Por quase 40 anos na Polícia Federal, o delegado aposentado Edgar Paulo Marcon acompanhou de perto a evolução do crime na divisa entre Brasil e Paraguai. Ex-superintendente da PF em Mato Grosso do Sul e ex-adido em Assunção, ele afirma que a fronteira vive hoje sua fase mais violenta e integrada sob domínio do Primeiro Comando da Capital (PCC) — mas garante que o poder real está longe das facções: “Quem manda é a Faria Lima”.
Marcon descreve uma mudança profunda no perfil criminoso da região. A antiga elite do contrabando, formada por nomes como Fuad Jamil, a família Mota e o empresário Jorge Rafaat, não resistiu ao avanço da facção paulista. “Foram eliminados ou empurrados para atividades marginais”, diz. A execução de Rafaat, em 2016, marcou para o delegado o início de uma nova hegemonia.
Segundo ele, o PCC replicou, décadas depois, o modelo inaugurado pelo Comando Vermelho em Capitán Bado, quando Fernandinho Beira-Mar se refugiou no Paraguai e assumiu o ciclo completo da maconha ao eliminar intermediários e aproveitar facilidades logísticas da fronteira.
“Líderes locais são descartáveis”
Hoje, afirma, o PCC atua desde a base da produção de cocaína — em áreas da Bolívia, Peru e Colômbia — até a distribuição no Brasil. Mas isso não significa que a facção concentre o poder financeiro.
“Não é Marcola que manda. Quem manda é a Faria Lima”, provoca Marcon, apontando para o mercado financeiro como motor das engrenagens econômicas do tráfico internacional. Segundo ele, líderes regionais se tornaram figuras substituíveis, trocadas a cada dois ou três meses entre prisões, execuções e disputas internas.
Crítica ao Estado e ao Sisfron
Apesar de reconhecer o avanço das facções, Marcon atribui parte do crescimento ao próprio Estado brasileiro, que considera desorganizado e incapaz de responder ao crime real.
Entre as críticas mais duras está o Sisfron, o sistema de vigilância de fronteira administrado pelo Exército. “Nunca funcionou, e agora funciona menos ainda”, diz. Para o delegado, o modelo militarizado não atende às necessidades da segurança pública.
Ele aponta:
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baixa eficiência de operações como a Ágata;
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falta de estrutura do Exército para o combate cotidiano ao crime;
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ausência de integração com as polícias.
“Droga e arma são bens físicos. Exigem presença diária. Não há polícia na estrada. A fronteira está aberta.”
Marcon também critica a disputa institucional entre as forças de segurança.
“A PRF quer fazer inteligência.
A PF quer fazer ostensivo.
A Polícia Civil quer fazer fronteira.
É todo mundo querendo fazer tudo e ninguém fazendo nada.”
Avanço facilitado pela corrupção
Para o delegado, nenhuma facção cresce sem um ambiente propício. “Quando o crime avança, é porque há corrupção no meio”, afirma, destacando que o problema não está apenas na ponta, mas também no alto escalão — em pressões políticas para enfraquecer órgãos de controle e na infiltração das facções em empresas e no sistema financeiro.
Ele vê com preocupação propostas no Congresso que ampliam interferência política na Polícia Federal e no Banco Central. “Quando mexem no que funciona, algo está errado”, avalia. Também demonstra ceticismo em relação à CPI do Crime Organizado. “CPI faz relatório e morre. Falta continuidade.”
Medidas urgentes
Marcon defende ações permanentes, não operações pontuais. Entre elas:
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reforço fixo nas três rodovias críticas de Mato Grosso do Sul;
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rodízio frequente de efetivo;
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integração real entre PRF, PF, PM e polícias civis;
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presença diária do Estado na fronteira;
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uso coordenado de tecnologia para identificar grandes cargas e veículos reincidentes.
Para ele, o crime já funciona como uma estrutura “mafiosa, internacionalizada e unificada”, enquanto o Estado permanece “fragmentado e lento”.

