O problema da falta de medicamentos nas unidades de saúde Campo Grande é comparado com uma doença crônica, ou seja, nunca tem fim. Uma confirmação de situação caótica é facilmente detectada apenas visitando os postos e as UBSE. Uma audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande constatou as dificuldades encontradas no Programa Farmácia Popular durante a manhã desta segunda-feira (13).
O superintendente do Ministério da Saúde em Mato Grosso do Sul, Ronaldo Costa, esclareceu que há recursos federais, estaduais e municipais para compor um fundo que mantém o custeio dos medicamentos, conforme as principais necessidades da população. Segundo ele, Campo Grande tem quase R$ 1,6 bilhão para aplicar na saúde.
Silvia Uehara, técnica da Superintendência estadual do Ministério da Saúde em Campo Grande, pontuou questões relacionadas à aplicabilidade de recursos no setor. O montante de R$ 13 milhões havia sido inicialmente previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA), mas foi reduzido para R$ 9,5 milhões e só R$ 3,5 milhões foram empenhados até o momento.
Segundo o Relatório Detalhado do Quadrimestre Anterior (RDQA), cerca de R$1,4 milhão da foram sequestrados para pagamento de medicamentos, empenhados para atender Ações Judiciais da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau).
Apenas R$ 3,5 milhões, dos R$13 milhões previstos na Lei Orcamentária Anual (LOA), foram empenhados
De acordo com a vereadora Luiza Ribeiro, atualmente, dos 23 medicamentos que deveriam estar disponíveis nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), 11 estão em falta. Já nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) há uma lista de 52 itens em falta.
“É um dos problemas crônicos dentro da Sesau. Esse cenário não tem mudado pelo menos últimos dois anos; a situação tem oscilado entre péssima e calamitosa, e quem sofre é a população que chega na ponta e não consegue a medicação”, afirmou Jader Vasconcelos, presidente do Conselho Municipal de Saúde.
Outros pontos abordados na audiência pública foram: a demora na aplicação de recursos municipais, adequações no programa para distribuição de medicamentos, atualização no sistema da rede de saúde e necessidade de mais farmacêuticos.
Farmácias
Alexandre Corrêa, farmacêutico e representante do Fórum dos Trabalhadores de Saúde, relatou que um dos problemas do setor é a falta de estrutura e apoio de Recursos Humanos para acompanhar o paciente, se está usando a dose e período corretos de determinado medicamento.
Outra dificuldade é em relação ao sistema de distribuição de medicamentos, que é descontinuado. Alexandre relata que não conseguem relatórios atualizados e nem consultar estoque de outra unidade para orientar usuários.
O vereador Landmark citou que há apenas 144 farmacêuticos na rede de saúde, o que impacta na qualidade do serviço.
“Na hora de levar a criança ao médico, levamos ao pediatra, na consulta odontológica buscamos o dentista e na hora de um remédio, precisamos do farmacêutico. Temos que valorizar os farmacêuticos, na hora de dispensar os medicamentos”, disse o vereador.
Desde 2014, o Conselho Regional de Farmácia está impedido de fiscalizar as unidades de saúde.
O vereador Wilson Lands relatou que esteve no almoxarifado da Sesau, diante de reclamações sobre falta de Dipirona e de coletores nas unidades de saúde. Ele citou que o orçamento federal para o Farmácia Popular dobrou, chegando a R$ 4,2 bilhões no País, porém lembrou que mais de 9 mil farmácias foram descredenciadas por irregularidades em vários estados.
Mães atípicas
Lilidaiane Ricalde, representante da Associação das Mães Atípicas, falou da dificuldade enfrentada para retirar medicamentos e fraldas para os filhos com deficiência. “São itens de uso diário e constante”, disse.
Ela mencionou que o Programa Farmácia Popular previa retirar 120 fraldas por mês, mas a maioria não consegue e que retira apenas cerca de 18 unidades a cada dez dias. Citou ainda que as restrições quanto às fraldas entregue, geralmente de pior qualidade.
“Os problemas não são pontuais. Dá para ter esperança este ano? Foi falado ano passado na eleição que estaria resolvida por um ano a distribuição, mas estamos brigando desde o começo do ano para pegar pingado os itens”, manifestou.
Lilidaiane cobrou a aplicabilidade de emendas para compra dos itens, além do compromisso de entrega pela Farmácia Popular, sob risco de descredenciamento.
Deserto de itens
O Executivo da Capital, buscando sanar a falta de medicamentos, empenhou cerca de R$ 21 milhões para solucionar o problema, porém, apesar de três pregões diferentes, o município ainda esbarra licitações suspensas e itens desertos em alguns dos processos que vão desde contraceptivos até antibióticos.
Em agosto, o Executivo anunciou a abertura da terceira licitação para compra de medicamentos, como bem acompanhou o Correio do Estado, para atender a rede municipal de saúde (Remus).
Em meados de setembro, o município publicou o termo de adjudicação e homologação de um desses três processos de compra de remédios, em que mais da metade dos itens resultaram “desertos” no pregão. O valor investido previa R$1.285.851,63.
Dos itens que resultaram deserto, por exemplo, esse processo de compra não foi capaz de concluir a aquisição de comprimidos indicados como contraceptivos, como é o caso do acetato de medroxiprogesterona, que poderiam ser adquiridos nas embalagens de bolhas ou tiras (blíster ou strip).
Entre os itens não encontrados aparece também alguns antibióticos (sulfato de gentamicina); bactericidas (estolato de eritromicina 500 e 50 mg/ml) e até anti-inflamatórios, como a suspensão oftálmica dexametasona.
Além desses, o pregão 058 não foi capaz de encontrar ofertas para o analgésico da classe da morfina, o cloridrato de petidina, usado em episódios agudos de dor (como do infarto, glaucoma, pós-operatórios, etc), e nem sequer o cloreto de potássio, que entre outras aplicações pode ser usado para tratar insuficiências e paradas cardíacas.
Para tentar sanar esse problema, como bem acompanhou o Correio do Estado, a primeira licitação recente para compra de medicamentos aconteceu no dia 20 de agosto, prevendo cerca de R$ 6,2 milhões para compra de itens distribuídos entre as seguintes classes terapêuticas:
Analgésico/antitérmico – adjuvante (hemostático);
Antiarrítmico/Cardiovascular;
Antibióticos;
Anti-eméticos/Antialérgicos;
Anti-hipertensivo de emergência/Ocitócico;
Anti-inflamatórios e analgésicos;
Soluções de suporte/Reposição hidroeletrolítica;
Corticosteroides.
Depois disso, logo no dia seguinte, o Executivo Municipal anunciou mais uma abertura de licitação, prevendo R$1.285.851,63 para aquisição de medicamentos, com o objetivo de atender a rede municipal de saúde (Remus).