Enquanto nacionalmente o Exército brasileiro anuncia a dispensa de pelo menos 25 mil dos 80 mil recrutas no início de outubro, redução das operações militares e corte no expediente dos que ficarem devido ao contingenciamento de parte dos seus recursos, em Mato Grosso do Sul, conforme matéria do site Campo Grande News, o 20º Regimento de Cavalaria Blindada, localizado em Campo Grande (MS), abriu licitação e até já recebeu propostas para a compra de 39 mil brindes para serem distribuídos durante atividades nas unidades militares na Capital e em Aquidauana (MS), Jardim (MS), Corumbá (MS) e Brasília (DF).
A relação tem desde simples canetas que custam R$ 2,72 a facas de aço com valor unitário de R$ 399,00. Na modalidade menor preço e com preferência para pequenas empresas, quando isso é possível, a licitação tem validade de um ano, conforme o edital publicado. Item com maior preço individual dessa licitação, as facas de campanha, como são denominadas, precisam ser da Imbel, gigante nacional na produção de material bélico. A exigência é que arma branca tenha lâmina 17,8 cm em aço carbono, e venha com bainha em poliamida moldada.
O edital traz relação dos itens, todas as características exigidas, as quantidades e os preços de referência. Para as facas, são 742 unidades, com despesa estimada em R$ 296 mil, o maior gasto da licitação. Chama atenção, também, a compra de réplicas, em escala menor, do “Guerreiro do Pantanal”, nos moldes das chamadas “action figures” de super-heróis. Serão miniaturas de 30 centímetros de altura da estátua de mais de 3 metros de um jacaré vestido de soldado, que antes ficava no portão de entrada do CMO (Comando Militar do Oeste) e foi deslocada para dentro do quartel depois da obra da Orla Morena, na Avenida Duque de Caxias.
Pelo edital, os bonecos devem ser produzidos com resina epóxi, ter pintura em ouro velho, base em acrílico preto e plaqueta em aço inox com gravação de nome e distintivo. Para a miniatura do “jacaré-soldado”, o custo unitário é de R$ 218,00. Como serão 920, a soma dá o montante de R$ 200,8 mil. O Exército em Mato Grosso do Sul também encomendou, no mesmo processo licitatório, 2.785 moedas de coleção. Elas devem ter 50 mm de diâmetro e 3,5 mm de “espessura, banhada, produzida em auto relevo em ambos os lados”. Serão cunhadas com arte a ser fornecida e embaladas em caixa de veludo individualmente. Cada uma tem valor referência de R$ 43,62, levando ao valor total de R$ 121,4 mil.
Por fim, os militares incluíram na licitação a aquisição de kits de vinho. O pedido é de estojo emborrachado em formato de garrafa contendo bico dosador, tampa de metal para garrafas de vinho, anel para gargalo e saca-rolhas com lâmina. Haverá personalização a laser. Apesar da aparência refinada, essa não é das peças mais caras. Cada kit tem valor previsto de R$ 39,78. Os 977 previstos tem custo de R$ 38,8 mil. A “lista de compras” é bem mais extensa. Tem, ainda, canetas, nacionais e importadas, porta-bloco, pasta em couro sintético, camisetas, bonés, esqueeze, pen-drive, memória externa para computadores e miniatura de tanques.
Procurado, o CMO informou, em nota enviada ao Campo Grande News, que o pregão eletrônico se destina à compra para suprimento de “atividades que demandam material de apoio e de divulgação, destinado a seminários, simpósios, reuniões de trabalho e atividades congêneres”. Conforme a resposta, as compras serão feitas sempre com a autorização dos órgãos competentes e quando existir recurso financeiro para as aquisições. O texto assegura que o CMO “segue rigorosamente os preceitos constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência em todos os seus atos administrativos”.
Sem dinheiro
Enquanto isso, nacionalmente o Exército fala em crise e revela que a situação foi discutida na semana passada pelo Alto-Comando em Brasília, com a presença de 16 generais. O presidente Jair Bolsonaro tem sido informado das dificuldades. Ao embarcar para Resende (RJ), onde participaria de uma cerimônia de entrega de espadins aos cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), o presidente citou a situação dos militares.
“Nós estamos aqui tentando sobreviver ao corrente ano. Não tem dinheiro. Eu já sabia disso e fui fazendo milagre, conversando com a equipe econômica com o que podemos fazer para sobreviver. O Exército vai entrar em meio expediente, não tem comida para dar ao recruta, que é filho de pobre”, disse, acrescentando que “a situação em que nos encontramos é grave, não há maldade da minha parte, não tem dinheiro, só isso, mais nada”. Na visita do presidente à escola onde estudou, os generais, mais uma vez, pretendia tratar do tema com o chefe do Executivo.
A situação no Exército foi agravada com o contingenciamento, no primeiro semestre, de R$ 180 milhões que seriam destinados a despesas. Segundo os militares, a redução contínua no orçamento da Força – neste ano é de R$ 620 milhões, mesmo valor de 2009 -, futuramente pode comprometer até mesmo gastos do dia a dia, como contas de luz, gás, telefone, combustível e até munição.
Em seu discurso na transmissão do cargo de secretário de Economia e Finanças do Exército, o general Marcos Antônio Amaro advertiu que “os insuficientes recursos no orçamento para aquisição e manutenção dos meios e para desenvolvimento das atividades da Força vêm reduzindo a sua operacionalidade a patamares inadequados às suas missões constitucionais e subsidiárias”. Amaro assumiu o Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, no lugar do general Luis Eduardo Ramos, que foi alçado a ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro.
Embora a redução do expediente seja uma das alternativas discutidas para conter gastos, a medida é considerada pouco efetiva. Isso porque a economia de um dia parado – R$ 2 milhões – é pequena diante do montante que a Força precisa para pagar suas contas. O Exército tem 653 unidades militares e, mesmo que a maior parte delas suspenda as atividades, não é possível se deixar de operar os batalhões de fronteira, as escolas e os hospitais.
A dispensa de recrutas é tratada como mais eficaz. Além da baixa em outubro, o Exército também discute antecipar as baixas previstas apenas para janeiro e março de 2020. Outra consequência da falta de recursos é que o Exército não deve conseguir atender a pedidos para emprego da tropa em situações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como as recentes operações no Rio, durante a Olimpíada de 2016.