Em razão da “Operação Ultima Ratio”, que afastou desembargadores do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) por venda de sentenças judiciais, a disputa judicial milionária entre as indústrias gigantes de celulose Suzano e Eldorado está parada na Corte.
Conforme o Correio do Estado, a ação envolve acusação de biopirataria e decisões de quatro desembargadores afastados. No processo, que se encontra suspenso, a Suzano acusa a Eldorado de usar, sem autorização, uma variedade de eucalipto cuja patente é de sua propriedade.
O valor da ação entre as duas gigantes da celulose é de R$ 100 milhões e envolve honorários advocatícios de, no mínimo, R$ 10 milhões para cada um dos lados. Repleta de juízes substitutos dos desembargadores afastados na operação, a 4ª Câmara Cível apontou no mês passado para uma correção de rota em um julgamento realizado no ano passado, meses antes da deflagração da Ultima Ratio, que envolveu os desembargadores que mais tarde seriam alvos da Polícia Federal.
Os atuais componentes da 4ª Câmara Cível decidiram esperar o julgamento sobre o mesmo tema que tramita em processo na Justiça Federal para dar seguimento ao duelo de gigantes da celulose em Mato Grosso do Sul. A 4ª Câmara Cível foi desfigurada após o afastamento de Vladimir Abreu, Alexandre Bastos e Sideni Pimentel por envolvimento em esquema de venda de sentenças. Júlio Siqueira, que integrava a mesma seção judiciária, aposentou-se cinco meses antes da deflagração da operação da PF.
A Suzano, que em 2023 era vencedora no processo em julgamento de primeira instância, acabou perdendo de virada no julgamento realizado em março do ano passado, depois que o desembargador Júlio Siqueira mudou seu voto poucos dias antes de sua aposentadoria e deu provimento à apelação da Eldorado. O voto de Siqueira foi seguido por Bastos e Pimentel – que havia recentemente deixado a vice-presidência do TJMS e entrou no julgamento –, e a Eldorado saiu vitoriosa.
No mesmo julgamento, Abreu, relator do recurso de apelação, e Luiz Tadeu Barbosa da Silva mantiveram, na época, a sentença dada em primeira instância, que condenava a Eldorado pelo uso indevido da variedade desenvolvida pela Fibria/Suzano e estabelecia honorários de sucumbência, não inferiores a R$ 10 milhões (o valor da causa é de R$ 100 milhões) para cada uma das partes.
O caso se arrasta desde 2015, quando a Fibria, que mais tarde seria incorporada pela Suzano, foi à Justiça – na 4ª Vara Cível de Falências e Recuperações, em Três Lagoas – contra a Eldorado, sua concorrente na fabricação de celulose. As duas empresas são as únicas indústrias de celulose em atividade em Mato Grosso do Sul, uma vez que a Arauco e a Bracell ainda estão em fase de instalação de suas megafábricas.
O processo se baseia na acusação feita pela Suzano de uso ilegal da cultivar VT02 de eucalipto, uma variedade geneticamente modificada que teria sido utilizada em florestas da Eldorado sem autorização da empresa detentora da patente. No processo ajuizado pela Fibria Celulose, a acusação é de que a Eldorado utilizou as cultivares em, pelo menos, cinco fazendas, em uma área de aproximadamente 35 mil hectares de floresta.
A Fibria/Suzano alegou, à época, que seu time de pesquisa e desenvolvimento levou anos para desenvolver esse tipo de eucalipto e que conseguiu registrar a patente da variedade no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares, lembrando que os direitos sobre o uso dessa variedade genética vencem em setembro deste ano.
A perícia escolhida pelo juízo comprovou as acusações da Suzano e encontrou a mesma variedade genética da cultivar VT02 em cinco de cada seis eucaliptos plantados pela Eldorado na época.
A Eldorado se defendeu, afirmando que o conteúdo genético da VT02, patenteada pela Suzano, é o mesmo de uma outra variedade de domínio público: a C-219H. A empresa, inclusive, busca na Justiça Federal a anulação da patente em poder da Suzano.
O caso foi julgado em primeira instância em abril de 2023 pelo juiz Márcio Rogério Alves, da comarca de Três Lagoas. Na ocasião, ele condenou a Eldorado pelo uso indevido das cultivares, mas não atendeu ao pedido da Suzano, que também solicitava a condenação da Eldorado por danos morais.
Ainda rejeitou a reconvenção (uma espécie de contra-ataque no processo civil) da Eldorado, que solicitava a condenação da Suzano em R$ 300 mil por danos morais, por expor sua imagem ao acusá-la de possível biopirataria.
Ambas ingressaram com recurso de apelação. Até fevereiro do ano, o relator Vladimir Abreu e o primeiro-vogal, Luiz Tadeu Barbosa da Silva, seguiam com um voto alinhado à primeira instância. O jogo virou em 19 de março, quando faltava menos de um mês para Siqueira se aposentar.
Siqueira atendeu à justificativa da Eldorado, reformou seu voto, não levou em consideração os dados da perícia feita nos autos e, de quebra, ainda considerou nula a patente em poder da Suzano. Foi acompanhado por Bastos e Pimentel – esse último nem se deu ao trabalho de justificar seu voto.
Em junho do ano passado, a Suzano ingressou com embargos de declaração. Em outubro daquele mesmo ano, foi desencadeada a Operação Ultima Ratio da PF, na qual quatro dos cinco desembargadores que participaram do julgamento foram alvos da investigação que apura acusações de corrupção por venda de decisões judiciais, também conhecida como venda de sentença.
A turma atual, repleta de substitutos e com apenas Silva como remanescente do julgamento anterior, decidiu esperar o julgamento que tramita na Justiça Federal, no qual a Eldorado Brasil Celulose pede a nulidade do registro da cultivar VT02.
No acórdão recente, é mencionada a possibilidade de Siqueira, Bastos e Pimentel terem reformado a sentença com base em uma prova que não existe nos autos, além de terem invadido a competência federal ao decretar a nulidade de uma patente.
Além de Silva, a desembargadora Elisabeth Rosa Baisch e os juízes substitutos Sandra Regina Artioli, Cíntia Xavier Leteriello e Wagner Mansou Saad decidiram, de forma unânime, suspender o processo até o julgamento na Justiça Federal.