“Colheita Fantasma”: fraude tributária pode estar relacionada com narcotráfico e contrabando

No âmbito da “Operação Colheita Fantasma”, deflagrada ontem (30) pelo Dracco (Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado), a Polícia Civil investiga possíveis conexões entre o esquema bilionário de fraude tributária com os crimes de narcotráfico e contrabando.

Segundo a delegada de Polícia Civil Ana Cláudia Medina, titular do Dracco, a investigação aponta que o grupo criminoso utilizava empresas de fachada, registradas em nome de laranjas, para emitir notas fiscais frias simulando a venda de grãos. A organização criminosa teria movimentado mais de R$ 1 bilhão em operações fictícias, gerando um suposto crédito tributário indevido de pouco mais R$ 100 milhões

As notas não tinham respaldo em mercadorias reais e geravam créditos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) fraudulentos. Esses créditos eram usados por empresas beneficiárias para reduzir ou zerar o pagamento de tributos estaduais.

Além da fraude fiscal, chamou atenção das autoridades a movimentação de grãos sem origem comprovada. Segundo a coordenadora de administração tributária da Sefaz (Secretaria Estadual de Fazenda), Silvia Leal, parte das notas era usada para “esquentar” mercadorias que não tinham lastro documental ou registro de compra.

“Essa empresa não tinha aquisição de produtos, ela só emitia notas de saída. Então ela estava vendendo uma mercadoria que não tinha, para acobertar a entrada de grãos sem origem. A gente não sabe de onde veio esse grão, qual a fiscalização envolvida, e isso levanta também uma preocupação sanitária”, destacou Silvia.

Segundo a delegada, há indícios de que os produtos ingressavam em Mato Grosso do Sul por rotas não convencionais e tinham a entrada acobertada por notas falsas. “Eles manipulavam as rotas dos caminhões e simulavam essa movimentação. Ao que tudo indica, os grãos vinham de fora e aqui recebiam o lastro fiscal fictício”, disse.

A operação mira, até agora, sete pessoas físicas e seis jurídicas ligadas diretamente ao esquema. Ainda de acordo com a delegada, as empresas eram criadas em série para manter o golpe em funcionamento mesmo após bloqueios da Sefaz.

Ao ser questionada sobre nomes dos presos, Ana Medina afirmou que a Polícia não trabalha com identificação pública de investigados nesta fase do processo, mas a reportagem identificou a prisão de Gilson Alves Lino Júnior, apontado como líder do grupo e que foi detido nas Moreninhas, em Campo Grande.

Também foi preso na Capital o empresário Lício Dávalos, que é sócio administrativo da cerealista Três Barras Comércio de Cereais Ltda., empresa aberta em 2008. Além de Campo Grande, foi cumprido o mandado de busca e apreensão em Ivinhema, sendo que o alvo foi uma chácara de alto padrão, de propriedade da empresária Thais Lopes Pierote, dona da rede de lojas de roupas ClosetClub. No local, foi apreendida uma caminhonete.

A operação deflagrada nesta quarta é resultado de um relatório técnico da Sefaz, que identificou inconsistências no aproveitamento de créditos fiscais por uma cerealista. “Começou em 2019 com uma cerealista que emitia notas fiscais no esquema que a gente conhece popularmente como noteira. Essas notas não acobertam mercadoria, não têm trânsito, não têm registro de passagem, mas são usadas para dar lastro a um crédito que a empresa destinatária vai utilizar”, explicou Silvia Leal.

Com base nesse relatório, a Sefaz solicitou apoio do Dracco para dar continuidade à apuração, já que não possui autonomia para neutralizar o esquema sem atuação policial. “A partir de então, nós fizemos diversas diligências e representamos pelas medidas cautelares necessárias”, disse Medina.

Durante a ofensiva, foram cumpridos mandados de busca e apreensão em Campo Grande e Ivinhema. Foram recolhidos documentos fiscais, computadores, registros contábeis, armas, veículos e até cédulas de dólar do Zimbábue, que estavam em uma maleta apreendida. O dinheiro será periciado para confirmar autenticidade e eventual uso para lavagem de capital.

Também foram bloqueadas contas bancárias com saldo estimado em R$ 20 milhões. Segundo a delegada, o objetivo é garantir o ressarcimento ao Estado. “Hoje o nosso foco principal não é apenas identificar o prejuízo ao erário, mas também assegurar medidas para recuperá-lo. Por isso representamos pelo sequestro de bens e bloqueio de valores em contas”, afirmou.