Os motoristas que trabalham para o Consórcio Guaicurus e ex-funcionários acusam os empresários de supostamente forjarem as últimas paralisações do transporte coletivo urbano de Campo Grande para obter mais recursos.
Segundo a denúncia, o verdadeiro esquema de ‘extorsão velada’ implicaria donos dos ônibus, sindicalistas e contaria até com a conivência de representantes do poder público. “Um movimento legítimo a gente fica sabendo antes, discute, escuta ao menos rumores. Mas, aqui, a gente chega pra trabalhar normalmente e é avisado pelos chefes, já na garagem, que é pra segurar os carros. Se isso não é armação, eu não sei o que é. Não sei quem teria que investigar isso, mas está escancarado e ninguém faz nada”, revelou um motorista.
Contratado há menos de 5 anos pelo Consórcio Guaicurus, ele afirma que os próprios encarregados dos empresários revelam o que está por trás. “Não é pra ninguém sair. Segura os carros aqui até segunda ordem, porque eles querem primeiro dar tempo para a imprensa. Deixa eles falarem do caos, daí a gente volta. Isso aí é só pra liberarem uma verba que tá presa”, foi o aviso de um chefe gravado na garagem na manhã desta quarta-feira (22).
De fato, o dia começou com aproximadamente uma hora sem ônibus saindo para as ruas. Em seguida, como num movimento orquestrado, espalhou-se a notícia de que os ‘motoristas’ teriam decidido parar por causa do atraso no adiantamento do vale mensal.
Segundo os motoristas que não concordam com a postura do Sindicato, a manobra é pensada para funcionar como um recurso de pressão. “É igual uma extorsão velada, sabe? Mas a gente acha que tá todo mundo envolvido. Parece que eles combinam entre eles pra fazer um auê e ter clima pra soltarem mais grana”, resume ex-funcionário que chegou a integrar a diretoria do STTCU (Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Coletivo e Urbano de Campo Grande).
Os sindicalistas negam. Acusado de peleguismo, o presidente do STTCU, Demétrio Freitas, garante que a entidade recebeu muita pressão da categoria, já que o adiantamento do salário deveria ter sido pago na segunda-feira (20).
“Foi por isso que a gente fez esse protesto. Agora, a gente está chamando uma assembleia para fazer a greve, entendeu? Vai ser deliberado através de uma assembleia. O trabalhador que vai decidir se vai parar ou não. Na segunda-feira (27), caso não haja um pagamento, serão todos convocados para deliberar, decidir se aceita ou não. Então, a gente não está tomando nenhuma decisão, não estamos fazendo nenhum tipo de movimento sem o acordo do trabalhador, você pode ter certeza disso”.
No entanto, a versão não bate com os relatos dos motoristas, que só ficaram sabendo que não poderiam sair das garagens até que os chefes da empresa autorizassem.
“Já estão ‘avisando’ que não podemos aprovar a tal greve de verdade na assembleia, porque senão vamos ter o risco de uma intervenção pra tirar os diretores da gestão, alguma coisa assim”, antecipa o trabalhador.
O rumor, na verdade, refere-se à proposta discutida na CPI do Consórcio Guaicurus, realizada pela Câmara Municipal, de propor a imediata intervenção no contrato de concessão do transporte coletivo urbano de Campo Grande. A ideia foi rejeitada pelos membros da CPI, mas está em relatório paralelo entregue pelo vereador Maicon Nogueira (PP) ao MPMS.
Somente com a jogada rápida de quarta-feira, a Prefeitura realizou o repasse imediato de R$ 1,6 milhão. Coincidentemente, a nota desse valor, segundo a Prefeitura, foi emitida pelo Consórcio Guaicurus na véspera da ‘greve’.
“Os repasses do passe dos estudantes, que eles cobraram, está em dia. Nós só pagamos depois que prestam o serviço. Assim que fecha o mês, é feito o cálculo para o pagamento. Está em dia, e acabam usando isso politicamente”, explicou à reportagem a prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP).
“Gente, todo mundo sabe que é uma jogada. Só os promotores, lá, é… os procuradores, lá, né? Acho que lá da Justiça do Trabalho, né, que não enxergam. Chegam a comentar que até os grandões da política estão envolvidos. Eles mandam os homens pararem a gente na garagem pra terem desculpa na hora de enterrar mais e mais dinheiro no bolso desses empresários”, denuncia um motorista, que trabalha há quase dez anos no Consórcio.
“Vou falar da greve que aconteceu hoje, porque já aconteceu comigo. Não são os motoristas que fazem, é o próprio sindicato que vai na porta da empresa [garagem] e não deixa os ônibus saírem”. Confirma um dos ex-motoristas do Consórcio Guaicurus.
Segundo ele, se o Sindicato fosse agir de verdade contra os abusos que supostamente os empregados enfrentam diariamente nas empresas de ônibus, já teria feito uma greve ‘de verdade’ faz tempo e ‘parado tudo de verdade’.
Foram sete anos dedicados à concessionária, período em que precisou lidar com a frustração de não ser ouvido e respeitado na profissão que ama e escolheu seguir. Hoje, mesmo sem compor o quadro de funcionários da empresa, ele fala por quem não pode reclamar para não ser demitido.
A expectativa é conseguir manifestar as adversidades que dezenas de motoristas encaram diariamente, mas não dizem por medo da repressão — que, lá de cima, vem forte.
