TJ decide manter preso delegado “xerifão” de Corumbá que matou boliviano em emboscada

Delegado foi preso durante operação do Garras (Foto: Anderson Gallo/Diário Corumbaense)
Preso desde março deste ano, o delegado da Polícia Civil Fernando Araújo da Cruz, 34 anos, acusado de matar o pecuarista boliviano Alfredo Rangel Weber dentro de uma ambulância em Corumbá (MS) no dia 23 de fevereiro deste ano, teve negado pela 1ª Turma Criminal do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) o habeas corpus impetrado pela sua defesa. Os magistrados rejeitaram, por unanimidade, pedido para trocar a prisão por alguma medida alternativa, como por exemplo o cumprimento domiciliar da preventiva.

Os desembargadores Elizabete Anache, José Eduardo Neder Meneghelli e o juiz Lúcio R. da Silveira entenderam que persistem as razões para manter o delegado preso pela morte do boliviano. A decisão acatou o entendimento do MPE (Ministério Público Estadual), que opinou pela manutenção da ordem de prisão preventiva.

O delegado Fernando Cruz está em cela da 3ª Delegacia de Polícia Civil, no Bairro Carandá, em Campo Grande (MS), e, conforme a sua defesa, a revisão da decisão que o prendeu precisa ser feita trimestralmente como prevê a legislação penal desde 2020. “Não estão mais presentes os pressupostos da custódia cautelar”, alegou a defesa no pedido em alusão à prisão feita pela Corregedoria da Polícia Civil com ordem da Justiça em Corumbá.

Em seu voto, acatado pelos colegas de turma, a relatora do processo, desembargadora Elizabente Anache, entendeu que há razões sim para manter preso o delegado ao citar três fatos graves dos quais ele é acusado. A primeira acusação é da “suposta prática de homicídio qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima”.

Segundo consta da denúncia, Fernando Cruz, então delegado de Polícia Civil em Corumbá, “junto com sua esposa Sílvia Aguilera Ibanez, envolveu-se em uma discussão com Alfredo Rangel Weber, no dia 23/2/2019, em solo boliviano, tendo, supostamente, o paciente esfaqueado a vítima”. Na sequência, como Rengel foi transferido para o Brasil, ferido, o delegado interceptou a ambulância e matou a vítima a tiros.

Além disso, descreve o voto da magistrada, houve crime de coação. “Após a suposta prática de homicídio qualificado, Fernando e o investigador de polícia Emmanuel [Contis] teriam, em tese, agindo com comunhão de esforços e conjugação de vontades, usado de grave ameaça contra testemunhas do referido homicídio, com o intuito de obter a impunidade do paciente, o que é reforçado pelo relatório pericial dos dados colhidos dos aparelhos telefônicos celulares dos denunciados”.

Consta dos autos que então autoridade policial, hoje afastada da função, chegou a fiscalizar a atuação de subordinados e orientou a esposa a contatar testemunha com o intuito de direcionar depoimento de testemunha. Uma pessoa identificada apenas como “Vizinho” teria se dedicado a descaraterizar a caminhonete de Fernando utilizada para interceptar a ambulância em que se encontrava Alfredo Rangel Weber.

Outra ação criminosa indicada é que as armas de fogo de Fernando foram levadas para Bolívia, “para alteração de suas características”. Conforme o voto da relatora, tais armas não foram localizadas, sendo certo que o revólver calibre 357 que se encontra registrado em nome do réu tem as mesmas características indicadas por testemunha como que foi usado no homicídio.

Esses fatos, como anotado no texto, foram levados em conta para manter a prisão de Fernando e continuam valendo. Como se vê, ao contrário do exposto pela impetrante, ainda persistem os requisitos para a prisão preventiva”, descreve a magistrada. Como a decisão foi unânime, não cabe recurso no TJMS. Os advogados, agora, podem tentar apelar aos órgãos superiores, como o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Entenda o caso

O delegado da Polícia Civil Fernando Araújo da Cruz, 34 anos, é acusado de matar o pecuarista boliviano Alfredo Rangel Weber dentro de uma ambulância em Corumbá (MS) no dia 23 de fevereiro deste ano. Ele é acusado por homicídio doloso qualificado por motivo torpe e por emboscada depois de uma briga nas eleições para presidente da associação de agropecuaristas na Bolívia.

O sogro de Fernando da Cruz, Asis Aguilera Petzold, que é o atual prefeito da cidade de El Carmen, na Bolívia, concorria ao cargo e a vítima, Alfredo Weber, foi até o local de votação, onde encontrou Sílvia Aguilera, que foi casada com um ex-sócio dele, mas já tinha um relacionamento com o delegado de Polícia Civil há algum tempo.

Segundo testemunhas, ao notar a presença de Sílvia Aguilera, o pecuarista boliviano, que também teria envolvimento com o tráfico de cocaína da Bolívia para o Brasil, teria cobrando dívidas do ex-marido e ameaçado os filhos dela com o delegado. Os dois discutiram e a confusão foi separada por Asis Petzold, que, ao lado de Fernando da Cruz, sentou-se em uma mesa para conversar com Alfredo Weber.

Aproveitando o momento de distração, o delegado esfaqueou as costas do boliviano, que foi socorrido e levado para um hospital local, mas devido à gravidade, teve de ser transferido para Corumbá. Já no município a ambulância foi fechada por uma caminhonete preta, cabine simples, mesmo veículo que Fernando da Cruz dirigia na época.

Ele desceu do veículo, foi até a ambulância, abriu a porta e atirou quatro vezes, sendo que três tiros atingiram a cabeça da vítima, um deles o tórax. Sem ter o que fazer, o motorista voltou com o corpo para o país vizinho. Para o juiz André Luiz Monteiro há provas materiais juntadas pela acusação e, embora o delegado negue ter cometido o crime, “indícios suficientes” de ter sido o autor dos disparos que mataram o pecuarista boliviano.

Fernando da Cruz está em cela da 3ª DP (Delegacia de Polícia), em Campo Grande (MS), sendo que já tentou a liberdade algumas vezes, sem sucesso. Na sentença de pronúncia, o magistrado também indeferiu pedido da defesa do delegado para que ele respondesse ao processo em liberdade. O investigador de Polícia Civil Emmanuel Nicolas Contis Leite será julgado como cúmplice do crime e por ter ajudado Fernando da Cruz a atrapalhar as investigações.