “Isso pode estar relacionado, às vezes, com o aumento da temperatura, o nível de estresse dos animais, pode ser alimentação. Então, tem uma série de fatores que podem estar ocasionando esses ataques”. Sérgio também lamentou o fato de usarem ração nos atrativos turísticos. “Em uma das imagens, é possível ver que estão dando ração para os peixes. Isso causa um frenesi alimentar nesses peixes. Mas, realmente, só uma visita a campo para poder identificar esse problema”.
O biólogo Diego Zoccal Garcia, que integra o Núcleo de Pesquisa e Tecnologias do Bioparque Pantanal, reforçou que se trata de um crime ambiental. “A soltura de espécie exótica fora da área natural é considerada crime ambiental”, destacou.
Ele afirma que os tambaquis atacam por querer comida. “Não sei como é a interação deles com turistas. O que pode acontecer é que os turistas estão alimentando os peixes e eles acabam atacando por querer mais. Os dentes desses peixes são molariformes, como se fossem dentes de humanos, são largos e achatados. Os tambaquis se alimentam naturalmente de sementes duras e, por isso, usam os dentes para quebrar a fruta. A mordida machuca bastante”.