A quebra de sigilo telemático autorizado pela Justiça comprova que o músico Caio César Nascimento Pereira perseguiu e deixou a jornalista Vanessa Ricarte, assassinada por ele em 12 de fevereiro, em cárcere privado.
Conforme o site Campo Grande News, a análise feita pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) revelou mensagens de texto e de áudio trocadas entre a vítima, o músico e amigos dela.
“Os achados demonstram concretamente a prática dos crimes de perseguição, de exposição da intimidade e de violência psicológica, sendo que, ainda, a análise global do arcabouço probatório foi capaz de delimitar o período a ser atribuído ao cárcere privado”, afirmou o relatório assinado pela promotora de Justiça Ana Lara Camargo de Castro.
Em 47 páginas, o levantamento mostra a chamada “bolha de amor”, ou seja, o tratamento carinhoso e educado do réu no início do relacionamento, entre setembro e outubro do ano passado, finalizando com mensagens aterrorizantes. Os dois ficaram noivos em dezembro e, a partir de janeiro de 2025, ele mantinha um ciclo de más atitudes e pedidos de arrependimento, como demonstra conversa de 23 de janeiro.
Na ocasião, ele promete mudar seu comportamento após agressões verbais. “Obrigado por apostar em mim. Quero ser um homem bom para você. Me perdoe por ter sido um escroto! Você é uma mulher incrível que Deus colocou na minha vida. Eu amo você! Vou melhorar meu comportamento”, disse.
Entretanto, no dia seguinte, passa a cobrá-la, exigindo explicações sobre pessoas que apareciam como sugestões de amizade nas redes sociais dela, às quais ele tinha acesso. “Tal conduta revela indícios de que as mídias sociais de Vanessa estavam sendo ativamente monitoradas por Caio”, avaliou.
Em 31 de janeiro, ele passa a monitorar a localização de Vanessa enquanto trabalhava no MPT/MS (Ministério Público do Trabalho) através de aplicativos de celular e mandando mensagens insistentes querendo saber o que ela estava fazendo.
Em resposta, ela envia para ele sua localização em tempo real, fotos para comprovar e ainda faz uma ligação em vídeo. “Você está bravo comigo? Eu desci do auditório pra recepção onde estava rolando o coffee break”, diz ela.
Já em fevereiro, as mensagens revelam que Caio passou a pedir que Vanessa evitasse comentar qualquer assunto pertinente ao relacionamento deles, planos pessoais, questões familiares ou viagens com qualquer pessoa em seu trabalho ou de sua convivência, de modo a causar o isolamento social da vítima.
Ele a orienta inclusive a não usar a intranet e falar somente sobre assuntos profissionais por ela, ao que Vanessa informa que está usando o “5G” para falar com ele. Caio responde então: “perfeito!”
Já em 7 de fevereiro, cinco dias antes do assassinato, ele começa a mandar mensagens insistentes à vítima entre 1h50 da madrugada até por volta das 8h da manhã.
Ele apagou as mensagens, mas Vanessa responde que leu todas e que está destruída. Ele então pede perdão e diz que vai preparar o almoço para os dois, mas antes a acusou de ignorá-lo.
“Tal comportamento remonta, novamente, às fases de um ciclo de violência, alternando atitudes agressivas com demonstrações de arrependimento e afeto”, diz o relatório.
Entretanto, a vítima demora para responder por estar trabalhando e Caio então altera novamente o tom das mensagens, e a diz “obrigado pelo chão!!!” e “Almoce por aí…”, mostrando sua irritação. Mais tarde, no mesmo dia, o réu passa a monitorar a localização de Vanessa.
“No entanto, observou que os dispositivos dela não estavam pontuando a localização em tempo real. Dessa maneira, Caio entra em contato com Vanessa Ricarte, que na sequência envia prints de tela informando que teria habilitado”, cita a análise, revelando que a jornalista o avisa que precisa se concentrar para concluir suas demandas e o avisa que precisaria trabalhar durante o fim de semana em casa para deixar tudo em ordem.
“Contudo, pouco antes das 17h, verifica-se que Caio Nascimento começa a utilizar os recursos do aplicativo de localização da Apple para emitir sons (bipes) nos dispositivos iPhone e Apple Watch de Vanessa Ricarte.”
Caio então exige que Vanessa saia do serviço para ir vê-lo “urgentemente”, o que ela faz minutos depois. Enquanto dirige para encontrá-lo, faz uma chamada de vídeo na tentativa de tranquilizá-lo. Por fim, ainda em 7 de fevereiro, Caio envia uma mensagem dizendo que iria revisar todos os grupos de Vanessa que “não agregam”, de forma a restringir seus contatos.
Três dias depois, em 10 de fevereiro, ao chegar ao trabalho, Vanessa manda sua localização a Caio, demonstrando, conforme os dados, que ela se sentia na obrigação de informá-lo onde estava e o que fazia.
“Há registros de intensa atividade envolvendo troca de senhas, acessos, compartilhamento de dados, alertas de segurança e interrupções de compartilhamento no período compreendido entre os dias 04 e 11 de fevereiro de 2025, com maior concentração entre os dias 07 e 11.”
O estopim ocorreu em 11 de fevereiro, quando Caio manipulou redes sociais e imagens a fim de denegrir a vítima, publicando em site pornográfico e em sua página no Instagram fotos de Vanessa nua e com hematomas. Segundo ele, ela o havia enganado e seria atriz de conteúdo adulto desde os 19 anos de idade. A investigação descobriu que o próprio réu tirou as fotos da vítima e as postou no portal de cunho sexual.
“Não há qualquer dúvida que os fatos retromencionados, referentes aos crimes de perseguição e de violação da intimidade ocorreram em concurso material com o crime de violência psicológica, uma vez que, diante do constrangimento, da humilhação, da manipulação e da limitação do direito de ir e vir aqui narrados, houve como resultado o dano emocional.”
Somente depois dessa exposição é que Vanessa procurou a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) para denunciar Caio e tentar tirá-lo de sua casa. A uma amiga, a jornalista relatou o que classificou como “show de horrores”. “Então eu consegui tirar meus computadores, tirei meu celular. Fui mantida em cárcere privado ontem, foi assim um festival de horrores. O cara me chamou de atriz pornô desde 19 anos.”
Nesse mesmo dia, 11 de fevereiro, o réu “privou a liberdade da vítima, mediante cárcere privado, mantendo-a sob seu controle na residência do casal, pegando e desligando o aparelho celular dela, de modo a impedir comunicação com terceiros, sendo que ela só conseguiu sair após o acusado pegar no sono”, relata o documento do Gaeco.