Por Ernesto Pereira
“Em épocas como a que vivemos existe uma grande pressão para que se apresentem conceitos que ajudem os homens a compreenderem o seu dilema; há uma ânsia por ideias vitais, por uma simplificação da desnecessária complexidade intelectual. Às vezes esse desejo de simplificar engendra grandes mentiras, desde que elas resolvam as tensões e facilitem que a ação prossiga exatamente como as racionalizações de que as pessoas precisam. Mas também tende a retardar o descobrimento de verdades capazes de ajudar os homens a adquirirem uma certa compreensão do que acontece com eles e de lhes dizer onde realmente estão os problemas.
Uma dessas verdades vitais, conhecida há muito tempo, é a ideia do heroísmo; (…). Como observou William James – que se interessava praticamente por tudo – na virada dos séculos dezenove e vinte: ‘ o instinto comum da humanidade pela realidade (…) sempre achou que o mundo era, essencialmente, um palco para o heroísmo’. (….).
Uma maneira de olhar para todo o desenvolvimento da ciência social desde Marx e da Psicologia desde Freud é achar que ele representa um maciço detalhamento e esclarecimento do problema do heroísmo humano. (…).
Um dos conceitos-chave para compreender a ânsia do homem pelo heroísmo é a ideia de narcisismo. (…). Freud descobriu que cada um de nós repete a tragédia do Narciso da mitologia grega: estamos perdidamente absortos em nós mesmos. Se nos preocuparmos com alguém, em geral é conosco, antes de qualquer outra coisa. Como disse Aristóteles em algum lugar: sorte é quando o sujeito ao lado é que é atingido pela flecha. Dois mil e quinhentos anos de história não alteraram o narcisismo básico do ser humano.”
Ernest Becker, em “A negação da Morte”, editora Record.
Meu caro leitor, esses trechos impressionantes que transcrevi da monumental obra de Ernst Becker, são muito apropriados para entender o crítico momento da nação brasileira e sem demora alguma, passarei a explicação da afirmação: só uma dose cavalar de narcisismo pode explicar as ações que muitas pessoas influentes e poderosas, realizaram no palco onde se desenrolam as lutas políticas brasileiras, notadamente àquelas advindas do judiciário, do Congresso Nacional e da mídia. Foi um verdadeiro Show de exibicionismo, com fins de reconhecimento de um heroísmo Macunaímico, com direito à tortura de todas as leis e princípios fundamentais que regem as relações entre todos nós.
Nada foi respeitado, “flechas” atingiram a quase todos nós, poupando apenas nossos “sortudos heróis”, que se regozijaram sem nenhum pudor nas telas da Televisão. Quase tudo foi destruído, digo quase, porque restou alguma dignidade à nós, o povo, essa instituição sempre traída nessa terra rica, porém dominada por esses ” heróis” (assim mesmo entre aspas), cujos únicos feitos têm sido o uso contumaz da força contra o povo, esse sim Herói, silencioso, persistente e resistente, a viver no único palco que pode realmente fazer de um homem um Herói, a Rua.