Investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) de São Paulo revela que os novos líderes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), que controla o tráfico de drogas e armas na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai, usou até indígenas para fazerem o transporte direto de dinheiro vivo do Estado para a região metropolitana de São Paulo (SP).
De janeiro de 2018 a julho de 2019, cerca de R$ 1 bilhão foi levado de carro de Mato Grosso do Sul até o Estado vizinho, fruto do comércio de quase 15 toneladas de cocaína negociada pelo bando. O PCC tentou usar um novo método de movimentação financeira, já praticado em São Paulo, para tentar diminuir os prejuízos que acumularam com operações das polícias sul-mato-grossenses após a transferência de toda a cadeia de comando principal para presídios federais, onde estão incomunicáveis.
O plano da facção era simples. Com telefones e contas bancárias bloqueados ou grampeados pelas autoridades, a liderança do PCC na fronteira passou a se utilizar de uma mão de obra chamada entre eles de “boys”, ou seja, jovens, sem antecedentes criminais, pontuação na Carteira de Habilitação ou visual e atitude suspeitos para levarem, de carro, quantias obtidas na comercialização principalmente de cocaína.
Foram 15 toneladas da droga ao todo negociadas no período. A maior parte acabou transportada para a Baixada Santista e pode ter sido enviada para a Europa via Porto de Santos (SP). Mas há também, nos montantes despachados, lucro obtido pela facção em outros negócios. Investigação do Gaeco paulista mostrou que o destino dos jovens era sempre o mesmo: São Miguel Paulista, bairro na zona leste de São Paulo (SP) onde atuavam os dois principais doleiros contratados pelo PCC para lavar o dinheiro obtido com o crime.
Um dos doleiros foi preso em 8 de agosto de 2018 com um notebook contendo planilhas detalhadas das movimentações financeiras da quadrilha nos últimos oito meses daquele ano. Foi essa prova que motivou as autoridades paulistas a iniciarem a operação. E nelas constavam pelo menos 17 “boys” que saíram de Mato Grosso do Sul, de cidades fronteiriças, com o objetivo de abastecer o caixa da facção.
Alguns deles têm origem indígena e foram convencidos pelos criminosos pela promessa de gordas recompensas, que poderiam chegar a R$ 10 mil por viagem. “Não era um foco específico deles, de contratarem indígenas, não há penetração em aldeias ou coisas do tipo, mas como o principal requisito para o trabalho era ser ficha limpa, desconhecido pela polícia, não fazia sentido eles buscarem a mão de obra habitual para levarem prejuízo. E nisso quem acaba atraído são jovens pobres, alguns de aldeias indígenas”, disse o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Gaeco-SP.
Mesmo somado o custo da viagem até São Paulo mais o pagamento dos “boys”, a cúpula do PCC avaliou que o lucro ainda assim é maior que usar meios tradicionais e sem risco de desvios por parte de intermediários ou “laranjas”. Fora a agilidade, já que usando o sistema financeiro o dinheiro demora até uma semana para entrar no caixa da facção. Nas regras estabelecidas pelos líderes, os “boys” só viajavam sozinhos e podiam transportar no máximo, por viagem, R$ 250 mil.
Esse limite foi estabelecido para evitar grande prejuízo em caso de apreensão policial. O Ministério Público de São Paulo apurou que, para dificultar a possível identificação, os acusados só se comunicavam usando apelidos com os nomes de países. Os líderes do esquema utilizavam iPhone de última geração e mantinham uma rede restrita. Apenas a liderança tinha acesso a contatos e mensagens. E somente um líder podia guiar e conversar com o “boy” em cada uma das viagens.
Foi justamente a partir da prisão de “Alemanha”, codinome do contador preso em agosto de 2018, que se descobriu todo o esquema de lavagem de dinheiro desse braço financeiro do PCC. O envio de dinheiro direto do braço no Paraguai, da facção para a Baixada Santista, se mostrou eficaz para manter o fluxo de caixa constante do bando a fim de pagar logística e propina no envio da cocaína para o exterior.