Após quase perder o mandato por vias judiciais depois que o Blog do Nélio publicou, em 23 de novembro de 2016, denúncias sobre o fato de usar o filho como laranja à frente da direção da emissora de televisão TV Interativa, agora o deputado estadual Maurício Picarelli (PSDB) não escapou da vontade popular e não foi reeleito nas eleições gerais realizadas no domingo passado.
Na primeira sessão da Assembleia Legislativa após o 1º turno, o comunicador aproveitou para se despedir depois de mais de 32 anos ocupando uma cadeira na Casa de Leis, o que representa oito mandatos consecutivos. Ele afirmou que cumpriu com seus deveres e que ninguém se esquecerá de seus trabalhos.
Durante discurso o deputado se emocionou e disse que o choro é de emoção pelos anos trabalhos em função da população. “Quero agradecer as pessoas humildes e queridas que honraram o Picarelli com seus votos. Não foi suficiente, mas também não foi decepcionante. Quero agradecer também a Deus e a minha esposa”, afirmou.
Processo
O parlamentar só esqueceu de lembrar que o promotor de Justiça Marcos Alex Vera de Oliveira, da 30ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Campo Grande, ingressou com uma ação civil por improbidade administrativa contra o deputado estadual e o juiz Marcel Henry Batista de Arruda, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos da Capital, acatou o pedido, tornando réu o “nobre” deputado.
Em outubro do ano passado, Maurício Picarelli, após a publicação da matéria informando sobre a decisão do juiz Alexandre Antunes da Silva, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, de intimá-lo para responder à ação civil por improbidade administrativa movida pelo promotor de Justiça Marcos Alex Vera de Oliveira, comunicou o encerramento do contrato com a TV Interativa.
Porém, a “jogada” não adiantou de nada, pois o juiz Marcelo Henry Batista de Arruda deu continuidade ao processo e tornou o deputado estadual réu da ação, como pode ser comprovado pelo Processo nº 0900803-52.2017.8.12.0001. Na época, o parlamentar informou que iria estrear programa exclusivamente na Internet, veiculado na TV do Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul. “Não perdi a direção da TV, porque não tinha a administração da TV, que sempre foi no Rio de Janeiro”, explicou, deixando claro que a ação do MPE seria um “equívoco”. “O meu contrato é somente como apresentador, tivemos desacordo comercial e porque estou em outro projeto mais moderno e compensador”, afirmou.
No entanto, para bom entendedor, a motivação para o fim do contrato com a TV Interativa foi o medo de perder o mandato. Afinal, são 32 anos consecutivos – ou oito mandatos – como deputado estadual, longevidade obtida, como todos sabem, graças ao uso da mídia televisiva para se perpetuar no cargo na Assembleia Legislativa. Porém, para o MPE, o referido deputado estaria exercendo de fato e concomitante ao exercício do mandato a direção da empresa concessionária Sociedade Campo-grandense de Televisão – TV Interativa e tais fatos foram comprovados ao longo da investigação, diante da documentação e as oitivas colhidas no caderno investigativo.
Em oitiva, o advogado Laércio Arruda Guilhem, que foi o autor da denúncia encaminhada ao órgão, informou que foi procurado por diversos funcionários da rede de televisão que foram demitidos logo após a assunção da função pelo deputado no cargo de direção ocorrida desde meados do meio do ano de 2016. Em seu depoimento Picarelli disse que assinou vários documentos, mas não havia lido com atenção, ou seja, não seguiu um dos seus lemas na carreira televisiva de “não assine nada sem ler”.
No mesmo caminho, Lean Sartori Silva esclareceu que manteve vínculo empregatício com a TV Interativa no cargo de chefe do departamento de engenharia e que em meados de agosto de 2016 teve a transição de diretoria da emissora, sendo desde então figurado como diretor-geral de direito Maurício Picarelli Junior e como diretor executivo de fato o deputado estadual Maurício Picarelli.
Igualmente, Eduardo Arão Furtado Junior foi empregado da TV Interativa, onde exercia a função de gerente operacional e diretor de programação, sendo desvinculado em 2016, quando o deputado passou a exercer a função de diretor executivo da emissora. Nessa linha, o MPE obteve um documento específico de comunicação interna da TV Interativa rubricada pelo próprio parlamentar no exercício da função de diretor executivo. A assinatura foi confirmada por meio de exame grafotécnico e o próprio deputado reconheceu a rubrica em depoimento realizado ao MPE.
No depoimento, Maurício Picarelli sustentou atuar como diretor executivo apenas do seu programa na emissora, mas, todos os elementos de prova demonstraram que, de fato, o parlamentar exercia a função de diretor executivo de toda a TV Interativa. Diante dos fatos, o MPE pede a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente público e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios pelo prazo de três anos.
De imediato, o juiz Alexandre Antunes da Silva, da Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, determinou que um oficial de Justiça intimasse o deputado estadual para que fizesse a defesa diante das acusações. Para quem não sabe, a Constituição Federal estabelece as proibições e incompatibilidades constitucionais inerentes ao exercício de mandato eletivo. O artigo 54 da Constituição diz expressamente que deputado e senadores não podem firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos.
Além da Constituição Federal, o artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, aponta que, em seu parágrafo primeiro, que não pode exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial.
Nesse contexto, a modalidade contratual que se adequa à expressão “contrato que obedece a cláusula uniformes” é o contrato de adesão, o que, com certeza, não é o caso da convenção firmada entre o deputado Maurício Picarelli e o missionário RR Soares, proprietário da emissora de televisão citada.
A punição imposta pela violação à regra constitucional, perpetrada pelo deputado é clara e expressa também na Carta Constitucional, consoante infere do artigo 55, verbis: Perderá o mandato o deputado ou senador que infringir qualquer das proibições no artigo anterior.
O processo de cassação do mandato será decidido pela Assembleia Legislativa por voto aberto e por maioria absoluta, mediante provocação de qualquer deputado, da mesa ou de partido político representado na Casa de Leis, assegurada a ampla defesa. O regimento interno da Assembleia Legislativa dispõe: artigo 88. Perderá o mandato o deputado que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo 59 da Constituição Estadual.