Policial boliviano terá que explicar a PC porque protegeu delegado acusado de assassinato

O policial Gonzalo Medina, ex-comandante da Felcc (Força Especial de Combate ao Crime) de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, terá de explicar o porquê de ter ignorado o pedido de colaboração da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul nas investigações contra o delegado de Polícia Civil Fernando Araújo da Cruz Junior, de 34 anos, que no dia 23 de fevereiro deste ano matou a tiros o pecuarista boliviano Alfredo Rangel Weber dentro de uma ambulância em Corumbá (MS).

Segundo notificação feita pelo Ministério Público da Bolívia, o delegado também é alvo de apuração no país vizinho, junto com mais três pessoas, entre elas a esposa, a boliviana Sílvia Aguilera, porque Alfredo Weber foi esfaqueado durante festa em Puerto Suarez (Bolívia) antes de ser motor a tiros em Corumbá. Nas duas situações, o delegado Fernando Araújo atentou contra o fazendeiro boliviano, porém, enquanto no Estado ele é réu por homicídio, na Bolívia é investigado por tentativa de assassinato.

Os advogados da família da vítima acionaram o MP da Bolívia sobre o ex-comandante da Polícia Gonzalo Medina, que é apontado como amigo do delegado da Polícia Civil do Estado. Essa “amizade” seria o motivo para que o Gonzalo Medina se recusasse colaborar com a equipe policial sul-mato-grossense. Relatório de investigação do delegado de Polícia Civil Carlos Delano revela a tentativa frustrada de obter ajuda em Santa Cruz de La Sierra.

O ex-comandante atuava na Corregedoria quando o crime aconteceu e conduziu o inquérito. A Justiça brasileira mandou Fernando Araújo a júri em julho deste ano e a defesa recorreu. A representação legal do delegado acusado de homicídio também tenta, segundo a imprensa boliviana, derrubar os trâmites do lado de lá, alegando que uma pessoa não pode ser punida duas vezes pelo mesmo fato

Os familiares de Alfredo Weber enviaram “diversos memoriais ao Ministério Público” solicitando o testemunho de Gonzalo Medina nesse procedimento, com respaldo nos relatórios do delegado brasileiro. Conforme descrito, Gonzalo Medina deixou de enviar laudos, procedimentos ou provas, como os projéteis do crime para as perícias.

Para o MP boliviano, ele e outros policiais devem ser responsabilizados pelos crimes de violação de deveres, lesões leves, graves e muito graves, além de homicídio culposo. Para a família do fazendeiro assassinado, as investigações devem ser estendidas aos representantes da Associação de Pecuaristas de Puerto Suárez. A alegação é de que houve obstrução dos trabalhos policiais, em razão do sumiço dos vídeos das câmeras de segurança, que gravaram Alfredo Weber sendo esfaqueado pelo então delegado da Polícia Civil de Corumbá durante uma festa no local.

Gonzalo Medina está preso em Santa Cruz de La Sierra, para onde foi transferido no começo do mês, depois que sua defesa conseguiu ordem de internação em uma clínica, alegando saúde debilitada pela hipertensão. Antes, estava em prisão de La Paz. Por causa dessa transferência, houve dificuldade para a entrega da notificação para ele se explicar sobre a não colaboração com a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul. Quando as equipes foram à clínica, o preso já estava na penitenciária.

Medina é acusado, também, de ter ligações ilícitas com Pedro Montenegro Paz, extraditado no ano passado para o Brasil, onde é alvo de processo por envolvimento com o narcotráfico de cocaína. Conhecido como “Gordito”, Pedro Montenegro foi entregue pela Polícia Federal em Corumbá e, depois, levado ao sistema prisional federal.

 

Entenda o caso

O delegado da Polícia Civil Fernando Araújo da Cruz, 34 anos, é acusado de matar o pecuarista boliviano Alfredo Rangel Weber dentro de uma ambulância em Corumbá (MS) no dia 23 de fevereiro deste ano. Ele é acusado por homicídio doloso qualificado por motivo torpe e por emboscada depois de uma briga nas eleições para presidente da associação de agropecuaristas na Bolívia.

O sogro de Fernando da Cruz, Asis Aguilera Petzold, que é o atual prefeito da cidade de El Carmen, na Bolívia, concorria ao cargo e a vítima, Alfredo Weber, foi até o local de votação, onde encontrou Sílvia Aguilera, que foi casada com um ex-sócio dele, mas já tinha um relacionamento com o delegado de Polícia Civil há algum tempo.

Segundo testemunhas, ao notar a presença de Sílvia Aguilera, o pecuarista boliviano, que também teria envolvimento com o tráfico de cocaína da Bolívia para o Brasil, teria cobrando dívidas do ex-marido e ameaçado os filhos dela com o delegado. Os dois discutiram e a confusão foi separada por Asis Petzold, que, ao lado de Fernando da Cruz, sentou-se em uma mesa para conversar com Alfredo Weber.

Aproveitando o momento de distração, o delegado esfaqueou as costas do boliviano, que foi socorrido e levado para um hospital local, mas devido à gravidade, teve de ser transferido para Corumbá. Já no município a ambulância foi fechada por uma caminhonete preta, cabine simples, mesmo veículo que Fernando da Cruz dirigia na época.

Ele desceu do veículo, foi até a ambulância, abriu a porta e atirou quatro vezes, sendo que três tiros atingiram a cabeça da vítima, um deles o tórax. Sem ter o que fazer, o motorista voltou com o corpo para o país vizinho. Para o juiz André Luiz Monteiro há provas materiais juntadas pela acusação e, embora o delegado negue ter cometido o crime, “indícios suficientes” de ter sido o autor dos disparos que mataram o pecuarista boliviano.

Fernando da Cruz está em cela da 3ª DP (Delegacia de Polícia), em Campo Grande (MS), sendo que já tentou a liberdade algumas vezes, sem sucesso. Na sentença de pronúncia, o magistrado também indeferiu pedido da defesa do delegado para que ele respondesse ao processo em liberdade. O investigador de Polícia Civil Emmanuel Nicolas Contis Leite será julgado como cúmplice do crime e por ter ajudado Fernando da Cruz a atrapalhar as investigações.