A investigação da Operação Sucessione revelou que o clã Razuk, acusado de comandar um esquema ligado ao jogo do bicho e máquinas de azar, estruturou um sistema próprio de inteligência clandestina para sustentar atividades criminosas — modelo semelhante ao desvendado na Operação Omertà, em 2019. O grupo teria acesso privilegiado a informações sigilosas, atuação armada e hierarquia interna com oficiais da Polícia Militar.
Enquanto o empresário Roberto Razuk, de 84 anos, deixava a prisão preventiva para cumprir domiciliar, a denúncia do Gaeco detalhava como o “escritório do crime” operava com agentes fardados, armados e infiltrados nos sistemas de segurança pública.
Interceptações telefônicas demonstram uma cadeia de comando similar a uma estrutura militar informal. No topo, o major PM Gilberto Luis dos Santos — chamado de “Coronel”, “G. Santos” ou “Barba” — atuava como gerente da organização, subordinado diretamente aos Razuk.
Logo abaixo, o 3º sargento PM Anderson Lima Gonçalves era descrito como operador de campo. As conversas revelam ordens diretas e pagamentos por serviços ilícitos: “Faz o corre que o seu $ sai”, diz o major ao subordinado.
Em um dos diálogos, Anderson repassa fotos e informações de um homem suspeito de furtar a casa do deputado Neno Razuk, em Dourados. O major ordena que o indivíduo seja entregue a ele, ignorando o encaminhamento ao distrito policial. O pagamento prometido: R$ 10 mil.
A investigação aponta que o sargento utilizava ilegalmente ferramentas como SIGO e INFOSEG — sistemas restritos à atividade policial — para vasculhar dados de pessoas que seriam alvo da organização. Informações sigilosas eram repassadas ao grupo para práticas de extorsão e perseguição.
Na prática, o Estado fornecia senha, equipamento e salário a um policial que, segundo o Gaeco, colocava sua estrutura pública a serviço do crime.
Áudios obtidos pela força-tarefa mostram que o esquema se estendia além da fronteira. PMs brasileiros negociavam diretamente com policiais paraguaios da “1ª Comisaría” para libertar um comparsa preso no país vizinho.
Com a liberação dificultada, o major orienta o sargento a reduzir o valor da propina: “Eles tão segurando um camarada lá… a gente pediu pra pagar pelo menos a metade.”
Em outro trecho, o valor final é acertado: R$ 15 mil. A denúncia também cita indícios de ligação do grupo com a chamada Máfia do Cigarro. O tenente-coronel Carlos da Silva, já investigado em outras operações, aparece nos autos buscando contato com o major Gilberto, sugerindo uma aliança entre facções criminosas que atuam no Estado.
Questionada sobre o uso indevido de acessos internos por policiais investigados, a Polícia Militar não respondeu às questões técnicas sobre vulnerabilidades, mecanismos de auditoria ou mudanças nos protocolos de acesso ao SIGO e ao INFOSEG.
Limitou-se a informar, em nota, que: colabora com o Gaeco, repudia condutas que violem os princípios da corporação, instaurou procedimentos disciplinares contra o sargento investigado, e que novas medidas poderão ser adotadas conforme o avanço das apurações. A instituição reforçou compromisso com ética, integridade e responsabilização de seus integrantes.
