A figura de “herói nacional” construída pelo ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, quando comandava a pasta em meio à pandemia mundial do novo coronavírus (Covid-19) está indo para o lixo. O TCU (Tribunal de Contas da União) pedirá a oitiva de integrantes do Ministério da Saúde e da empresa Topmed Assistência à Saúde para apurar suspeitas de sobrepreço de mais de R$ 100 milhões em um contrato firmado na gestão do político sul-mato-grossense.
Segundo reportagem do site CNN Brasil, o pedido decorre de uma representação formulada pelo Ministério Público de Contas, que questionou a contratação direta da empresa para prestar serviços de atendimento pré-clínico via telefone. O valor do contrato é de R$ 144 milhões, mas foi detectado em um levantamento prévio sobrepreço de R$ 104 milhões.
No despacho proferido pelo relator do processo no TCU, ministro Benjamin Zymler, há o pedido para que sejam ouvidos os responsáveis pelo contrato a Saúde e pela empresa para esclarecer alguns tópicos. Benjamn Zymler já avalia suspender o contrato a partir das informações que forem prestadas pelos responsáveis.
Veja os tópicos suspeitos: ausência de especificações mínimas dos serviços desejados pelo Ministério da Saúde para a referida contratação, deixando-se a cargo da empresa contratada tal incumbência; e existência de possível sobrepreço no custo unitário por ligação (correspondendo a um sobrepreço global no valor de R$ 104.851.090,07), a partir da alteração do valor unitário de R$ 5,80 para valores que variam de R$ 21,33 a R$ 23,19, sem justificativas plausíveis nos autos do processo.
Além disso, o TCU quer saber a ausência de capacidade operacional da empresa contratada para prestação dos serviços com uma demanda prevista superior a um milhão de ligações mensais, em razão de informação do processo de contratação de que a capacidade de atendimento da empresa é de apenas 191.250 ligações/mês.
Gisa
Em Mato Grosso do Sul, o ex-ministro da Saúde é réu no escândalo Gisa (Sistema de Gestão em Saúde), que aponta o desvio de R$ 8,1 milhões dos cofres da Prefeitura de Campo Grande quando era secretário municipal de Saúde na gestão do primo, atual senador Nelsinho Trad (PSD). O inquérito criminal foi encaminhado no dia 3 de março deste ano para a Justiça Eleitoral, sendo que o juiz Dalton Kita Conrado, da 5ª Vara Federal de Campo Grande, levou praticamente um ano e meio para declinar competência.
O inquérito foi aberto em 2015, quando Mandetta ainda era deputado federal, e tramitou por três anos no Supremo Tribunal Federal. Em agosto de 2018, o ministro Luiz Fux declinou competência para a Justiça Federal de Mato Grosso do Sul, seguindo novo entendimento da corte, de que o foro privilegiado ficou restrito aos crimes cometidos no exercício do mandato.
O inquérito chegou à 5ª Vara Federal no dia 20 de setembro de 2018. No primeiro despacho a respeito, em 4 de dezembro do mesmo ano, o juiz Dalton Igor Kita Conrado, determinou sigilo em decorrência da quebra de sigilo bancário e fiscal do ministro. Somente em setembro do ano passado, o inquérito foi enviado para manifestação do Ministério Público Federal.
A Procuradoria da República em Campo Grande levou cinco meses, no dia 27 de fevereiro deste ano, para dar parecer pelo encaminhamento da denúncia para a Justiça Eleitoral. Mais rápido, na terça-feira, o juiz Dalton Kita Conrado declinou competência para a 36ª Zona Eleitoral de Campo Grande, presidida pela juíza Gabriela Muller Junqueira.
“Analisando os autos verifico que assiste razão ao Ministério Público Federal, havendo, a princípio, indícios da pratica, em tese, de crimes eleitorais e crimes comuns, possivelmente conexos”, pontuou o magistrado. Em seguida, ele explica que a medida cumpre determinação do Supremo, que determinou ser competência da Justiça Eleitoral para denúncias criminais envolvendo crimes eleitorais.
“Assim, encaminhem-se os autos ao Juízo da 36ª Zona Eleitoral (…), que decidirá sobre a ocorrência ou não de conexão entre os fatos apurados”, determinou Conrado. Isso significa que a juíza Gabriela Junqueira ainda vai analisar se terá competência para analisar a denúncia contra o ministro da Saúde.
Além da epidemia de dengue, o escândalo Gisa marcou a gestão de Mandetta como secretário municipal de Saúde de Campo Grande. Conforme a CGU (Controladoria-Geral da União), houve favorecimento no processo de implantação do sistema, fraudes e falhas contratuais.
Lançado para modernizar o sistema de saúde da Capital, o programa nunca funcionou e serviu para desviar R$ 8,1 milhões dos cofres públicos – o valor atualizado é de R$ 14 milhões. A Prefeitura de Campo Grande foi condenada a todo o dinheiro ao Ministério da Saúde.
De acordo com denúncia do MPF, Mandetta atuou para garantir a vitória do Consórcio Contisis, composto por três empresas, mas que não tinha condições de implantar o sistema e subcontratou a empresa portuguesa Alert. Apesar do suposto desvio milionário ter ocorrido em 2010, a Polícia Federal começou a investigar Mandetta em 2015 e até hoje não conseguiu concluir a investigação em decorrência do jogo de empurra entre os integrantes do Poder Judiciário brasileiro.