De exemplo positivo na América do Sul nos primeiros meses da pandemia da Covid-19, por manter a doença sob controle com regras estritas de isolamento social e fechamento de fronteiras, o Paraguai agora vive seu pior momento da crise sanitária, com rápido aumento no número de casos e mortes, colapso hospitalar, UTIs com ocupação total e fila de pacientes aguardando por leitos.
Na região de fronteira com Mato Grosso do Sul, a situação é ainda mais grave, pois, além do vírus, tem a pistolagem ceifando vidas, pois, somente nos primeiros cinco meses do ano, já são 65 execuções, porém, agora o inimigo imediato é a Covid-19. Já inúmeros relatos de cidadãos paraguaios precisando ser internados por um agravamento da doença e não há vagas.
Quando conseguem a vaga, muitos têm de arcar com as macas, medicamentos, álcool para desinfetar as mãos, máscaras, refeições e até um aparelho usado com o cilindro de oxigênio para ajudá-los a respirar.
Nas palavras dos próprios médicos paraguaios, o país vizinho “samba no ritmo do Brasil”. Um dos fatores que agravaram a crise veio justamente daqui: em meados de março, a variante P.1, identificada em Manaus, já era responsável por mais de 50% dos casos detectados no Paraguai, segundo um estudo.
Nos primeiros meses deste ano, o total de mortes por Covid-19, que supera 5.000, é mais do que o dobro das 2.262 mortes de todo o ano passado. Os números absolutos podem parecer baixos, mas proporcionalmente à população, de 7 milhões de pessoas, são preocupantes.
O país tem, por exemplo, o segundo maior índice mundial de mortes diárias por milhão de habitantes: 11,22, perdendo apenas para o Uruguai. A média estava em 80 por dia em 12 de maio – na mesma data do ano passado, era zero, e não passou de 23 ao longo de todo 2020.
Aos poucos, e pressionado pela crise econômica, o governo relaxou as restrições até suspendê-las, em outubro, mas aí a população entendeu que acabou também a pandemia. Abandonaram as medidas de proteção, foram promovidos encontros de mais de 100 pessoas em lugares fechados, atividades não essenciais foram retomadas.
Em janeiro e fevereiro, mais de 10 mil paraguaios passaram férias no Brasil. Acredita-se que desta forma a variante P.1 entrou e se espalhou pelo país. Na Semana Santa, vários moradores da capital visitaram familiares no interior, levando o vírus para cidades que antes tinham poucos casos -e que têm carência de médicos e hospitais.
Após a entrada da variante P1 no país, o perfil dos pacientes críticos mudou. Agora, quase 70% dos que ingressam na UTI têm menos de 60 anos. As fronteiras com Brasil e Argentina ficaram fechadas por sete meses no ano passado e reabriram em outubro. Atualmente, o Paraguai não tem um plano de controle da pandemia. Em março, a situação levou a população às ruas para protestar contra o presidente Mario Abdo Benítez e sua condução da crise.
O governo chegou a tentar uma quarentena de oito dias durante a Semana Santa, mas não teve efeito no controle da transmissão. A vacinação, que poderia aliviar a crise sanitária, tem ocorrido em um ritmo muito lento. Até agora, menos de 1% da população tomou as duas doses.
O país comprou ou recebeu como doação imunizantes de vários laboratórios, incluindo doses da vacina russa Sputnik V, da indiana Covaxin e as produzidas pela chinesa Sinopharm e pela britânica AstraZeneca. Mas são pouquíssimas as doses que têm chegado.
Aliado de Jair Bolsonaro, Abdo Benítez reclamou em março da demora no envio das vacinas pelo consórcio Covax -iniciativa global promovida pela OMS para facilitar o acesso a imunizantes- e pediu ajuda aos países da região. O chanceler paraguaio, Euclides Acevedo, chegou a vir ao Brasil para pedir auxílio ao governo.
Nesse contexto, o apoio de Abdo Benítez a Taiwan, vista pela China como uma província rebelde, chegou a ser questionado, por abalar as relações diplomáticas com Pequim. Taiwan acusou o governo chinês de chantagear seu aliado sul-americano com o oferecimento de vacinas em troca do rompimento dessas relações diplomáticas e, em 22 de abril, doou US$ 16,5 milhões a Abdo Benítez para financiar a compra de doses da Covaxin.
Enquanto isso, sem acesso a um auxílio financeiro suficiente que lhes permita ficar em casa e sem vacinas para protegê-los, os paraguaios ficam expostos à doença. Segundo a previsão do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, se nada for feito, o número de mortes diárias deve dobrar até o fim de maio e chegar a 200 por dia em 12 de junho.