Ex-juiz do trabalho de MS fazia adolescente de escravo na sua fazenda em MG

Seria cômico, se não fosse trágico o fato de um ex-juiz do trabalho manter em sua propriedade rural um adolescente de apenas 17 anos trabalhando como escravo. Felizmente, auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego conseguiram acabar com o crime ao resgatar o jovem da fazenda do ex-juiz do trabalho Antônio Amado Vieira, em Itacambira (MG). O

Ele atuou como juiz substituto no TRT-MS (Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul) no ano de 1993 e foi promovido a presidente da comarca de Nova Andradina em 1998, quando se aposentou. De acordo com os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, o adolescente foi encontrado em condição análoga à de escravo.

Ele trabalhou por 23 dias sem registro, sem treinamento e sem equipamentos de proteção. A função do adolescente era retirar os galhos dos troncos de eucaliptos, cortando com uma foice para alimentar os fornos da carvoaria. No entanto, tanto o uso da foice para corte de madeira quanto o trabalho ao ar livre sem proteção adequada são proibidos por lei para menores de 18 anos.

“Essas atividades estão enquadradas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, descritas pela Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário”, reitera o trecho do relatório, revelando que o adolescente percorria de moto, sozinho, 40 quilômetros diariamente na ida e volta do trabalho. Em sua garupa, levava um galão de gasolina para ser usado na motosserra e outros veículos.

O ex-juiz do trabalho pagou R$ 9.275,25 em verbas rescisórias e fundo de garantia, além de R$ 2 mil por danos morais individuais ao adolescente. O magistrado desembolsou ainda, R$ 3 mil por danos morais coletivos. Em depoimento ao Ministério do Trabalho e Emprego, o ex-juiz de Mato Grosso do Sul justificou que a contratação do menor foi “um acidente de percurso” e que estaria viajando quando o pai do adolescente pediu a um de seus funcionários que contratasse seu filho.

O advogado de defesa, Saulo José Serpa Vieira, que também é filho do ex-juiz, reafirma que não tinha conhecimento sobre a idade do jovem e que o pai seria o culpado. “O proprietário desconhecia a existência de trabalhador menor de idade no local, e que este fato deu-se por infeliz atitude do pai dele que entendeu naquele momento que era o melhor para o filho estar trabalhando próximo à ele, do que sem serviço em casa, não se atentando para a ilicitude do trabalho para menores de 18 anos”, afirma o advogado.

Por sua vez, o auditor Costa Reis considera que essa é uma tentativa de desvinculação da responsabilidade por parte do ex-juiz. “Se tivesse registrado, veria que o funcionário tinha menos de 18 anos. Um juiz do trabalho, óbvio que ele sabia dos impedimentos, ou deveria saber pelo menos”, rebate o auditor fiscal do Trabalho.

Os auditores fiscais relataram que na fazenda de 300 hectares não havia banheiros, água potável e nem material de primeiros socorros. Os trabalhadores eram obrigados a trazer galões de água de casa e compartilhar entre si ou a beber de uma nascente próxima sem tratamento, mas o advogado do ex-juiz disse que a frente de trabalho ficava próxima ao alojamento, onde havia água potável, banheiros e área para repouso.

Além disso, irá recorrer do enquadramento de trabalho análogo ao de escravo, já que o adolescente não morava no local. Apesar de ser natural de Bocaiúva (MG), Antônio Vieira se aposentou como juiz regional do trabalho do Mato Grosso do Sul em 1998. Além das duas fazendas de carvão em Itacambira, possui outras três fazendas de criação de gado para corte em Urucuia e Pintópolis.

No ano de 2011, o ex-juiz recebeu R$ 20 mil do governo de Minas Gerais por meio do Bolsa Verde, programa de incentivo financeiro a produtores que preservam o meio ambiente. Mas no mesmo ano, foi autuado pela Secretaria de Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável por desmatar mais de 132 hectares de uma floresta que estava em regeneração em uma de suas fazendas de gado. Desde então, o ex-juiz já foi autuado em mais de R$ 920 mil por desmatamento, danos ambientais e uso de barragem sem autorização pelo órgão estadual.

A Comissão Pastoral da Terra afirma que a produção de carvão vegetal é a atividade que mais incluiu nomes de empregadores na chamada “lista suja” do trabalho escravo divulgada no último dia 5 de outubro pelo governo federal. Nos últimos 10 anos, 1.083 pessoas em situações análogas à de escravo foram resgatadas de carvoarias, segundo dados do Ministério do Trabalho.