Levantamento realizado pelas entidades representativas do comércio, serviços e turismo de Mato Grosso do Sul revelou que os atestados médicos de até 15 dias, ou seja, quando os funcionários não precisam acionar o INSS, são apresentados após fins de semana e feriados prolongados, demonstrando má-fé dos trabalhadores com as empresas.
O assunto voltou a ser pauta depois de apresentação de projeto na Câmara Municipal para tentar coibir a quantidade de pedidos de afastamento por supostos problemas de saúde. Para entender qual a dimensão do problema, o site Campo Grande News ouviu os trabalhadores, a Acicg (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande) e a Fecomércio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Mato Grosso do Sul).
Segundo as instituições, o número de atestados médicos curtos apresentados pelos trabalhadores é muito maior do que o de afastamentos superiores a 15 dias, que são pagos pela Previdência Social. Nesta semana, a Câmara Municipal aprovou o projeto de lei do Atestado Responsável, que pretende reduzir a sobrecarga nas UPAs e postos de saúde e desestimular o uso indevido ou fraudulento de atestados.
A ACICG afirmou que “existem muitos afastamentos de até 15 dias ou atestados de poucos dias, principalmente antes e após fins de semana e feriados prolongados, que provocam uma percepção de falta de critérios ou má conduta, prejudicando os bons funcionários, a produtividade e a manutenção dos postos de trabalho”.
No comércio da Capital, os afastamentos longos estão mais ligados a acidentes de trabalho e, sobretudo, a transtornos mentais, como ansiedade e depressão, que vêm crescendo entre trabalhadores. Mas a maior preocupação é a repetição de atestados curtos, que não chegam ao INSS, mas desorganizam equipes inteiras e geram custos diretos às empresas.
Segundo a entidade, esses danos vão desde custos financeiros até impactos organizacionais: pagamento dos primeiros 15 dias de salário, horas extras para cobrir ausências, contratação e treinamento de substitutos, queda na produtividade e aumento do retrabalho.
Uma das formas de reduzir o problema, avalia a associação, é reforçar práticas básicas de saúde ocupacional e reorganizar a gestão laboral, desde campanhas de prevenção até atenção à ergonomia.
“Para contribuir com o bem-estar, as empresas devem oferecer boas condições físicas e cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho. Oferecer qualificação aos funcionários estimula o desempenho e auxilia na prevenção de problemas de gestão e de ordem física.”
O vice-presidente da Fecomércio e presidente do Senac-MS, Daniel Amado Felício, afirma que o setor enfrenta problema crescente: adulteração, falsificação e venda de atestados, sobretudo os de curta duração.
Segundo ele, mais de 40% das ausências justificadas em empresas de comércio e serviços levantam suspeitas. “O aumento de práticas fraudulentas compromete a legitimidade do benefício e prejudica a atividade empresarial, que gera emprego e renda”, afirma.
O setor, que representa cerca de 70% do PIB de Mato Grosso do Sul, é composto majoritariamente por micro, pequenas e médias empresas, com margens reduzidas e equipes enxutas. Por isso, qualquer ausência, relata o dirigente, gera impacto financeiro direto.
Felício afirma que o ambiente empresarial também está pressionado pela alta carga regulatória. “Somente para atender às obrigações legais, são necessários inúmeros laudos, programas de SST e equipes multidisciplinares.”
Com a atualização da NR-01, que incluiu fatores psicossociais no gerenciamento de riscos, o peso ficou ainda maior. “Muitas empresas não conseguem sustentar essa estrutura. A atuação coletiva das entidades é essencial para criar modelos viáveis de cuidado com a saúde mental”, explicou.
Sobre possíveis abusos, ele pontua que empresas com SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho) estruturado conseguem monitorar afastamentos com mais precisão, cruzar informações, investigar padrões e planejar retornos seguros.
Já os pequenos negócios dependem de serviços terceirizados oferecidos pelas entidades do sistema confederativo. “O desafio é coibir práticas indevidas sem prejudicar quem realmente precisa do benefício”, conclui.
O que pensa o trabalhador
Para muitos, o debate sobre fiscalização chega em momento inadequado, diante da falta de medicamentos e da dificuldade de acesso a tratamentos básicos. Marcelo Augusto, 31 anos, cozinheiro, foi à unidade de saúde em busca de um encaminhamento para exames, mas saiu com um atestado de 14 dias devido a uma infecção no dedo. Segundo ele, o problema central não está nos atestados, mas na ausência de remédios.
“Eu acho que tem coisa mais grave no momento. Agora não tem medicação. Tive infecção no dedo e tive que comprar tudo. Aqui mesmo você vê todo mundo indo embora sem remédio. Ninguém vai querer vir aqui só passear”, afirma.
Ele reconhece que há casos em que o atestado não é necessário, mas acredita que a discussão coloca médicos e pacientes em uma disputa que “não caberia a eles”. “Existem problemas maiores agora, principalmente na saúde. Não acho interessante mexer nisso no meio de uma crise”, critica.
Ariane da Silva, 32 anos, secretária, acompanhava a filha no dia de folga e não precisou de termo de comparecimento. Para ela, há quem procure atestados sem real necessidade, mas essa não é a regra.
“É meio a meio. Tem muita gente que precisa, eu mesma pego direto porque preciso. Mas muitos também pegam porque não querem trabalhar”, avalia. No ambiente profissional, a ausência de colegas pode pesar.
