Decisões tomadas em julho e dezembro do ano passado sobre a série de contratos do escritório de advocacia Nunes Golgo & Alves, que tem sede em Campinas (SP), com prefeituras de Mato Grosso do Sul mostram que integrantes do MPE (Ministério Público Estadual) e do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado) literalmente estão batendo cabeça sobre o mesmo assunto, porém, envolvendo prefeituras diferentes.
No dia 5 de julho do ano passado, a promotora de Justiça Patrícia Almirão Padovan arquivou uma denúncia em que o ex-prefeito de Bataguassu, Akira Otsubo (MDB), tinha feito contra seu antecessor, o delegado de Polícia Civil aposentado Pedro Arlei Caravina (PSDB), que presidiu o município entre 2017 e 2020 e hoje é deputado estadual.
A denúncia apontava que o município havia sido inscrito no CADIN (lista suja dos órgãos públicos que impede que recebam transferências ou façam empréstimos) porque estava devendo R$ 2.893.080,92 à Receita Federal. Essa dívida surgiu porque entre agosto de 2017 e agosto do ano seguinte a Prefeitura de Bataguassu, sob orientação do escritório Nunes Golgo, deixou de recolher em torno de R$ 1,6 milhão em impostos trabalhistas à Receita.
E, além dos quase R$ 2,9 milhões que devia à Receita, a prefeitura ainda pagou pouco mais de R$ 332 mil aos advogados, que haviam firmado contrato de risco que lhes garantia o repasse de 20% daquilo que a administração municipal conseguiria recuperar da Receita Federal.
O contrato com os advogados previa que receberiam somente depois que esta restituição estivesse garantida. Porém, a prefeitura fez o pagamento antecipadamente e depois acabou descobrindo que havia caído numa espécie de “conto de fadas”.
Em sua defesa à promotora de Justiça, o escritório Nunes Golgo alegou que a administração municipal perdeu os prazos e não soube se defender diante das cobranças da Receita Federal.
“O município não cumpriu prazos, não comunicou as ocorrências (intimações e decisões) à parte contratada, e, pelo visto, também não adotou nenhuma providência judicial para a discussão do mérito e tampouco para garantir a manutenção de CND e impedir a inscrição no CADIN”.
Ou seja, depois de ter embolsado os mais de R$ 330 mil, o escritório se esquivou e atribuiu a responsabilidade pela cobrança à administração municipal.
E, apesar de ter recebido seus pagamentos antes de o sucesso da recuperação de receitas ter sido comprovada, a promotora de Justiça entendeu que não havia indício de ilegalidade ou crime e por isso engavetou a denúncia de Akira Otsubo, que teve de parcelar os R$ 2,9 milhões com a Receita para conseguir administrar a prefeitura.
Akira Otsubo alegava que “A contratada (Nunes Golgo) deixou de atender às exigências realizadas pela Fazenda, no sentido de apresentar a origem dos créditos realizados nas compensações ocorridas em 2017, resultando na cobrança de R$ 2.893.080,92 a ser pago a título de valores exigidos e não recolhidos”, o que não convenceu a promotoria, que preferiu acatar a argumentação dos advogados.
Deputado se posiciona
Já o atual deputado estadual Pedro Caravina disse que o contrato com o escritório Nunes & Colgo envolvendo o município que foi prefeito é diferente do de Glória de Dourados. “Em Bataguassu existe decisão judicial, em três instâncias contra a Receita Federal, pela compensação, o que não ocorre em outros municípios”, comentou.
Nas outras cidades, a suspensão dos pagamentos ocorreu apenas com decisões administrativas, o que gerou um grande passivo. O deputado ainda informou que uma ação contra o ex-prefeito de Bataguassu, Akira Otsubo (MDB). “Ele aceitou parcelar um débito que não era devido pelo município”, lembrou.
“A Receita, no caso de Bataguassu, não deveria ter cobrado e o ex-prefeito Akira não deveria ter aceitado a cobrança, por isso pode ser responsabilizado”, disse. “Foi por essa razão que a promotora arquivou a denúncia que ele fez, e ela ainda pediu apuração contra a gestão anterior, pode desídia”, afirmou Caravina.
Para o deputado, é injusto contra ele e a promotora de Justiça, insinuar que o tratamento foi benéfico a ele. “Foi uma decisão correta a da promotora, diante do amparo judicial que o município tem”, ressaltou.
Situação exatamente igual, mas com números maiores, ocorreu em Glória de Dourados praticamente no mesmo período. Nesta cidade, porém, o contrato passou pelo crivo do TCE, que não só viu ilegalidade, como determinou o bloqueio dos bens do ex-prefeito e de três sócios do escritório de advocacia.
De acordo com publicação do TCE-MS feita em dezembro do ano passado, a Prefeitura de Glória de Dourados sofreu um prejuízo de R$ 2.169.494,71 por conta do escritório. Parte do prejuízo, de R$ 1,003 milhão, é referente a pagamentos indevidos feitos aos advogados, e o restante, R$ 1,165 milhão, relativo a juros e multas aplicados pela Receita Federal.
Por conta do não pagamento de R$ 3.943.499,18 em tributos, da multa e dos juros, no fim do ano passado a prefeitura de Glória de Dourados tinha uma dívida de R$ 5.618.751,73 com a Receita Federal. A prefeitura foi obrigada a parcelar a conta em 20 anos para não ficar com o nome sujo.
Em sua defesa, o escritório alegou exatamente o mesmo que havia dito anteriormente ao MP de Bataguassu: a culpa da cobrança é da prefeitura, que não soube se defender ao ser cobrada pela Receita Federal e que chegou a elaborar uma defesa, mas que os prazos haviam se expirado.
Neste caso, porém, o Tribunal de Contas não aceitou o argumento e exigiu cópia desta suposta defesa, que nunca chegou a ser enviada ao TCE. Ao perceber o rombo, o TCE-MS pediu explicações ao então prefeito de Glória de Dourados, Aristeu Pereira Nantes, que comandou a prefeitura de 2016 até o fim do ano passado. Ele informou ao órgão que instaurou procedimento interno na prefeitura, mas não conseguiu mais encontrar os advogados para exigir explicações.
E por conta deste julgamento do TCE relativo a Glória de Dourados, o Ministério Público de Mundo Novo resolveu instaurar inquérito civil, conforme publicação do diário oficial do último dia 17, para investigar uma situação idêntica naquele município.
Em Mundo Novo, os advogados prometeram a recuperação de R$ 2,16 milhões. Por conta disso, o escritório faturou pouco mais de R$ 430 mil nesta cidade.
No caso de Mundo Novo, o promotor já deixou claro que não vai se contentar em ouvir só o escritório de advocacia. Ao longo da última semana a investigação caminhou e ele pediu ajuda ao Tribunal de Contas e à Receita Federal para tentar entender se existe alguma ilegalidade nos pagamentos ao escritório.
Além de Bataguassu, Glória de Dourados e Mundo Novo, o escritório também prestou serviços a mais nove prefeituras: Selvíria, Inocência, Tacuru, Eldorado, Iguatemi, Corguinho, Deodápolis, Figueirão, Chapadão do Sul.
E nesta relação divulgada pelo Tribunal de Contas não aparecem as cidades que firmaram contrato com a empresa Ibrama, que pertence aos mesmos advogados e que também firmou uma série de parcerias em Mato Grosso do Sul.
A orientação do comando do TCE é para que seja aberta investigação em todas as cidades onde os advogados atuaram.
Outro lado
Em e-mail enviado ao Correio do Estado, o escritório de advocacia alega que tanto a decisão do Tribunal de Contas quanto a investigação da promotoria de Mundo Novo estão em fase inicial e que não comprovam nenhuma ilegalidade.
Reafirma, também, que “a dívida cobrada pela Receita Federal, que gerou o suposto “rombo”, decorreu de culpa exclusiva do município, que “quedou-se inerte” e não respondeu à intimação da Receita Federal.
Os advogados dizem ainda que “a narrativa criada pela Matéria (publicada dia 18) está causando prejuízos materiais concretos à notificante, que foi informada da rescisão de contrato vigente em decorrência direta da reportagem, além do prejuízo moral, consubstanciado em diversos questionamentos que vêm sendo feitos por parceiros e clientes, colocando em xeque um histórico de trabalho, dedicação e resultados”.
