Reportagem publicada pelo site UOL revela que documentos de 2004 e 2019 apreendidos pela Polícia Civil e MP-SP (Ministério Público de São Paulo) com tesoureiros e contadores do PCC (Primeiro Comando da Capital) mostram que a movimentação financeira da maior facção criminosa do Brasil aumentou praticamente 160 vezes nos últimos 15 anos.
O site teve acesso a planilhas que revelam que a organização movimentou R$ 6,2 milhões de setembro de 2004 a junho de 2005 (média aproximada de R$ 688 mil por mês), e cerca de R$ 1 bilhão entre abril de 2018 e julho de 2019 (média aproximada de R$ 66 milhões por mês). A evolução atingiu cifras dignas de uma multinacional.
Deivid Surur, então com 23 anos, conhecido como DVD, o primeiro tesoureiro da história do PCC, foi preso em 22 de julho de 2005 pelo Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), da Polícia Civil. Com ele foram apreendidos cadernos e anotações contendo a contabilidade do grupo.
Na época, a organização começava a se estruturar nos moldes de empresa. O tráfico de drogas passava a ser a prioridade e a Baixada Santista já era um dos mais importantes redutos. Mas a contabilidade ainda era feita à moda antiga.
O tesoureiro não usava computadores, notebooks nem pendrive. As planilhas encontradas com Deivid eram autênticos manuscritos. Ele anotava tudo a caneta em folhas de caderno. O PCC ainda não fazia negociações em moeda americana nem usava doleiros em suas transações.
A documentação indica que a facção movimentava mensalmente entre R$ 100 mil e R$ 350 mil com a compra de drogas, aquisição de armas, munição e veículos, pagamentos a advogados, remessa de dinheiro para seus líderes e empréstimos para os integrantes.
Primórdios da contabilidade do crime
As investigações do Deic constataram que a organização iniciava naquela época a lavagem de dinheiro. O delegado Ruy Ferraz Fontes, então titular da Delegacia de Roubo a Bancos e hoje delegado-geral da Polícia Civil, escreveu em seu relatório de investigação após a prisão de Deivid Surur:
“Ele assumiu o controle financeiro da facção criminosa. É responsável pelo recebimento do dinheiro arrecadado, sua organização e posterior remessa aos líderes do PCC. Assumiu também o controle dos investimentos e fiscalização dos pontos de vendas de entorpecentes na capital e Baixada Santista”.
Deivid foi preso em São Mateus, na zona leste de São Paulo e ficou 20 dias atrás das grades. Foi encontrado morto em 10 de agosto de 2005 no CDP 1 (Centro de Detenção Provisória) do Belém em uma cela onde havia outros 10 detentos.
As autoridades carcerárias disseram que a causa da morte foi asfixia. Os presos afirmaram que ele havia se enforcado com um lençol. No Deic os comentários eram de que Deivid tinha desviado R$ 150 mil da facção e por isso acabou morto.
Gestão da facção passa por modernização
Passados mais de 10 anos da prisão e morte do primeiro tesoureiro do PCC, a facção dava um “salto criminal gigantesco rumo à modernidade empresarial”, afirmaram ao UOL promotores de Justiça.
O tráfico de drogas tornou-se a principal fonte de arrecadação do grupo. O PCC havia contratado dois doleiros para a lavagem de capitais. A Baixada Santista virou de vez o principal reduto dos criminosos por causa do porto de Santos (SP), de onde são enviadas toneladas de cocaína à Europa.
Robson Sampaio de Lima, 37, o Tubarão, foi o último contador do PCC a ser preso. Isso aconteceu em 8 de julho de 2018, em Itaquera, também na zona leste. No notebook dele havia centenas de planilhas, gráficos e tabelas coloridas, diferentes dos manuscritos a caneta de 2005.
Graças à documentação encontrada com Robson, o Ministério Público identificou outros 20 integrantes da facção e desmantelou um importante braço financeiro da organização. Outras planilhas também foram apreendidas com os acusados.
Gastos de R$ 5 milhões só com aeronaves
A contabilidade analisada pelo MP mostra uma movimentação financeira de US$ 182,3 milhões entre 2018 e 2019. Isso representa um movimento superior a R$ 1 bilhão na cotação atual.
Segundo as planilhas apreendidas pelo Ministério Público, o PCC movimentou R$ 140 milhões de dezembro de 2017 até julho de 2018, quando Robson foi preso. Nos primeiros seis meses de 2019, a facção comprou 15 toneladas de cocaína. Gastou outros R$ 5 milhões apenas em despesas com aeronaves.
O volume de dinheiro arrecadado era tanto que o PCC adquiriu uma máquina para contar cédulas. O grupo também passou a alugar casas-cofres, com paredes falsas para esconder a grana.
O braço financeiro estabeleceu o limite de R$ 250 mil para ser transportado por viagem aos doleiros. E isso para evitar grande prejuízo em caso de apreensões policiais. Os depósitos bancários pingados nas contas de parentes e laranjas do grupo já são lembranças do passado.