Justiça da Espanha quer julgar Major Carvalho, o “Escobar Brasileiro”, por tráfico de drogas

A Justiça da Espanha quer julgar por tráfico internacional de drogas o sul-mato-grossense ex-major PM Sérgio Roberto de Carvalho, mais conhecido como “Major Carvalho” e batizado de “Escobar Brasileiro” em referência ao narcotraficante colombiano Pablo Escobar. Preso em maio de 2020, usando o nome falso de Paul Wouter, ele não atendeu ao pedido do Tribunal de Pontevedra, como costumava fazer, alegando que estava com Covid-19.

Major Carvalho, cuja documentação legal na Espanha era a do holandês Paul Wouter e morava em uma mansão alugada em Marbella (Málaga), tinha sido solto em 2018 após ser preso, junto com outras 20 pessoas, por ser o suposto responsável pelo tráfico de mais de duas toneladas de cocaína que a Polícia Nacional interceptou em um cargueiro no dia 7 de agosto de 2018, em alto mar, em um ponto entre o Funchal e os Açores, proveniente da costa do Suriname.

O sul-mato-grossense foi o fiador desse carregamento, já que Manuel Charlín, do clã charlines, não dava confiança suficiente à organização latino-americana. Pouco depois, foi novamente intimado pelo tribunal e, já em pleno confinamento pandêmico, compareceu por videoconferência. Na convocação seguinte, Major Carvalho não apareceu mais e o seu advogado apresentou uma certidão de óbito: Paul Wouter morreu repentinamente em 29 de agosto de 2020 em sua casa em Marbella e, portanto, foi inscrito no Registro Civil de Málaga.

No entanto, algo chamou a atenção dos investigadores, que perceberam que o médico que assinou essa certidão de óbito era José Martín Martos, um esteticista de Marbella. E, alguns meses depois, em 3 de setembro de 2021, a polícia portuguesa enviou aos seus homólogos espanhóis um relatório de vigilância e buscas na casa lisboeta de Major Carvalho, onde o suposto narcotraficante foi visto e onde foram apreendidos 13 milhões de euros em dinheiro.

Dois anos depois, a suspeita se tornou uma certeza: em 21 de junho, Paul Wouter (Sergio Roberto de Carvalho) foi preso em Budapeste (Hungria) como Igor Ivanovich Kuzmenko, em uma fiscalização de rotina e com passaporte ucraniano. As impressões digitais revelaram suas outras duas identidades e, acima de tudo, confirmaram que ele estava vivo. A Polícia agora tenta provar a fraude gestada para obter sua certidão de óbito, já que para extraditá-lo e julgá-lo na Espanha, ele deve primeiro ser “ressuscitado”.

Porque com a certidão de óbito entregue no Tribunal de Instrução nº 4 de Vigo (Pontevedra), Major Carvalho foi imediatamente isento de qualquer responsabilidade criminal pelo crime de tráfico de droga de que foi acusado na Espanha. “A certidão de óbito é verdadeira e seu processamento no Registro Civil de Málaga é legal; ou seja, Paul Wouter [Sergio de Carvalho], hoje, está legalmente morto na Espanha”, disse uma fonte.

Major Carvalho tinha outro processo pendente em Portugal por lavagem de dinheiro e era procurado após ser condenado por tráfico de drogas no Brasil, onde foi Major da Polícia Militar de meados da década de 1980 até o final da década de 1990. Além disso, também havia casos abertos contra ele nos Estados Unidos, segundo os investigadores.

No entanto, os documentos que ele carregava com identidades diferentes da sua eram sempre verdadeiros, o que impediu a polícia dos diferentes países que o reivindicaram de cruzar seus dados até muito mais tarde, explicam. As suspeitas sobre a veracidade de sua morte levaram os investigadores a um espanhol chamado F. Pascual, supostamente escolta de Wouter em Málaga.

“Primeiro ele declarou que tinha ido para sua casa porque estava se sentindo mal e que testemunhou como sofreu um ataque e morreu ali mesmo”, relataram os investigadores. “Mais tarde, ele mudou a versão e garantiu que tinha ido para casa surpreso porque Wouter não atendeu o telefone e entrou com algumas chaves que tinha em casa e o encontrou morto no sofá”, pontuaram.

Pascual disse então que chamou uma ambulância, mas os agentes procuraram o aviso “P10” correspondente a este tipo de atendimento médico e não apareceu em nenhum lugar, nem em centros médicos públicos nem privados. Não há evidências de que alguma ambulância tenha ido para aquele local naquele dia, 29 de agosto. De sua parte, o médico esteticista que supostamente assinou o atestado de óbito de Wouter garantiu à polícia que ele não tinha nenhuma lembrança daquele dia de agosto.

Ele não se lembrava das circunstâncias em que conseguiu assinar aquela certidão e não confirmou que foi à casa do falecido. No entanto, o acompanhante garantiu em uma de suas declarações que foi o próprio Wouter quem chamou o médico, que foi até a casa. O acompanhante disse ainda que não viu os funcionários da funerária que vieram buscar o corpo, apesar de um deles assegurar que F. Pascual estava na casa quando chegaram.

Três funcionários do cemitério onde supostamente ocorreu a cremação afirmaram que havia um corpo dentro do caixão, mas que nenhum deles verificou sua identidade porque são “meros peões”. As cinzas foram levadas pela escolta, e isso consta na documentação compilada pela polícia.

Os investigadores suspeitam que o médico, o agente funerário e um de seus funcionários, e a escolta foram capazes de conspirar com Paul Wouter por um preço para que ele pudesse obter uma certidão de óbito, pelo qual teriam cometido um crime de falsificação de documentos. A Promotoria Antidrogas e o juiz de Pontevedra terão agora que decidir se as provas e contradições apresentadas pelos investigadores são suficientes para anular aquela certidão de óbito e “ressuscitar” Wouter na Espanha. Com informações do jornal O Globo