Delator diz que “esquema” pagou iPhone 14 para a prefeita e empresários pagavam mesada de 10%

Mantida em segredo de Justiça até a última sexta-feira (14), a esperada delação premiada do ex-servidor municipal de Sidrolândia, Tiago Basso da Silva, contra a prefeita Vanda Camilo (PP), sobre o suposto esquema criminoso que seria comandado pelo vereador licenciado Claudinho Serra (PSDB) na prefeitura municipal, trouxe que o “esquema” teria comprado um smartphone da marca Apple para a chefe do Executivo.

Tiago Basso também expôs detalhes do suposto esquema de corrupção na Prefeitura de Sidrolândia, revelando o pagamento em dobro por um produto ou serviço, “mesada” de 10% cobrada de empresários e uso de contratos para interesses pessoais são alguns dos exemplos mencionados por Silva sobre como operava o grupo.

Em um dos seus depoimentos prestados aos promotores de Justiça Adriano Lobo Viana de Resende e Bianka Machado Arruda Mendes, do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), Tiago Basso citou apenas que a prefeita de Sidrolândia “teria adquirido de forma fraudulenta um telefone móvel, marca Apple, modelo iPhone 14, determinado a construção de moderno ponto de mototáxi naquela urbe, bem como ordenado a manutenção de aparelhos de ar-condicionado existentes na residência dela, todos estes atos efetivados, em tese, com o desvio de recursos públicos”.

No entanto, conforme a defesa da prefeita Vanda Camilo disse ao Correio do Estado, não foram apresentadas provas para corroborar a acusação feita pelo ex-servidor municipal, tornando praticamente inócua a declaração dele para os promotores de Justiça.

Os advogados dela ainda acrescentaram que a tão aguardada delação premiada acabou por frustrar a oposição à prefeita, que, de acordo com eles, esperava desconstruir a popularidade de Vanda Camilo junto à população de Sidrolândia.

Já a prefeita Vanda Camilo disse ao Correio do Estado que é inocente e não tem qualquer envolvimento com o suposto esquema de corrupção. “É com tranquilidade e firmeza que venho reafirmar minha inocência em relação às acusações apresentadas na delação premiada recentemente divulgada. As declarações contidas na delação apontam para atos praticados por servidores, que estão sendo investigados pela Justiça”, afirmou.

Ela ainda completou que não tolera e nunca toleraria qualquer ato de corrupção em sua gestão. “Assim que tomei conhecimento dos fatos, agi de forma imediata e enérgica. Todos os servidores envolvidos foram exonerados ou afastados, seguindo rigorosamente os trâmites legais”, assegurou.

Vanda Camilo também acrescentou que confia plenamente na Justiça e espera que os fatos sejam esclarecidos e os envolvidos respondam nos rigores da lei. “É evidente que as declarações têm motivações políticas, pois parte de quem é de família com interesses políticos na cidade a anos. Esta é uma clara tentativa de tentar denegrir a imagem do governo, especialmente devido à proximidade das eleições municipais”, argumentou.

A prefeita reiterou seu compromisso com a transparência, a legalidade e o bem-estar da população. “Continuarei trabalhando incansavelmente em prol do desenvolvimento de nossa cidade”, assegurou.

Sem conexão

Diante dos fatos, o próprio MPMS lembrou ao desembargador Paschoal Carmello Leandro, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), que não há conexão com os episódios investigados pela terceira fase da “Operação Tromper”, deflagrada no dia 3 de abril deste ano pelo Grupo Especial de Combate à Corrupção (Gecoc) e pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

“Se porventura houvesse conexão entre todos os episódios declinados dos depoimentos pelo colaborador nos Anexos I, II, III e IV, a competência originária para o processamento e julgamento seria desta Corte, nos termos do art. 129-A, inciso I, alínea ‘a’, do Regimento Interno do TJMS, haja vista a Prefeita do Município de Sidrolândia ser autoridade detentora de foro por prerrogativa de função”, trouxe trecho do despacho.

O Correio do Estado também procurou o experiente advogado criminalista Benedicto Arthur de Figueiredo Neto para analisar o depoimento dado pelo ex-servidor municipal ao MPMS e ele relatou ao jornal que, sem provas físicas, a delação premiada de Tiago Basso contra a prefeita Vanda Camilo não tem peso para um provável indiciamento da chefe do Executivo.

“De fato, ao analisar o trecho da delação que cita o provável envolvimento da prefeita de Sidrolândia, Vanda Camilo, no suposto esquema de corrupção que seria comandado pelo seu genro, o vereador Claudinho Serra, quando comandou a Secretaria Municipal de Finanças, Tributação e Gestão Estratégica de Sidrolândia (Sefate), não tem nenhuma prova apresentada. O que existe, unicamente, é a palavra do delator”, pontuou Benedicto Neto

10%

Tiago Basso também expôs detalhes do suposto esquema de corrupção na Prefeitura de Sidrolândia. Pagamento em dobro por um produto ou serviço, “mesada” de 10% cobrada de empresários e uso de contratos para interesses pessoais são alguns dos exemplos mencionados por Silva sobre como operava o grupo.

Durante depoimento, Tiago Basso descreveu como Claudinho Serra – na época secretário de Fazenda, Tributação e Gestão Estratégica – fazia cobranças aos empresários vencedores de licitações milionárias no município de Sidrolândia.

Nessa lista de empresários estão alguns réus da Operação Tromper como José Ricardo Rocamora, Luiz Gustavo Justiniano Marcondes e Milton Matheus Paiva Matos. Os pagamentos eram feitos, na maioria dos casos, em dinheiro em espécie.

“O Cláudio Serra cobrava, na época secretário de fazenda, uma porcentagem de 10% das empresas que tinham grandes contratos com o Município, uma porcentagem de 10% de tudo aquilo que era pago pelo Município. Então ele me fazia levantamentos, igual Ricardo Rocamora, outras empresas. Essa empresa recebeu R$ 30 mil neste mês do município, então você tem que cobrar dela R$ 3 mil neste mês. Dez por cento tem que pagar de comissão para a gente aqui”, afirmou Silva durante a delação.

O ex-chefe do setor de licitações explicou que era responsável por ir pessoalmente falar com os diretores das empresas, enquanto as que tinham contratos de maior valor – como para obras de pavimentação – tratavam do assunto no gabinete de Claudinho Serra.

O assessor de Serra, Carmo Name Júnior, seria o responsável por buscar os valores dessas empresas com cifras maiores.

“Empresas que ganharam licitações de obras, asfalto, iam tratar diretamente com ele na sala dele, se acertavam e a busca de dinheiro muitas vezes ficava a critério do Carmo Name […] No começo aprendi com ele [Carmo], fui com ele em algumas operações para buscar o dinheiro, geralmente ele ia quando os valores eram maiores”, detalhou.

Silva ainda detalha que, mensalmente, emitia cerca de R$ 100 mil em notas frias, ou seja, que não correspondiam ao serviço prestado. Cerca de 60% deste valor seria emitido pela empresa de Rocamora.

“Tinha uma tabelinha lá que o Claudio me passou uma vez que ele falou ‘Oh, do que eu devo, do que a secretaria de fazenda deve, você vai empenhar 60% para Rocamora, 30% para a Marcondes e 10% para a 3M [empresa do Milton Matheus]’. É para trabalhar com essas três empresas […] o interesse deles era fazer valor, não importava se o papel higiênico seria entregue por R$ 3 porque eles não iam entregar papel higiênico”, pontuou.

Perguntado pelos promotores sobre as empresas investigadas, Silva afirma que a atuação delas ia além de Sidrolândia e chegava a todas as regiões de Mato Grosso do Sul.

Questionado sobre a empresa de Marcondes, ele responde que desconhece o endereço da sede, mas que era do mesmo ramo que a de Rocamora.

“Todas as empresas e eles ganhavam licitações no Estado inteiro, Maracaju, Dois Irmãos. Esse Marcondes um dia se vangloriou de ganhar uma licitação do Exército, de entregar produtos para o Exército, não era só em Sidrolândia, trabalhavam em toda região, todo Estado”, apontou.

Outro ponto abordado por Silva era que os preços pagos pelos empenhos eram feitos em dobro. Se um serviço custasse em R$ 3 mil, por exemplo, a Prefeitura de Sidrolândia desembolsava R$ 6 mil.

Além disso, Claudinho Serra usava os contratos para interesses pessoais, especialmente com a empresa de Rocamora.

“Se o Claudio Serra precisasse de uma coisa, como dinheiro ou de algum item que ele necessitava, como compra de telha ou a compra de um poste de madeira para fazenda dele. ‘Compra lá, o Ricardo acerta e vamos pagar ele com nota da prefeitura'”, exemplificou.

Entenda

 Na última sexta-feira, o juiz Fernando Moreira Freitas da Silva, da Vara Criminal de Sidrolândia, levantou o sigilo da delação premiada do ex-servidor municipal Tiago Basso da Silva ao MPMS com detalhes do suposto ato criminoso comandado pelo vereador Claudinho Serra (PSDB), que está licenciado por 120 dias da Câmara Municipal de Campo Grande.

O acordo de colaboração premiada do ex-servidor foi homologado pelo TJMS em abril e foi mantido em segredo de Justiça, sendo que a promotora de Justiça Bianka Machado Arruda Mendes se manifestou pelo levantamento do sigilo, mas o juiz saiu de férias no início da segunda quinzena de maio.

Porém, ao retornar das férias, o magistrado voltou a receber novos apelos dos réus em ter acesso à delação e, em despacho publicado no dia 14 de junho, acatou o pedido, extinguindo o segredo de Justiça.

“Considerando a ausência de diligências pendentes de cumprimento no presente feito, e ainda, diante do interesse público que paira sobre este expediente, levante-se o sigilo processual anteriormente imposto nos autos. Acoste-se cópia do presente despacho ao feito principal, para fins de conhecimento pelas defesas dos acusados”, determinou Fernando Moreira Freitas da Silva.

Operação Tromper

 Nas duas primeiras fases da Operação Tromper, os agentes investigam corrupção na prefeitura de Sidrolândia. Durante as investigações, foi descoberto, segundo o Gecoc, conspiração entre empresas que participaram de licitações.

Elas firmaram contratos com a Prefeitura de Sidrolândia, que somados chegam a valores milionários. Ainda segundo as apurações, também foi investigada a existência de uma organização criminosa voltada às fraudes em licitações e desvio de dinheiro público.

Além disso, foi apurado o pagamento de propina a agentes públicos, inclusive em troca do compartilhamento de informações privilegiadas da administração pública.