Após quatro anos, finalmente a Justiça deu prosseguimento nas ações contra os investigados pela Operação Coffee Break, que apura esquema entre políticos e empresários para tirar o ex-prefeito Alcides Bernal do cargo e colocar o ex-vice-prefeito Gilmar Olarte. A 1ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) retirou da ação os vereadores Airton Saraiva (DEM) e Otávio Trad (PTB), mas manteve o ex-procurador jurídico da Câmara de Vereadores, André Scaff.
Segundo a decisão da Justiça, Airton Saraiva (DEM) e Otávio Trad (PTB) tiveram as alegações de suas defesas acatadas pelos desembargadores, depois de meses de adiamentos nos processos para conclusão da análise. Os dois foram acusados de votarem para cassar Bernal em troca de vantagens na futura gestão – envolvendo, por exemplo, pagamentos e indicações para cargos públicos.
Otávio pertencia ao PT do B, ao lado de Eduardo Romero e Flávio César – que ainda aguarda análise de recurso. O partido e seus membros foram consultado para indicarem o titular da Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbanístico), o que não se concretizou. Conforme sua defesa, Otávio alegou que votou para cassar Bernal com base em relatório da CPI aberta pela Câmara e da comissão processante, com argumentos considerados por ele sólidos.
A situação foi semelhante à de Saraiva, que não disputou a reeleição. Ele foi acusado de ter recebido recursos para votar na cassação e, ainda, influenciar os votos de dois colegas (Gilmar da Cruz e Waldecy Chocolate, o primeiro já excluído da Coffee Break, enquanto o segundo teve recurso recusado) e indicado Amilcar Moreno Peixoto para a Agereg (Agência Municipal de Regulação de Serviços Públicos Delegados) como resultado do conluio. Tais argumentos foram considerados inconsistentes pela maioria na 1ª Câmara. A própria indicação de Amilcar, afirma a defesa, ocorreu meses depois de Olarte chegar ao cargo.
Tio Patinhas
Apontado como “elo” entre empresários interessados na cassação de Bernal – como João Alberto Amorim, que tinha negócios com o Paço Municipal e estaria buscando meios de receber do Executivo –, o ex-procurador jurídico da Câmara e secretário de Planejamento e Finanças de Olarte, André Scaff, o “Tio Patinhas” da Casa de Leis, teve seu recurso visando a exclusão do processo rejeitado por maioria em plenário.
Ele também exaltou em interceptação telefônica o processo de cassação e, conforme o MPE, assumiu cargo na Prefeitura em retribuição ao seu empenho no caso. Sua defesa tentou desconstruir argumentações, inclusive técnicas, sobre a aceitação da denúncia, sem sucesso. Mesmo resultado teve o ex-presidente da Câmara, Mário César de Oliveira, cuja defesa também não conseguiu voto da maioria durante o julgamento. O ex-vereador apresentou, entre as alegações no recurso, que não teve oportunidade de apresentar defesa adequada no processo.
A decisão do TJ pode acabar com a impunidade do “Tio Patinhas”, que, passados dois anos desde que foi preso pela primeira vez, continua impune e, portanto, livre, leve e solto. Apesar da operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) ter apontado irregularidades em contratos de imóveis por parte de Scaff, a Justiça ainda não tinha tomado nenhuma decisão e dava a impressão de que, em razão do longo período de tempo já ter passado, esqueceu de tomar alguma providência em relação ao crime praticado pelo “vereador sem mandato”.
No dia 19 de maio de 2016, a operação do Gaeco culminou com a prisão de André Scaff em razão de indícios de enriquecimento ilícito. A evolução patrimonial dele em cinco anos, entre 2010 e 2015, foi o que chamou a atenção do Gaeco, pois, ele tinha, na época, 96 imóveis somente em Campo Grande.
Além do número de casas, terrenos, apartamentos que seriam do procurador – segundo o Gaeco, em depoimento, ele confirmou ter 72 imóveis –, os promotores apuraram que, para ocultar os bens, ele os registrava em nome de “laranjas”, assim como fez o ex-chefe dele, então prefeito de Campo Grande, Gilmar Olarte, quando em um ano e coincidentemente no período que foi chefe do Executivo, comprou ao menos dez imóveis.
Estratégia
Outra estratégia parecida com a usada por Olarte, era registrar os imóveis com valores bem menores que o de mercado. Conforme apurou o Gaeco, em certa ocasião, Scaff comprou quatro terrenos na cidade com valor total de R$ 225 mil, conforme foi registrado. Contudo, dez dias depois, os mesmos imóveis foram vendidos por R$ 900 mil, “irreal valorização de quase 400% em poucos dias”, constatou o juiz Alexandre Tsuyoshi Ito, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, ao deferir mandado de busca em apreensão, em maio deste ano.
Outra situação colocada “em xeque” pelo Gaeco foi o fato do procurador ter comprado terreno com 512,73 metros quadrados no Bairro Jardim dos Estados por R$ 700 mil. Não só o valor declarado causou estranheza, mas o fato do pagamento ter sido feito em espécie. Segundo o Gaeco, de 2010 a 2015, Scaff teria recebido R$ 10,8 milhões em propina. Ele teria utilizado seu prestígio como procurador da Câmara para conquistar aditivos e renovações de contratos de empreiteiras com a Prefeitura de Campo Grande.
Só nas contas bancárias do procurador e da mulher, Karina Ribeiro Mauro Scaff, nestes cinco anos, R$ 3.183.836,20 em propinas foram depositados, acusa o Gaeco. Outros R$ 3.045.325,31 são de depósitos não identificados. O Gaeco ofereceu denúncia contra o procurador e mais 23 pessoas. Para garantir futuro a recuperação do dinheiro de origem ilícita, os promotores pediram ainda o sequestro dos bens nos nomes de Scaff e da mulher dele no valor de R$ 10,8 milhões.
As investigações ainda apontaram que dono da Mil Tec Tecnologia da Informação, sucessora da Itel Informática, Ricardo Fernandes Araújo, um economista aposentado e autônomo, pagou R$ 100 mil em cinco terrenos na Chácara dos Poderes, na região norte de Campo Grande, em 2004. Seis anos depois, ele aceitou vender os lotes por R$ 73 mil para André Scaff, conforme escritura feita em cartório. No entanto, na mesma época, foram realizados três depósitos em dinheiro em sua conta bancária, que totalizavam R$ 250 mil.
Apesar de ser “proprietário” da Mil Tec, que recebia R$ 28 milhões do Governo do Estado, Ricardo informou aos promotores, em depoimento convocado pelo Gaeco, que possui renda mensal de R$ 15 mil e não se lembrava da origem dos R$ 250 mil. No entanto, admitiu que não vendeu outros terrenos na ocasião.
Para o MPE, ficou cristalino que Scaff dissimulou R$ 177 mil obtidos por meio de cobrança de propina. Ricardo foi denunciado porque acobertou o esquema do procurador. Outro caso é mais grave. Em agosto de 2012, André Scaff procurou Leonardo Pfeifer Macedo para comprar o seu lote no Jardim Auxiliadora por R$ 70 mil. Ele ficou surpreso, porque não tinha colocado o imóvel à venda. No entanto, aceitou vendê-lo, mas o ex-secretário municipal de Planejamento registrou a compra por R$ 20 mil.
Mais crimes
Além de ocultar o investimento de R$ 50 mil, para o MPE, Scaff cometeu outro crime, serviu-se do cargo para obter informações de uso restrito no município, os nomes e endereços dos donos dos imóveis. Na ocasião, o prefeito era Nelsinho Trad e ele só se tornou secretário na gestão de Gilmar Olarte. Outro denunciado junto com Scaff foi Délcio Sokem, que lhe vendeu um terreno por R$ 80 mil, mas declarou R$ 50 mil. Ele acabou integrando a ação penal porque tentou justificar o depósito a maior em sua conta bancária, ocorrido em 15 de setembro de 2013.
Conforme Sokem, o procurador jurídico do legislativo lhe pagou o “extra” de R$ 30 mil porque ele manteve o terreno limpo e livre de lixo. “Não há prova que trabalha como guarda ou jardineiro”, observaram os promotores. Eles consideram mais estranho ainda que o vendedor tenha aceitado prestar o serviço sem receber um tostão por cinco anos e só cobrar, justamente, ao concluir a venda do terreno.
Outro denunciado foi o economista aposentado Yosichico Tomari, que vendeu outro lote no Jardim Auxiliadora por R$ 30 mil a Scaff. Eles declararam que o imóvel valia R$ 30 mil. No entanto, a quebra do sigilo revelou que ele recebeu R$ 300 mil. O primeiro depósito foi de R$ 200 mil, sem identificar o depositante. O segundo de R$ 100 mil teve o autor identificado, mas não era Scaff. Tomari disse aos promotores que não se lembra da origem do dinheiro.
Outros dois lotes foram comprados no Jardim Auxiliadora. O primeiro custou R$ 240 mil, mas o procurador declarou R$ 80 mil. O último custou R$ 140 mil, mas informou ter custado R$ 20 mil. A ação penal tramite desde o início de dezembro de 2017 na 3ª Vara Criminal e será julgada pela juíza Eucélia Moreira Cassal, que já chegou a decretar a prisão preventiva do procurador na primeira ação, porém, atualmente ele continua em liberdade esperando um desfecho favorável.