O desembargador Sérgio Fernandes Martins deu o voto que definiu a condenação do ex-governador e atual deputado federal Zeca do PT pela prática de atos de improbidade administrativa em esquema que ficou conhecido como “farra da publicidade”.
Não por acaso, afinal de contas, Sérgio Martins foi indicado para ocupar uma cadeira no TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) pelo também ex-governador André Puccinelli, desafeto declarado de Zeca do PT desde a época em que ambos disputaram a Prefeitura de Campo Grande e o italiano derrotou o petista por menos de 500 votos.
Na prática, a decisão torna o ex-governador inelegível pelo prazo de oito anos após o cumprimento da pena, conforme estabelece a Lei Complementar nº 135, de 4 de julho de 2010, também conhecida como “Lei da Ficha Limpa”. De acordo com essa lei, os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de oito.
A decisão praticamente sepulta toda e qualquer pretensão política do PT de disputar o Governo do Estado nas eleições de 2018, já que Zeca, atualmente, era o virtual candidato da legenda, pois o sobrinho, o deputado federal Vander Loubet, também da sigla e o segundo no comando da legenda, está atolado até o pescoço na Lava-Jato.
Entenda o caso
A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJMS) manteve a decisão que acatou o pedido do MPE (Ministério Público Estadual) de reformular a decisão do juiz Alexandre Tsuyoshi Ito, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, e condenar o ex-governador e atual deputado federal Zeca do PT pela prática de atos de improbidade administrativa em esquema que ficou conhecido como “farra da publicidade”.
Nessa ação civil pública também foram condenados Oscar Ramos Gaspar, Raufi Antônio Jaccoud Marques, José Roberto dos Santos, Hugo Sérgio Siqueira Borges, Salete Terezinha de Luca, Sandra Maristela Velho Mondragon, Ivanete Leite Martins, Ana Lúcia Rodrigues Rosa Tavares, Odyllea Carvalhaes Siqueira, Julian Pascula Sanz Mondragon, a Gráfica e Editora Quatro Cores e RPS Publicidade e Promoções.
Na decisão, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJMS) declara que, por unanimidade, os desembargadores rejeitaram a preliminar e, por maioria, deram provimento ao recurso, nos termos do voto da 1ª vogal – desembargador Sérgio Fernandes Martins -, vencidos o relator – desembargador Divoncir Schreiner Maran – e a 2ª vogal – Marcelo Câmara Rasslan -, nos moldes do artigo 942 do CPC. A decisão foi assinada pela presidente da 1ª Câmara, desembargador Marcelo Câmara Rasslan, Relator, e publicada no dia 7 de março deste ano.
No seu voto, o desembargador Sérgio Fernandes Martins (1º Vogal), declara que, assim, “contrário ao entendimento adotado pela sentença e também pelo ilustre relator, resta evidente o dolo na conduta dos mencionados apelados (José Orcírio de Miranda dos Santos, Raufi Antônio Jaccoud Marques, Salete Terezinha de Luca, Oscar Ramos Gaspar, Ana Lúcia Rodrigues Rosa Tavares, José Roberto dos Santos e Ivanete Leite Martins), em razão da nítida intenção de lesar os cofres públicos, mediante a simulação da prestação de serviços de publicidade”.
Ela ainda prossegue que eles praticaram, assim, ato de improbidade, consistente no desvio e apropriação de verba pública, nos termos do art. 10, da Lei 8.429/92, e na transgressão consciente dos princípios que norteiam a Administração Pública (art. 12, II, da Lei 8.429/92). “De igual maneira, os particulares proprietários das empresas Sergraph e RPS Publicidade e Promoções Ltda. concorreram para a prática do ato ímprobo, pois participaram efetivamente do esquema ilícito, em ajuste com os agentes públicos, mediante a confecção de notas fiscais ‘frias’”, traz o voto.
Além disso, o desembargador reforça que “o conjunto probatório é robusto a respeito da prática do ato de improbidade pelos apelados, que culminou em prejuízo ao erário, no valor de R$ 96.198,89, bem como da presença do dolo dos agentes em perpetrar o ato ímprobo, com o intuito de obterem vantagem patrimonial ilícita”, traz o voto, completando que “ante o exposto, peço vênia ao relator para divergir e dar provimento ao recurso para reformar a sentença e, por conseguinte, julgar procedente o pedido contido na inicial para condenar os réus pela prática de atos de improbidade administrativa que ensejaram perda patrimonial do Estado.
No seu voto, ele traz também que os réus, em especial explicitados nos incisos I, XI e XII, terão de ressarcir integralmente o dano causado ao patrimônio público, no valor de R$ 96.198,89, e as sanções civis e cidadãs do art. 12, II, da Lei n. 8.429/927, quais sejam, (i) suspensão dos direitos políticos (8 anos); (ii) multa civil no valor R$ 100.000,00; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário (5 anos). Sem condenação em custas e honorários (art. 18 da Lei nº 7.347/859).
Mais informações
Na prática, a decisão que tornou Zeca do PT inelegível proíbe que as duas empresas arroladas no processo possam ser contratadas pelo Governo do Estado. No pedido de reconsideração da sentença que inocentava Zeca do PT, bem como outras dez pessoas e as duas empresas, o promotor de Justiça Henrique Franco Cândia alega que se apurou que a empresa RPS Publicidade apresentou documento de cobrança, supostamente acompanhado de nota fiscal e cotações, alegando ter se utilizado dos serviços terceirizados de impressão realizados pela Gráfica e Editora Quatro Cores e dessa forma conseguiu liquidar e obter o pagamento das despesas com a devida autorização do ordenador.
Verifica-se que, entre janeiro do ano 2005 e dezembro do ano 2006, o ex-governador e o ex-secretário de Estado de Coordenação-Geral de Governo, Raufi Marques, em estratagema gerado no âmbito da Secretaria de Estado de Coordenação-Geral de Governo, valeram-se reiteradamente dos contratos celebrados com as agências de publicidade, para desviar recursos públicos por meio de notas fiscais “frias” apresentadas como serviços de impressão, reimpressão e criações diversas pelas agências de publicidade e propaganda, inclusive a supracitada RPS Publicidade e Promoções, que simulava serviços terceirizados de impressão junto à Gráfica Quatro Cores, tudo com o conhecimento e a anuência de seus proprietários Julian Pascual Sanz Mondragon, Sandra Maristela Velho Mondragon e Hugo Sérgio Siqueira Borges.
Assim, à época narrada, se o governador ou o secretário necessitassem de algum recurso, sem registro no orçamento, era feito o contato com a servidora Ivanete Leite Martins, à época coordenadora da Subsecretaria de Comunicação, a qual acionava o proprietário da gráfica, Hugo Borges, solicitando-se a emissão de uma nota “fria” em valor determinado conforme as necessidades apontadas. A servidora, do mesmo modo, contatava os proprietários da agência de publicidade Julian Mondragon e Maristela Mondragon a fim de comunicar-lhes que o seu contrato seria utilizado para a captação das verbas.
Os documentos fiscais eram, então, apresentados na Secretaria de Estado de Coordenação-Geral de Governo e a prova da prestação do serviço atestada pelos servidores Oscar Ramos Gaspar, subsecretário de Comunicação, Ana Lúcia Rodrigues Rosa Tavares e José Roberto dos Santos, coordenadores de Publicidade, todos lotados na própria Secretaria, trabalhando sob as ordens do secretário Raufi Marques.
Na sequência, as despesas eram autorizadas pela Ordenadora de Despesa da Secretaria, a servidora Salete Terezinha de Luca e pagas por ordem bancária à agência de publicidade, a qual deduzia o valor de sua comissão, 15%, cobrada sem a prestação efetiva de qualquer serviço, apenas para “emprestar” o contrato, mas em porcentagem equivalente ao previsto, que pactuava que a contratada seria remunerada nesse percentual sobre os serviços de terceiros e deduzia ainda o valor da comissão da gráfica, que variava entre 12% e 17%, e que também era cobrada sem a efetiva prestação de qualquer serviço, somente para providenciar a nota “fria” que encobriria a falcatrua. Finalmente, para completar a operação, a agência de publicidade devolvia o restante do dinheiro público recebido aos servidores públicos envolvidos no esquema ilícito.
Desse modo, ferindo princípios e regras regentes da atividade estatal, e comprometendo, irremediavelmente, o Contrato 05/2005, celebrado com a empresa RPS, o ex-governador e o ex-secretário Raufi Marques, com suporte dos ex-servidores Ivanete Martins e Salete de Luca, de Oscar Ramos Gaspar, subsecretário de Comunicação, Ana Tavares e José Roberto dos Santos, coordenadores de Publicidade, determinaram a liberação de verba pública sem a observância das normas pertinentes, valendo-se de notas fiscais forjadas apresentadas pelas empresas RPS Publicidade e Gráfica Quatro Cores.